sábado, 28 de dezembro de 2024
Análise de "Esta tarde a trovoada caiu", de Alberto Caeiro
sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Análise da cantiga "Ai amor, amore de Pero Cantone", de Fernão Soares de Quinhones
Análise da cantiga "Agora oí d’ua dona falar", de Fernão Rodrigues de Calheiros
quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Análise da cantiga "As mias jornadas vedes quaes som", de Afonso Anes do Cotom
Análise da cantiga "Ao lançar o pau", de Lopo Lias
Análise da cantiga "Amigas, eu oí dizer", de Gonçalo Anes do Vinhal
quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Caracterização de Rita Baiana
- Cabelos:
     Longos, ondulados e negros como a noite, com um brilho intenso que reflete
     sua vivacidade, caem como uma cascata sobre os ombros, emoldurando o seu
     rosto com um toque selvagem e natural. Costuma usá-los soltos ou presos de
     maneira despretensiosa, como quem não tem tempo a perder com formalidades,
     o que aumenta seu charme natural.
- Pele:
     Morena e luminosa, com um tom dourado característico que reflete suas
     origens mestiças, exalando saúde e vitalidade. Ela tem um aspeto saudável,
     com um brilho que lembra o calor tropical, isto é, o brilho do sol num dia
     de verão.
- Olhos:
     Grandes e negros, profundos e expressivos, com um brilho vivaz que
     transmite paixão ou malícia e ternura ou alegria, duas janelas para a sua
     alma calorosa e apaixonada. O olhar é magnético, capaz de cativar qualquer
     pessoa.
- Corpo:
     Bem proporcionado, com curvas sensuais, é uma celebração da feminilidade. De
     facto, a sua figura reflete feminilidade e força, com quadris largos,
     equilibrados por ombros delicados, e uma postura confiante, formando uma
     silhueta que atrai olhares por onde passa. Além disso, movimenta-se com a
     graça de quem está em sintonia com a música do mundo, e cada passo parece
     uma dança, refletindo a sua ligação com o ritmo e a cultura brasileira.
- Rosto:
     Oval e harmonioso, cheio de vida, com maçãs do rosto ligeiramente
     salientes e lábios carnudos e bem desenhados, de um vermelho natural, muitas
     vezes curvados formando um sorriso provocante que é, ao mesmo tempo,
     desafiador e convidativo.
- Vestuário:
     Geralmente vestida de forma vibrante e atraente, com roupas coloridas, que
     refletem sua personalidade alegre e sua ligação com a cultura brasileira.
     Gosta de usar vestidos leves e coloridos/floridos, que destacam as suas
     formas e a sua naturalidade. Pequenos adornos, como brincos de argola ou
     pulseiras de contas, completam o visual, adicionando toques de brilho à
     sua aparência.
- Origem
     e cultura: Rita Baiana é uma mulher de origem mestiça, representando o
     sincretismo cultural brasileiro, especialmente as influências
     afro-brasileiras. Ela incorpora uma sensualidade e uma alegria de viver
     que estão profundamente conectadas à cultura popular e ao ambiente
     tropical do Rio de Janeiro da época. A sua ligação com a música,
     especialmente o samba e a dança, destaca a importância da cultura
     afro-brasileira como elemento de resistência e identidade no contexto
     social do século XIX.
- Papel
     na comunidade do cortiço: Rita é uma figura central no cortiço. A sua
     casa é frequentemente palco de festas, onde ela canta, dança e atrai as
     atenções com o seu carisma. Esses momentos de celebração ajudam a
     solidificar o sentimento de comunidade entre os moradores, ao mesmo tempo
     que revelam as tensões sociais e económicas presentes no cortiço. Rita
     simboliza a liberdade e a expressão, mas também é alvo de fofocas e
     críticas, refletindo o moralismo da sociedade da época.
- Relações
     interpessoais: Rita é uma mulher independente e assertiva,
     características que fazem com que se destaque num ambiente marcado por
     relações patriarcais. A relação que mantém com Firmo é caracterizada pela
     paixão e por conflitos, representando um tipo de ligação intensa e volátil
     comum entre as camadas populares. Ela também exerce uma influência
     magnética sobre outros homens no cortiço, como Jerónimo, despertando
     desejos que acabam por alterar a dinâmica entre as personagens.
