Português

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Poesia universitária (II)

Quando tiver a "licentia docendi"
Não ligarei à plebe.
                       in modesti vocabularia

          Temos um colega tão gabão
          que julga que é um pavão
          sendo uma simples galinha
          ainda por cima depenadinha.

          Mas ele assim é feliz
          e porquê fazê-lo infeliz?
          Também chamamos ao Branco nabo
          e ele julga que lhe estamos a dizer bravo.

          Assim é o aper da Cornualha
          que se julga um diamante
          e aos outros escumalha.

          Mas é bom rapaz
          e muito mais o será
          quando nos deixar em paz.

                                               Bajus

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Exame intermédio de Português 12.º ano - 2013 - Critérios GAVE

Correção do exame intermédio de Português - 12.º ano - 2013

Grupo I

1. Características do espaço que deslumbram Artur:
  • o mobiliário bem cuidado e luxuoso («o aparador envernizado, o espelho com o caixilho resguardado por uma gaza cor-de-rosa»);
  • a pintura («e o retrato de Prim...»);
  • a vista proporcionada da cidade («as ruas secavam sob o norte frio...», «uma carruagem que passou, com dois criados de casacos brancos...»);
  • a elegância dos transeuntes («Examinava avidamente as toilettes dos homens; achou adoráveis duas senhoras que atravessavam a calçada, com os vestidos apanhados, mostrando as saias brancas...»);
  • os veículos em circulação («uma carruagem que passou, com dois criados de casacos brancos...»);
  • a vastidão e o aparato de Lisboa («Nunca imaginara Lisboa tão vasta, tão aparatosa...»).

2. O diálogo entre o criado e Artur, nomeadamente uma fala do primeiro referindo-se às botas do segundo («- Estão na última. Já usted vê!...») , revela o provincianismo e a pobreza do seu vestuário / calçado, que está gasto de tanto uso e fora de moda.
          Ao constatar o facto, Artur decide só sair «à noite» porque, desse modo, ficaria menos exposto / visível o seu aspeto pobre e provinciano, isto é, passaria despercebido a coberto da escuridão noturna e pela iluminação a gás.

3. Contraste entre as diferentes emoções sentidas por Artur:
  • o fascínio, deslumbramento, espanto e admiração:
  • o deleite inicial ao passear por Lisboa, motivado pela novidade do que vê e pela modernidade da cidade;
  • o fascínio ao contemplar as vitrinas iluminadas das lojas;
  • o espanto e a admiração ao observar as mulheres com que se cruza, pelas carruagens, pela vastidão das ruas, pelo movimento e pela multidão;
  • a perturbação motivada pela atmosfera «saturada das emanações de uma vida rica, sábia, idealizadora e ardente!»; 
  • a vergonha e o sentimento de inferioridade:
  • o acanhamento e o sentimento de inferioridade («Mas sentia-se acanhado...»);
  • o entontecimento motivado pelo ambiente citadino («o trotar das parelhas entontecia-o»);;
  • o medo infantil de agressões («o andar desenvolto dos homens, falando alto, dava-lhe um medo pueril de agressões»);
  • a vergonha do seu vestuário, velho, gasto, fora de moda («tinha vergonha do seu velho paletó, mais curto que as abas da sobrecasaca que trazia...»);
  • a sensação de alívio, motivada pelo pedido de lume.

4. A expressão traduz o desejo de integração sentido pela personagem, de fazer parte daquela sociedade que o extasia e fascina e não se sentir um estranho, alguém que vem de forma e se sente diferente e inadaptado. É o desejo de se apresentar de acordo com as tendências da moda, de levar uma vida de luxo e ostentação semelhante à daqueles com quem se cruza, de participar nas conversas, de se relacionar, de intervir nas discussões sobre cultura, política, arte... («teve pressa de entrar naquela existência - relacionar-se, regalar-se das discussões sobre Arte e Ideal»), de frequentar os mesmos espaços.