- Representação
     social: Enquanto personagem, Baiana é um símbolo da miscigenação
     brasileira e da tensão entre as diferentes classes e culturas. Ela desafia
     padrões de comportamento feminino impostos pela sociedade da época ao
     viver com espontaneidade e autonomia. No entanto, a sua sexualidade e
     comportamento livre tornam-na alvo de comentários e julgamentos, revelando
     os preconceitos e a hipocrisia presentes no ambiente do cortiço.
- Conexão
     com o espaço do cortiço: Rita é uma extensão do cortiço e vice-versa. O
     empreendimento é um espaço de convivência intensa, repleto de conflitos e
     solidariedade, e Rita reflete essas características com a sua
     personalidade vibrante e contraditória. Ela tanto é uma mediadora social,
     conectando pessoas através da festa e da música, quanto um elemento de
     discórdia, expondo as tensões latentes entre as personagens.
- Crítica
     Social: A figura de Rita Baiana também serve como instrumento de
     crítica social de Aluísio Azevedo. Através dela, o autor expõe as
     desigualdades e os preconceitos estruturais da sociedade brasileira do
     século XIX, ao mesmo tempo que celebra a força e a resistência cultural
     das classes populares.
                Em
suma, Rita Baiana, no plano social, é muito mais do que uma personagem; ela é
um microcosmo do Brasil da época. Através da sua alegria, sensualidade e
autenticidade, representa a riqueza e a complexidade cultural do país, mas
também evidencia as desigualdades e os conflitos sociais que definem o ambiente
em que vive.
III: Retrato social
- Espontaneidade
     e alegria de viver: Rita Baiana é uma mulher espontânea, que vive o
     momento presente com intensidade. A sua personalidade é marcada por uma
     alegria vibrante, que contagia todos ao seu redor. Essa atitude
     despreocupada reflete uma determinada visão de mundo: ela não se prende às
     convenções sociais ou morais que a maioria dos personagens tenta seguir.
- Paixão
     e intensidade: Uma característica marcante de Rita é a sua natureza
     apaixonada. Ela vive as emoções de maneira intensa, seja na alegria das
     festas que organiza, seja nos conflitos que marcam a relação com Firmo.
     Essa intensidade torna-a magnética, mas também a coloca em situações de
     tensão e confronto.
- Independência
     e autonomia: Rita é independente no que respeita à sua maneira de
     pensar e agir. Embora viva num ambiente fortemente patriarcal, não se sujeita
     às expectativas de submissão ou decoro que a sociedade da época espera das
     mulheres. Ela age de acordo com os seus desejos e necessidades, mesmo que
     isso vá contra as normas.
- Manipulação
     e sedução: Com uma personalidade magnética, Rita tem consciência do
     impacto que exerce sobre os outros, especialmente os homens. Embora isso
     não a defina como essencialmente manipuladora, sabe usar o seu charme e
     sensualidade para conseguir o que deseja ou para afirmar a sua posição num
     espaço onde as mulheres são frequentemente subjugadas.
- Impulsividade
     e falta de reflexão: Se é verdade que a paixão a define, Rita pode ser
     impulsiva e pouco reflexiva nas suas ações. Essa impulsividade, muitas
     vezes, coloca-a em situações de conflito e perigo, como a sua relação
     tumultuada com Firmo e a capacidade de gerar rivalidades entre outras
     personagens.
Características Morais
- Liberdade
     moral: Rita Baiana não se apega aos padrões morais rígidos da
     sociedade da época. Para ela, a vida deve ser vivida com liberdade,
     alegria e prazer, daí que desafie as normas conservadoras, representando
     uma visão do mundo mais flexível e moderna.
- Fidelidade
     às próprias emoções: Ela age de forma autêntica e não tenta esconder
     ou reprimir os sentimentos. Se ama, ama intensamente; se odeia, expressa o
     seu descontentamento sem hesitação. Essa autenticidade pode ser vista como
     uma virtude moral, mas também a expõe a críticas e conflitos.
- Ambiguidade
     moral: Rita não é um modelo de virtude segundo os padrões
     tradicionais. Ela provoca rivalidades, não hesita em usar a sua influência
     e poder de sedução para atingir objetivos, e, em muitos momentos, parece
     indiferente às consequências dos seus atos. Essa ambiguidade moral torna-a
     uma personagem realista e humana, cheia de contradições.
- Empatia
     e solidariedade: Apesar da sua postura independente, Rita demonstra
     empatia e solidariedade com os outros moradores do cortiço, especialmente
     nas festas e momentos de celebração. É uma figura que une as pessoas,
     criando laços de convivência num espaço marcado por tensões sociais e económicas.
- Desafiante
     de convenções: Rita é, moralmente, uma rebelde. Enquanto tal, desafia
     as normas de género e comportamento feminino da época, recusando submeter-se
     à passividade ou ao silêncio esperado das mulheres, o que lhe vale a
     admiração de uns e a crítica de outros, acabando por se tornar uma espécie
     de espelho dos dilemas sociais da época.
                Em
suma, Rita Baiana é, ao mesmo tempo, um símbolo de liberdade e um retrato dos
conflitos do seu tempo. A sua alegria contrasta com os momentos de tensão e
agressividade que pautam as suas relações, especialmente com Firmo. A sua
independência é admirável, mas a impulsividade coloca-a em situações
problemáticas. A liberdade moral desafia padrões, mas também a torna alvo de
julgamento por parte dos outros.
                Rita
Baiana é uma personagem psicologicamente rica e moralmente ambígua. Ela
representa a força da liberdade e da autenticidade num mundo opressor, especialmente
para as mulheres, mas também os desafios e conflitos que acompanham quem vive à
margem das expectativas sociais. Aluísio Azevedo constrói-a como uma mulher de
paixões intensas e de espírito indomável, cujo retrato psicológico e moral a
torna uma das personagens mais marcantes de O Cortiço.
IV. Relação com as outras personagens
1. Rita Baiana e Firmo
                A
relação entre Rita Baiana e Firmo é marcada por uma paixão intensa e
conflituosa. Firmo, um capoeirista de espírito violento e possessivo, sente-se
ameaçado pela independência e sensualidade de Rita. Apesar disso, ambos
compartilham momentos de cumplicidade e desejo ardente, vivendo uma relação
carregada de química, mas também de explosões emocionais.
- Dinâmica
     de poder: Firmo tenta exercer controle sobre Rita, mas ela
     constantemente desafia a sua autoridade, o que gera conflitos frequentes,
     refletindo uma luta entre o machismo e a independência feminina.
- Paixão
     destrutiva: Apesar do magnetismo que existe entre os dois, a relação é
     tumultuosa, pautada por momentos de ciúme, violência e reconciliação,
     simbolizando a instabilidade das relações amorosas no cortiço.
2. Rita Baiana e Jerónimo
                Jerónimo,
um português trabalhador e inicialmente moralista, é profundamente afetado pela
presença de Rita Baiana. Ele, que representava os valores europeus de
disciplina e recato, é atraído pela sua energia vibrante e pela sensualidade
tropical, o que o leva a uma transformação radical.
- Símbolo
     de transformação: Rita desperta em Jerónimo uma paixão arrebatadora
     que desafia os seus valores iniciais, levando-o a abandonar a esposa,
     Piedade, e a aproximar-se do estilo de vida do cortiço.
- Conflito
     gerado: O interesse de Jerónimo por Rita exacerba a rivalidade com
     Firmo, culminando em tragédias que expõem o lado violento e instintivo das
     personagens.
- Impacto
     psicológico: A relação evidencia o poder de Rita como uma força que
     transcende padrões culturais e morais, enquanto também reflete o impacto
     da cultura brasileira sobre os imigrantes.
3. Rita Baiana e Piedade
                A
relação entre Rita Baiana e Piedade é marcada pela tensão e contraste. Piedade,
a esposa de Jerónimo, representa os valores tradicionais da moralidade europeia
e o papel submisso da mulher na sociedade patriarcal.
- Contraste
     cultural: Enquanto Rita é livre e desinibida, Piedade é recatada e
     emocionalmente dependente de Jerónimo. Esse contraste acentua o impacto da
     relação entre ambos e a crise de identidade de Piedade.
- Rivalidade
     implícita: Apesar de não haver confrontos diretos entre as duas, a
     presença de Rita destrói a estabilidade emocional e a vida conjugal de
     Piedade, tornando-a uma rival indireta.