    Grupo II

                   Versão 1                    Versão 2

    1.1.              C                                 A    

    1.2.              A                                 D

    1.3.              B                                 C

    2.1. A oração subordinada adjetiva relativa é a seguinte: «que por lá põem os pés».

    2.2. A expressão «o viajante» desempenha a função sintática de sujeito.



    Grupo III

    segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

    Concordância sujeito - predicado


         Estou certo de que os professores de português do jornalista que produziu isto lhe ensinaram a velha regra: o predicado concorda em número com o sujeito. 

    domingo, 17 de fevereiro de 2013

    "Judith I"


    Judith I é uma representação plástica da autoria de Gustav Klimt, a qual engloba os principais temas que o fascinam: a morte e o erotismo. A obra foi criada em 1901 e, actualmente, encontra-se em exposição no Museu de Belvedere, em Viena. Das suas inúmeras fases artísticas, apresenta-se o “Período Dourado” como a fase mais positivamente criticada pela sociedade, mas foi no seu momento artístico de “Arte Erótica” que foram criadas as suas obras mais importantes. Judith I engloba as duas fases anteriormente referidas e no momento da sua publicação gerou-se uma enorme polémica, uma vez que a obra foi interpretada como uma alegoria da ameaça feminina, pois os impulsos sexuais das mulheres eram considerados, na época, pecados insanos da alma.
    A obra representa a história de “Judith e Holofernes”, a qual relata a narrativa da viúva judia de extrema beleza e crença em Deus que, para salvar o seu povo do inimigo, das tropas assírias, seduziu e decapitou o general assírio Holofernes. Não obstante, apesar de o título se encontrar completamente explícito na obra, gravado sobre uma lâmina dourada no quadro, a maioria da sociedade associou a figura feminina a Salomé, a mulher responsável pela decapitação de João Baptista, em especial a população judaica.
    Em primeiro plano, apresenta-se a figura de uma mulher jovem, seminua e apenas de meio-corpo. O rosto da protagonista, ligeiramente inclinado, as suas narinas dilatadas, os olhos semicerrados, as bochechas avermelhadas e os lábios entreabertos, conferem a esta mulher uma sensualidade extrema, acompanhada por uma expressão facial erótica. Por outro lado, o seu corpo imaterial e distante contrasta, completamente, com a beleza do seu rosto. Os seus seios encontram-se moderadamente cobertos por uma blusa transparente, possui um colar extremamente justo de tonalidade dourada, a sua pele é belíssima, saudável e de um tom bastante claro, contrastando com o negro dos seus cabelos. Possui uma cabeça decapitada nas suas mãos, nomeadamente de um homem de traços judaicos, isto devido à tonalidade escura da sua pele, aos seus cabelos negros moderadamente compridos, à sua barba negra e longa e, ainda, ao nariz tipicamente judaico. Logicamente, a cabeça decapitada pertence a Holofernes.
    Em segundo plano, encontram-se as inúmeras árvores acompanhadas por uma escuridão imensa, que se chega a confundir com o negro do cabelo da protagonista, transmitindo assim uma sensação nocturna. Esta representação em segundo plano simboliza os relevos assírios do Palácio de Nínive, localizado na Assíria. Relativamente às cores predominantes, destaca-se o verde e o dourado. O verde representa a esperança, a juventude e a prosperidade e o dourado, a beleza e a realeza, podendo cada um destes elementos facilmente caracterizar a história de Judith. O dourado tem um destaque especial, pois atenua a figura da mulher no quadro e é uma das características do “Período Dourado”.
    Em suma, estamos perante uma obra maravilhosa. Através da análise do quadro, tomamos conhecimento não só do estilo artístico do pintor, mas também da arte vienense e, ainda, alargamos a nossa cultura geral com a descoberta da lenda judaica. A forma como Klimt retracta esta história transcendente através de meras pinceladas demonstra, sem dúvida, as suas enormes capacidades e talento. O seu nível de criatividade e paixão pela arte pode ser comparado à enorme coragem desta guerreira judaica, a qual arriscou a vida pelo seu povo e consequentemente, foi recompensada pelo sucesso da liberdade.


    Bibliografia:
               - http://www.artbible.info/art/large/780.html;
                     - http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustav_Klimt;
                  surpreendente.html#axzz2JNzCzLDL.

    Michael Jordan turns 50


    sábado, 16 de fevereiro de 2013

    "Shambala", Three Dog Night

    Viagem de Vasco da Gama

    Os Lusíadas, I, 20-21

             Estas estâncias correspondem aos momentos iniciais do discurso de Vasco da Gama ao Rei de Melinde, quando lhe situa geograficamente Portugal na Europa:
    . «quase cume da cabeça» da Europa;
    . situado na região mais ocidental do continente;
    . banhado pelo mar (Oceano Atlântico) («Onde a terra se acaba e o mar começa» ‑ est. 20, v. 3);
    . muito próximo do norte de África;
    . teve a sua origem em Luso ou Lisa («que de baco antigo / Filhos foram» ‑ est. 21, vv. 6 e 7), uma forma de afirmar a descendência divina, logo superior, do povo português.