4. Rita Baiana e os moradores do cortiço
                Rita
Baiana exerce uma influência coletiva sobre os moradores do cortiço: é um ponto
de união, mas também de conflito, dependendo das circunstâncias.
- Figura
     central nas festas: Rita organiza festas animadas e danças que
     promovem a integração entre os moradores, criando momentos de alegria e
     descontração no ambiente tenso do cortiço.
- Objeto
     de admiração e mexericos: A sua sensualidade e independência fazem
     dela uma figura admirada por uns e criticada por outros, especialmente
     pelas mulheres mais conservadoras, que veem no seu comportamento uma
     ameaça aos valores tradicionais.
- Catalisadora
     de tensões: A sua presença amplifica os conflitos entre personagens
     masculinas, como Jerónimo e Firmo, e entre as mulheres, que a invejam ou
     reprovam sua conduta.
5. Rita Baiana e o cortiço (como espaço coletivo)
                Rita
Baiana não se relaciona apenas com os indivíduos, mas também com o próprio
ambiente do cortiço, sendo uma representação viva da sua essência.
- Espelho
     do cortiço: Assim como o cortiço é um espaço de miscigenação cultural,
     contrastes e conflitos, Rita também encarna essas características. A sua
     vivacidade, contradições e liberdade refletem a dinâmica caótica e
     vibrante do lugar.
- Contribuição
     para a identidade do espaço: Rita transforma o cortiço num ambiente de
     celebração cultural, com festas e música, mas também num espaço de
     tensões, reforçando a narrativa de Aluísio Azevedo sobre as forças sociais
     em jogo naquele microcosmo.
                As
relações de Rita Baiana com as outras personagens de O Cortiço não são
apenas interações individuais, mas também representações simbólicas de questões
sociais, culturais e psicológicas. A sua sensualidade e liberdade de espírito
provocam admiração, desejo, inveja e conflito, desestabilizando estruturas
tradicionais e expondo as fragilidades das relações humanas. Rita é, ao mesmo
tempo, um catalisador de mudança e uma figura de resistência contra as normas
impostas, fazendo dela um dos principais motores da trama e uma personagem
inesquecível.
V. Representatividade social
1. Representatividade Cultural
                Rita
Baiana é a personificação da cultura afro-brasileira e tropical, contrastando
diretamente com os valores europeus representados por personagens como Jerónimo
e Piedade.
- Símbolo
     da miscigenação: A origem mestiça reflete a realidade do Brasil do
     século XIX, um país marcado pela convivência (e conflitos) entre
     diferentes «raças» e culturas.
- Ligação
     à cultura popular: Rita está profundamente ligada à música, dança e
     festas, elementos que representam a riqueza e vitalidade da cultura
     brasileira, especialmente as influências africanas.
- Contraste
     com o estrangeiro: A energia vibrante e a sensualidade contrapõem-se à
     rigidez e à contenção dos valores europeus, sendo um agente de
     transformação, como, por exemplo, na mudança de Jerónimo.
2. Representatividade Feminina
                Rita
Baiana é uma mulher que desafia os padrões de comportamento feminino impostos
pela sociedade patriarcal do século XIX.
- Mulher
     independente: Numa época em que se esperava que as mulheres fossem
     submissas e moralmente irrepreensíveis, Rita age de acordo com os próprios
     desejos e emoções. Ela não é definida por um homem ou pelo papel numa
     família.
- Figura
     de resistência: Rita desafia o moralismo conservador dos moradores do
     cortiço, recusando submeter-se às críticas ou aos julgamentos que recebe
     por causa do seu comportamento livre.
- Contradição
     de papéis femininos: Enquanto mulheres como Piedade representam a
     submissão e a fragilidade emocional, Rita é o oposto: forte, autêntica e
     disposta a viver conforme as próprias regras.
3. Representatividade Social
                Rita
Baiana é uma representação vívida da classe trabalhadora e das camadas
populares, inserida no contexto do cortiço como um microcosmo da sociedade
brasileira.
- Figura
     comunitária: Rita é central na vida social do cortiço, organizando
     festas e unindo os moradores em momentos de celebração.
- Crítica
     social: A sua figura ilustra as tensões e hipocrisias da sociedade da
     época. Apesar de ser admirada pela beleza e alegria, também é alvo de
     preconceitos e julgamentos morais, evidenciando as contradições da
     convivência no cortiço.