             Nessas estâncias, por outro lado, Camões descreve a nação e a sua missão de modo semelhante ao feito por Fernando Pessoa em «O dos castelos»:
    . a Europa é personificada e apresentada como um corpo humano;
    . Portugal é a cabeça desse corpo da Europa: ele é o «rosto» (v. 12) em «O dos Castelos», e «quasi cume da cabeça / De Europa toda» (est. 20, vv. 1-2) n’Os Lusíadas;
    . o sentimento de patriotismo;
    . relativamente à missão de que Portugal foi incumbido, em Mensagem, a nação está investida de uma missão messiânica centrada na recuperação da Europa decadente; n’Os Lusíadas, a nação assume o espírito de cruzada como missão definidora e é ditada pelo «Céu».
             De facto, entre os versos 5 a 8 da estância 20, Camões alude à expulsão dos Mouros do território nacional (vv. 6 e 7) e às campanhas africanas de D. João I, D. Duarte, D. Afonso V e D. João II que deram origem à ocupação de vários pontos do norte de África.
             Relativamente ao sentimento de patriotismo, em Mensagem, destaca-se o nacionalismo profético da referência ao papel que cabe a Portugal na liderança da Europa; n’Os Lusíadas, Vasco da Gama confessa o seu amor pela pátria («Esta é a ditosa pátria minha amada» ‑ est. 21, v. 1), onde deseja morrer depois de concluir a sua missão («À qual se o Céu me dá, que eu sem perigo / Torne, com esta empresa já acabada, / Acabe-se esta luz ali comigo.» ‑ est. 21, vv. 2-4).

             As diferenças entre os dois textos situam-se, essencialmente, a nível da estrutura e do discurso:
    . Mensagem:
    . o poema é construído do geral para o particular, um percurso enigmático, gradualmente mais pormenorizado, pleno de mistério e de enigmas a decifrar: o rosto da Europa é Portugal e o olhar misterioso prenuncia a importância da nação para o mundo no futuro;
    . a linguagem está recheada de profunda simbologia profética;
    . o poema centra-se no indefinido, na crença, na esperança estática no sonho.
    . Os Lusíadas:
    . o discurso estrutura-se em três momentos:
    . a localização geográfica de Portugal;
    . a caracterização do povo português, forte e guerreiro, imbuído do ideal da difusão do Cristianismo e do espírito de cruzada;
    . a origem lendária superior dos seus fundadores;
    . a linguagem é épica, de estilo grandiloquente;
    . o poema evidencia a aventura, o perigo, a memória e a esperança.

    sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

    Desemprego


         Isto representa, na realidade, mais de um milhão de pessoas sem emprego.

    Meteoro cai na Rússia


         Um meteoro caiu hoje na Rússia, fazendo um número elevado de feridos. Como não poderia deixar de ser, as caixas de comentários dos nossos jornais encheram-se de pérolas:

    1. «vamos ver se não tras nenhum virus com ele. se tiver vai ser o caos.»

    2. «vcs perceberam que existem dois (2) rastros de fumaça, um do lado dou outro? Muito estranho um meteorito fazer fumaça assim!»

    3. «Tantos telescópios milionários que descobrem planetas a não sei quantos anos-luz de distância e nem se dão conta de um meteorito que vai cair na terra? Só pode ser um complot da maçonaria, aliada à Opus dei.»

    4. «Fim dos tempos.»

    5. «Fim dos tempos? Há 65 milhões de anos foi o início dos tempos! graças a um destes, vc está hoje escrevendo posts na internet!»

    6. «Como nos tempos de Noé, ouvi e atentai para os acontecimentos.»

    7. «Não sabia que ainda havia crentes como o senhor, achava que isso tinha acabado algures no século XVI. Se quiser dou-lhe o número de boas carpintarias para ir construindo a arca...»

    8. «Tem 4 pontos escuros que passam a frente do meteóro... o que são aquilo serão nave extra terrestres......»

    9. «Reparem na foto do homem com um penso na cara. Na parede está um cartaz sobre cães. Deduzo que o homem tenha sido tratado por um veterinário... O desenho mal-amanhado do penso, reforça a minha convicção.»

    10. «Em cheio numa camioneta de "ucras" a caminho de Portugal.»

    11. «Poderia ter colido mais a Sul na Assembleia da República...»

    12. «Estou farto de estar de cabeça pro ar... À espera dessa raio asteroide. Quero jantar e não há maneira dele passar...»

    13. «METEORITO É O KARALHO!!!!!!!!!!! ISSO É UM FOGUETE DA COREIA DO NORTE QUE PERDEU O RUMO!!! AO INVÉS DE ACERTAR OS EUA, ACERTOU A URSS!!!!!! AMIGOS DELES!!!!!! QUE TECNOLOGIA DE MERDHA DO KARALHO!!!!!!!!!!!!»

    14. «O fim está próximo. A renúncia do papa foi seguida por um raio no Vaticano e uma tempestade de meteoros que já matou mais de 150 pessoas na Rússia.»

    15. «APOCALIPSE COMEÇA MILAGRE DO SOL EM FATIMA!!!!!!»

    16. «Era pôr-vos aos 2 no coliseu e soltar os leões...»

         Isto é só uma amostra...

    Análise de "O dos Castelos"

             Neste poema, o primeiro de Mensagem, Pessoa antepõe os Castelos às Quinas (lendariamente concedidas por Cristo ao primeiro rei de Portugal, mas provavelmente só integradas no brasão por D. Sancho I), porém aqueles apenas foram adicionados ao brasão português durante o reinado de D. Afonso III.
             O seu número definitivo (7) só se fixou no início do século XVI e refere-se aos sete castelos que foram conquistados aos mouros para garantir a demarcação do território nacional.
             Por outro lado, o título do poema é uma perífrase de Portugal: «O [país] dos castelos», isto é, Portugal.
             A Europa é personificada por Pessoa, descrita e caracterizada no poema como se de uma figura feminina se tratasse. Ela surge deitada (“jaz” ‑ vv. 1 e 2) e apoiada nos cotovelos, sustentado o rosto na mão direita, (v. 1), com “cabelos românticos” a toldar o rosto e “olhos gregos”. O olhar é “esfíngico e fatal” e o rosto, que fita o Ocidente, é Portugal. De facto, se observarmos um mapa da Europa, constataremos que é possível imaginá-la como uma mulher reclinada, correspondendo os cotovelos à Itália e à Inglaterra.
             O início da descrição apresenta a Europa, simbolicamente, como um espaço decadente e sem vigor. De facto, a repetição de formas verbais pertencentes aos verbos «jazer» e «fitar» sugerem a imagem de decadência que marca a descrição do velho continente. O verbo «jazer», que significa “estar deitado” e “estar morto ou como morto”, destaca a imobilidade e a letargia em que a Europa se encontra. Por outro lado, o verbo «fitar» remete para um estado de imobilidade, de ausência de vitalidade e de estatismo do olhar. Assim sendo, é necessário que a Europa desperte desse estatismo, dessa atitude meramente contemplativa e “adormecida”. Ela parece estar à espera de um novo impulso vital, que o seu olhar procura na distância, no desconhecido, no sentido de construir um novo império espiritual, cujo guia será Portugal.
             Por outro lado, os cabelos são caracterizados como «românticos» (v. 3), sonhadores, toldam o rosto, adensando o mistério que envolve a figura, enquanto os olhos são «gregos». Estas metáforas sugerem as raízes culturais que constituem a identidade europeia: o Norte (a referência aos “românticos cabelos”) e o Sul (a referência aos “olhos gregos”).
             Os cotovelos estão estrategicamente colocados em Itália e na Inglaterra, o que constitui uma nova referência às raízes culturais europeias: o Norte e o Sul, isto é, a cultura romântica e a cultura clássica. Estas referências geográficas são claras: a Inglaterra é referida pela sua ligação ao Romantismo, corrente artística que valorizava imenso o passado, enquanto a Itália e a Grécia são evocadas por terem sido essenciais para a civilização e cultura europeias.
             A mão direita sustenta o rosto, que corresponde a Portugal. Ora, ao apresentar Portugal como o rosto da Europa, Pessoa atribui-lhe um estatuto de superioridade relativamente às restantes nações europeias. Esse rosto fita fixamente o Ocidente com um “olhar esfíngico e fatal” (v. 10), ou seja, um olhar enigmático que antecipa um renascimento de que apenas ele será capaz. O adjetivo “esfíngico” (notam-se no mapa europeu algumas semelhanças com a esfinge egípcia, monstro fabuloso com rosto humano e corpo de leão, que devorava quem não conseguisse decifrar os enigmas que ela propunha) sugere a atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, com que a Europa fita o Ocidente, que representa a sua vocação histórica, o “futuro” que o continente já desvendou no passado e que se apresenta, agora, como nova promessa de renascimento. Por outro lado, o adjetivo “fatal” aponta para a missão predestinada que cabe a Portugal de construção do futuro. Em suma, o olhar é indagador do desconhecido que a Europa contempla e fatal, pois a procura desse desconhecido é motivada pelo Fatum, pelo Destino.
             Portugal parece, pois, ter sido tocado pelo destino, reunindo todas as condições para “comandar” a Europa na reconquista de um passado cultural perdido (paradoxo do verso 10). Enquanto rosto da Europa, «fita» (atente-se na sua repetição por três vezes, como se de uma verdadeira obsessão europeia e portuguesa se tratasse) o mar ocidental, seu destino, seu futuro. Pessoa considera, assim, que a missão de Portugal é ligar o Oriente ao Ocidente (“De Oriente a Ocidente jaz, fitando”), quer geográfica quer espiritualmente, sendo que reúne características indicados para essa missão: a sua situação geográfica privilegiada e a sua vocação marítima, já com provas dadas.
             No poema, destacam-se dois símbolos: o olhar e o rosto. O primeiro tem um poder mágico, misterioso, e, segundo o Islamismo, o olhar do Criador e da criatura constituem o próprio processo de criação. Atraem-se um ao outro. E sem esta atração recíproca, a Criação perde toda a razão de ser. Dentro desta perspetiva, a moral é a ciência do olhar: saber olhar significa descobrir o próprio olhar do Criador, isto é, tirar o véu que cobre a realidade. O rosto é, igualmente, um símbolo de mistério.
             Neste poema, à semelhança do que Camões fez nas estâncias 6 a 21 do canto III de Os Lusíadas, Pessoa procura apresenta Portugal, inserindo-o como cabeça da Europa, uma figura feminina deitada e fitando “com olhar esfíngico e fatal”, em posição de expectativa, o Ocidente, sua vocação histórica.