- Símbolo
     da luta de classes: Enquanto outras personagens, como João Romão,
     aspiram a subir na escala social, Rita aceita a sua condição, vivendo
     plenamente dentro da realidade do cortiço, mas sem ser submissa a ela.
4. Representatividade no contexto do Naturalismo
                Dentro
da estética naturalista que permeia O Cortiço, Rita Baiana é uma
representação do instinto, do desejo e da força vital.
- Exposição
     dos instintos humanos: Age impulsivamente, seguindo as suas emoções e
     desejos, alinhando-se com a visão naturalista de que o ser humano é regido
     por forças instintivas e biológicas.
- Personificação
     do meio: O cortiço é um espaço de exuberância e caos, e Rita reflete
     essas características, sendo tanto um produto quanto um símbolo do
     ambiente em que vive.
- Relação
     com o Determinismo: Através de Rita, Aluísio Azevedo ilustra o modo como
     o meio social e cultural influencia o comportamento humano, mostrando que as
     suas ações são moldadas pelas condições de vida no cortiço.
5. Representatividade como agente de transformação
                Rita
Baiana desempenha um papel transformador no romance, especialmente em relação às
personagens masculinas, como, por exemplo, Jerónimo.
- Disrupção
     cultural: A sua presença provoca uma rutura nos valores tradicionais
     europeus representados por Jerónimo, levando-o a abandonar a sua postura
     rígida e a entregar-se à paixão e ao estilo de vida do cortiço.
- Catalisadora
     de conflitos: Rita é o centro de tensões emocionais e sociais, como a
     rivalidade entre Jerónimo e Firmo, o que move a trama e expõe os dilemas
     morais e sociais das personagens.
6. Representatividade no contexto do Brasil oitocentista
                Rita
Baiana, enquanto figura mestiça e representante da cultura popular, é um
reflexo das contradições do Brasil do século XIX.
- Símbolo
     da brasilidade: Ela encapsula os elementos que definem a identidade
     nacional – a miscigenação, a alegria, a sensualidade, mas também a
     precariedade e a marginalização.
- Crítica
     às desigualdades: A sua posição no cortiço e a forma como é tratada
     refletem as desigualdades raciais, de género e de classe que estruturavam
     (e ainda estruturam) a sociedade brasileira.
Em suma, Rita Baiana transcende a sua condição de personagem para se tornar um símbolo dentro da obra. Ela representa o Brasil mestiço, vibrante e contraditório, mas também as tensões sociais e culturais da época. Como mulher, desafia os padrões impostos, enquanto membro da classe popular, expõe as desigualdades, e, como figura cultural, celebra a riqueza da identidade brasileira. Aluísio Azevedo usa Rita para ilustrar as complexidades da vida no cortiço, tornando-a uma peça central na crítica social e no retrato coletivo do romance.
Caracterização de Miranda
- Estatura
     Mediana: Miranda é descrito como um homem de porte médio, sem traços que
     o distingam no que diz respeito à altura ou imponência. A sua presença
     física está mais ligada à seriedade do que à força ou à beleza.
- Fisionomia
     séria e controlada: Ele apresenta um semblante grave, com feições
     alinhadas com a sua personalidade rígida e metódica. Aa expressão facial
     tende a ser severa, indicando preocupação constante com as aparências e o status
     social.
- Traços
     europeus: Como imigrante português, Miranda possui características
     típicas da etnia lusitana, como, por exemplo, pele clara e traços que não
     são descritos como belos, mas sim comuns e adequados ao seu estatuto de
     comerciante.
- Cabelo
     bem tratado: Embora o romance não se detenha na descrição específica do
     cabelo, pode deduzir-se que tem uma aparência limpa e cuidada, em
     consonância com a preocupação com a imagem pública.
- Postura
     rígida e formal: O seu comportamento e a sua postura refletem um homem
     que valoriza o autocontrole e a disciplina e que tende a exibir uma
     postura ereta, denotando seriedade e respeito.
- Vestuário
     elegante: Miranda veste-se de forma sóbria e alinhada, utilizando
     roupas que simbolizam a sua posição social como comerciante burguês, mas
     sem ostentação. Essa escolha reflete a tentativa de ser reconhecido como
     um homem respeitável e bem-sucedido.