    Estrutura interna de Os Lusíadas

    1.ª) Introdução (I, 1-18):

    ۩ Proposição (I, 1-3): apresentação do assunto.
                Camões propõe-se cantar as navegações e conquistas no Oriente nos reinados de D. Manuel a D. João III, as vitórias em África de D. João I a D. Manuel e a organização do reino durante a primeira dinastia.


    ۩ Invocação: súplica de inspiração a entidades mitológicas – as musas.
                Camões escolhe as Tágides, ninfas do Tejo, para nelas buscar uma inspiração elevada.
                Ao longo da obra, surgem outras invocações, sempre que Camões necessita de um novo alento para o assunto a narrar.
                As ninfas invocadas recordam o recurso à mitologia, ao maravilhoso pagão, com o objectivo de tornar a narração mais agradável, imitando as grandes epopeias greco-latinas, e de mostrar que para cantar tão grandiosos feitos era necessária uma inspiração sobrenatural.

    Localização
    Destinatário
    Objectivo

    I, 4-5


    Tágides (ninfas do Tejo)


    . Pedir ajuda para a consecução de um “som alto e sublimado”, “um estilo grandíloco e corrente...”.


    III, 1-2


    Calíope (musa da eloquência da poesia épica)


    . Conseguir inspiração para a composição do discurso do Gama ao rei de Melinde.


    VII, 78-87


    Ninfas do Tejo e do Mondego


    . Solicitar o seu favor na tarefa de cantar um povo ingrato, aproveitando para tecer considerações pessoais.


    X, 8-9


    Calíope


    . Sentindo aproximar-se o Outono da vida, Camões solicita ajuda para a missão a que se propôs: glorificar a sua pátria.


    X, 145


    Calíope


    . Camões confessa não poder cantar mais, pois o não merece “a gente surda e endurecida”.



    ۩ Dedicatória (I, 6-18): oferecimento da obra a D. Sebastião, rei que Camões via como garantia da liberdade nacional, como representante escolhido por Deus, como monarca poderoso. Termina com a exortação ao rei para que também ele se torne digno de ser cantado.