- Físico
     não atlético: O romance não contém grandes referências a atributos
     físicos que sugiram vigor ou força, o que indicia que Miranda não é um
     homem de trabalho físico, mas, sim, um indivíduo dedicado à vida comercial
     e ao mundo das relações sociais.
                Em suma,
a aparência da personagem está intimamente ligada à sua busca por
respeitabilidade e ascensão social. Ele é o retrato do português típico da
época, que migra para o Brasil em busca de oportunidades e constrói a sua
identidade em torno do trabalho e da moral burguesa. Esses traços físicos,
embora simples, servem para reforçar a sua personalidade e o contraste com outras
personagens do romance, como João Romão, mais brutal e ambicioso. Assim, a sua figura
física não é chamativa, mas funcional, coerente com a mensagem naturalista da
narrativa, que utiliza o físico das personagens como extensão das suas
condições sociais e psicológicas.
- Miranda
     é um comerciante português bem-sucedido, representante da pequena
     burguesia. Ele é proprietário de um armazém, o que lhe garante uma posição
     económica estável e distingue-o socialmente no bairro onde vive.
- A
     atividade profissional reflete a figura do imigrante português que
     enriquece por meio do comércio, um estereótipo frequente na literatura da
     época.
- Um
     dos traços mais marcantes de Miranda é a constante preocupação que
     manifesta em manter e elevar o seu status social. Assim, procura
     afastar-se da rusticidade e vulgaridade que percebe nos vizinhos, como
     João Romão, e almeja ser reconhecido como um homem respeitável e distinto.
- Para reforçar essa imagem, Miranda valoriza uma vida organizada e pautada pelas normas da sociedade burguesa.
- No
     entanto, embora se situe, socialmente, num patamar superior ao dos
     operários e moradores do cortiço, Miranda não ocupa um lugar elevado na
     hierarquia social. Ele sente-se desconfortável ao perceber que, mesmo
     sendo proprietário e comerciante, a sua posição é precária em comparação
     com os verdadeiros ricos ou com os aristocratas que tenta imitar.
- A
     relação com Estela, sua esposa, é uma extensão da sua estratégia social.
     De facto, casou-se com ela por interesse, visando consolidar a sua
     respeitabilidade, mesmo que o casamento seja infeliz. Estela despreza-o e
     é infiel, o que reforça o contraste entre a aparência de ordem que Miranda
     tenta projetar e a realidade do fracasso pessoal.
- Miranda
     tenta diferenciar-se de João Romão, o ambicioso e grosseiro proprietário
     do cortiço, que representa o oposto da moral e da ordem que procura.
     Contudo, o contraste entre os dois também evidencia a hipocrisia e as
     limitações de Miranda, que, apesar da sua pretensão, é prisioneiro da
     própria mediocridade.
- A
     interação com moradores do cortiço e com figuras de status inferior
     demonstra uma atitude condescendente e a sua tentativa de distanciar-se da
     vulgaridade.
- Rigidez
     e Formalidade:
- Miranda
      é uma pessoa metódica e rígida nas suas ações e decisões, o que se espelha
      na preocupação excessiva com as normas e os padrões sociais. Ele não
      suporta a desordem, seja no trabalho ou na vida pessoal, e a rigidez
      reflete o desejo de controlar a sua realidade.
- Insegurança
     Social:
- Apesar
      de seu status enquanto comerciante bem-sucedido, Miranda sente-se
      constantemente ameaçado pela posição intermediária que ocupa na
      hierarquia social. Ele teme cair no mesmo nível dos trabalhadores e
      vizinhos mais humildes e nutre uma ansiedade constante em reafirmar sua
      superioridade.
- Aparência
     versus realidade:
- A
      sua personalidade é marcada por um grande esforço em aparentar decoro e
      respeitabilidade. No entanto, por trás dessa fachada, mostra-se um homem
      infeliz, consciente da superficialidade das suas conquistas e da
      hipocrisia que caracteriza a sua existência, especialmente no que
      respeita ao casamento.
- Passividade
     e conformismo:
- Miranda
      tem uma personalidade passiva, especialmente no âmbito pessoal. Apesar de
      ser humilhado por Estela, sua esposa, aceita a situação e evita
      confrontá-la para não comprometer a imagem pública. Essa passividade
      reflete a incapacidade de enfrentar conflitos emocionais de forma direta.
- Orgulho
     ferido:
- Internamente,
      Miranda sofre com o desprezo da esposa e com a consciência de impotência
      diante de João Romão, cuja ambição e agressividade desafiam a sua postura
      formal. Ele sente-se diminuído por não ter a mesma determinação brutal
      para conquistar mais poder e riqueza.
- Respeito
     pelas regras:
- Psicologicamente,
      Miranda é moldado por um profundo respeito pelas normas sociais e morais.
      Ele acredita que o cumprimento das regras é essencial para preservar a sua
      posição, mesmo que isso implique a repressão de desejos ou emoções.
- Moralidade
     aparente:
- Miranda
      tenta projetar uma imagem de homem moralmente correto e íntegro. Defende a
      ordem, a disciplina e as boas maneiras. Contudo, a sua moralidade é
      superficial, mais voltada para agradar à sociedade do que para refletir
      uma verdadeira virtude interna.
- Hipocrisia:
- Moralmente,
      Miranda é um hipócrita. Embora exija decoro e comportamento exemplar dos
      outros, ignora os problemas éticos que se manifestam na própria casa,
      como a infidelidade da esposa. A sua complacência revela a importância
      maior que dá às aparências do que à ética verdadeira.
- Egoísmo
     social:
- Apesar
      de aparentar ser generoso ou justo, as ações são frequentemente motivadas
      por interesses pessoais. Evita envolver-se em questões que não tragam
      benefícios diretos para a sua imagem ou status, demonstrando uma
      visão moral utilitarista.
- Falta
     de coragem moral:
- Miranda
      não demonstra força para confrontar situações que coloquem a sua
      integridade à prova. A aceitação passiva da infelicidade conjugal e a
      incapacidade para se impor perante João Romão revelam uma fraqueza moral
      significativa.
- Conservadorismo
     moral:
- Ele
      é profundamente conservador, apegado a valores tradicionais que sustentam
      a estrutura social e hierárquica. Essa moralidade rígida e antiquada
      impede-o de se adaptar a mudanças ou de lidar com situações fora da sua
      zona de conforto.
-  Mentalidade conservadora e preocupação
     com as aparências:
- Rivalidade
     Velada:
- João
      Romão é o proprietário do cortiço, um homem ambicioso e brutal que almeja
      ascender socialmente a qualquer custo. Miranda, embora financeiramente
      estável, sente-se desconfortável com a ascensão de Romão, vendo-o como
      uma ameaça à ordem e aos valores que acredita defender.
- A
      relação entre os dois é marcada pelo contraste entre a astúcia brutal de
      João e a formalidade conservadora de Miranda. Apesar de desprezar a sua grosseria,
      Miranda reconhece e teme a sua capacidade de prosperar e acumular
      riqueza.
- Superioridade
     Social:
- Miranda
      tenta colocar-se como superior a João Romão, enfatizando a sua educação e
      modos refinados. No entanto, o pragmatismo e a determinação de João
      muitas vezes fazem Miranda sentir-se inferior e frustrado.
- Casamento
     de conveniência:
- Miranda
      casou-se com Estela não por amor, mas por interesse social, pois esperava
      que o matrimónio consolidasse a sua posição como um homem respeitável.
      Neste cenário, não é de estranhar que a relação seja marcada pela frieza
      e infelicidade.
- Desprezo
     e Infidelidade:
- Estela
      despreza Miranda, considerando-o passivo e medíocre. Trai-o abertamente,
      demonstrando a sua insatisfação com o casamento. Apesar disso, ele opta
      por ignorar as infidelidades para preservar a imagem pública.
- Passividade
     de Miranda:
- Como
      se depreende do que já foi dito, evita confrontar Estela ou resolver os
      problemas conjugais, preferindo manter as aparências. Assim, a relação entre
      ambos reflete a hipocrisia e a falta de coragem moral de Miranda, que
      prioriza a reputação acima da felicidade pessoal.
- Distanciamento
     social:
- Miranda
      tenta manter distância dos moradores do cortiço, que representam a classe
      trabalhadora e a "vulgaridade" que ele despreza. Ele vê essas
      pessoas como inferiores, um retrato de tudo a que não deseja estar
      associado.
- Apatia
     e desprezo:
- Por
      outro lado, não demonstra interesse genuíno pelos problemas dos
      habitantes do cortiço e interage com eles apenas quando necessário,
      reforçando a barreira social que os separa socialmente.
- Indiferença
     e Condescendência:
- Miranda,
      embora não se envolva diretamente com essas personagens, considera
      figuras como Firmo (um capoeirista) e Léonie (uma prostituta) como
      representações da decadência e vulgaridade que procura evitar.
- Tentativa
     de aceitação:
- Miranda
      procura ser aceite pelos membros da alta burguesia e aristocracia,
      tentando imitar os seus modos e valores. No entanto, frequentemente é olhado
      como um aspirante sem o refinamento ou a origem necessária para ser
      totalmente integrado.
- Falta
     de identificação:
- Apesar
      das suas aspirações, Miranda não consegue sentir-se confortável entre as
      classes superiores, demonstrando a sua posição incómoda entre o cortiço e
      a elite.
- Miranda
     é o arquétipo do pequeno burguês, típico do Brasil do século XIX, que procura
     firmar-se como respeitável e distinto, mas que, ao mesmo tempo, enfrenta
     as limitações impostas pela sua origem humilde e pela sua posição
     intermediária na hierarquia social.
- Ele
     reflete os valores da burguesia emergente: o apego às aparências, o
     conservadorismo moral e o desejo de se distanciar das classes populares
     enquanto almeja ser aceite pela elite.
- Miranda
     é o oposto de João Romão, cuja ascensão está baseada na ambição desmedida,
     no trabalho incansável e na falta de escrúpulos.
- Enquanto
      Miranda tenta preservar uma imagem de decoro e civilidade, João Romão é
      movido por pragmatismo e brutalidade.
- Essa
      oposição ilustra duas faces da ascensão social no Brasil do período: a
      tentativa de manter uma moralidade (ainda que hipócrita) e a conquista
      sem limites éticos.
- Miranda
     simboliza a hipocrisia da sociedade burguesa, que valoriza mais as
     aparências do que a verdadeira moralidade:
- Ele
      mantém um casamento de conveniência com Estela, ignorando a sua
      infidelidade para não comprometer a imagem pública.
- Finge
      desprezar João Romão, mas teme a sua capacidade de o superar
      economicamente.
- Vive
      uma vida de aparente ordem, mas internamente é inseguro, infeliz e cobarde.
- Miranda
     situa-se entre o cortiço (classe trabalhadora) e a aristocracia (classe
     alta), simbolizando uma classe intermediária que aspira à nobreza, mas
     teme ser confundida com os pobres.
- Ele
      tenta distanciar-se dos moradores do cortiço, mas, ao mesmo tempo, a sua
      origem e posição tornam-no vulnerável às críticas da elite.
- Através
     da figura de Miranda, Aluísio Azevedo critica:
- A
      superficialidade das aspirações burguesas: o desejo de Miranda por
      respeitabilidade não o torna mais feliz ou virtuoso, apenas reforça a sua
      hipocrisia.
- A
      ineficácia da rigidez moral: a tentativa de se alinhar com os valores
      da alta sociedade fracassa, evidenciando a fragilidade da sua posição.
- A
      ilusão da ascensão social pacífica: Enquanto João Romão usa métodos
      brutais para subir na vida, Miranda, que adota uma abordagem passiva, é
      engolido pelas circunstâncias e limitado pelas suas inseguranças.
- No
     contexto do Naturalismo, Miranda é uma figura que ilustra como o
     meio social e as condições históricas moldam o indivíduo. Ele é tanto
     produto quanto prisioneiro da sua classe social, incapaz de transcender os
     limites impostos pela hierarquia e pelos valores do seu tempo.
- A sua
     posição social e as suas ações revelam como as forças externas (como a
     economia e a moralidade burguesa) influenciam comportamentos e relações.
Conclusão:
Miranda representa a mediocridade e a fragilidade da burguesia média em O Cortiço. A sua existência é marcada pela busca incessante por respeitabilidade e por uma rigidez que não consegue sustentar internamente. Ele é uma peça-chave para a crítica social de Aluísio Azevedo, expondo as contradições e os conflitos de uma classe que tenta ascender sem ter a força de caráter ou os recursos da elite, e que teme profundamente ser confundida com os trabalhadores.
 