    2.ª) Narração (I, 19 – X, 144):

                A narração inicia-se in media res, ou seja, quando a viagem já vai a meio, encontrando-se os marinheiros portugueses no Oceano Índico, e termina quando entram “pela foz do Tejo ameno” (X, 144).
                A narração está estruturada em quatro planos:
    Ø  a Viagem: descoberta do caminho marítimo para a Índia;
    Ø  a História de Portugal;
    Ø  a Mitologia;
    Ø  as Considerações Pessoais do Poeta.


          
    a)   Viagem: narração dos acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e a Índia:
    F narração do percurso até Melinde por Camões (I e II);
    F narração da História de Portugal até à viagem, em forma de discurso dirigido ao rei de Melinde e a pedido deste (III, IV e V, 85);
    F inclusão da narração da primeira parte da viagem (de Belém à passagem do Cabo da Boa Esperança – “Adamastor”) e do surgimento da “doença crua e feia” (escorbuto) na retrospectiva histórica atrás referida;
    F apresentação do último troço da viagem entre Melinde e Calecute (VI).
          Cronologicamente, a viagem decorreu da seguinte forma:
    §  partida em 8 de Julho de 1497 (IV, 84-ss.);
    §  peripécias da viagem;
    §  paragem em Melinde por dez dias;
    §  chegada a Calecute em 18 de Maio de 1498;
    §  regresso a 29 de Agosto de 1498;
    §  chegada de Vasco da Gama a Lisboa em 19 de Agosto de 1499 (a nau de Nicolau Coelho chegara cerca de dois meses antes).

                Porém, simultaneamente, os deuses reúnem em consílio para decidir “sobre as cousas futuras do Oriente” e, de vez em quando, o poeta tece considerações pessoais.
                A viagem não constitui realmente uma ação, nem tem intriga, nem personagens propriamente ditas. Falta-lhe autonomia. Para que a viagem constituísse uma ação, seria necessário que os seus protagonistas se debatessem com as dificuldades e as resolvessem graças às suas forcas e engenho. Mas tais protagonistas não existem, uma vez que não passam de bonifrates que desempenham um papel destinado pela Providência, sem mãos e cérebro para enfrentar os problemas. não vemos Vasco da Gama arriscar-se e agir, molhar-se na água, nem desenredar-se de intrigas, nem manchar-se de sangue (excepto na escaramuça com indígenas no episódio de Veloso, por ele próprio descrita ao rei de Melinde), nem ter uma vontade, um capricho ou uma paixão. Serve apenas para fazer discursos, para recitar os belos discursos de Camões. O único ensejo que tem de resolver um problema pelos seus próprios meios, isto é, sem a intervenção dos deuses, ocorre quando o Catual o detém em Calecute. Não vemos também Vasco da Gama falar aos seus marinheiros, que, de resto, parecem não existir, são uma abstração que povoa as naus. Não os vemos apagar os incêndios, discutir nos conselhos de capitães em que se tomavam as decisões. Mal entrevemos, numa tempestade, a voz anónima do Gama mandando amainar a grande vela ou dar à bomba. Uma única personagem se nos depara, numa visão fugidia: Fernão Veloso, numa atitude nada heroica (em fuga) e num sito típico de fanfarronice peninsular.
                Por outro lado, pode dizer-se que a viagem não tem história nem enredo. Os marinheiros limitam-se a deixar-se transportar nas mãos dos deuses. Se estes não existissem, nunca saberíamos como é que os nautas alcançaram a Índia, que perigos venceram e de que forma. A unidade orgânica do relato da viagem não reside nem na personalidade dos heróis, nem em qualquer intriga intrínseca à própria viagem. Uma viagem marítima no tempo da navegação à vela, com abordagens, revoltas e motins da tripulação, recontros com as populações costeiras, teria matéria riquíssima para efabulação. Há, todavia, no que respeita à luta com o mar, quadros cheios de relevo e precisão, como a Tromba Marítima, o Fogo de Santelmo e o Escorbuto, e todo o canto V, um dos melhores da obra, que se poderia chamar “Trabalhos do Mar”. Mas esses episódios, onde falta sempre a presença humana, são dados de forma descritiva, exemplificativa, numa sequência oratória, e não narrativa, no discurso ao rei de Melinde. E a história da viagem do Gama, que constitui a parte propriamente narrativa da obra, fica reduzida a uma crónica rimada, mas sem as virtudes das boas crónicas.


    b)   História de Portugal

                A História de Portugal, exposta em discursos (de Vasco da Gama ao rei de Melinde e de Paulo da Gama ao Catual, para a história passada em relação à viagem – 1498) e em profecias (de Júpiter, de Adamastor, da ninfa Sirena e de Tétis, em relação à história futura no que diz respeito à viagem), não tem uma unidade intrínseca.
                Uma parte dessa história é dada em sequência cronológica e consta do discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde. Outra parte é dada em quadros soltos, como são as pinturas (“bandeiras”) que Paulo da Gama explica ao Catual, ou as profecias.
                Também o discurso de Vasco da Gama é constituído por uma sequência de quadros contíguos, os feitos dos diversos reis: a sucessão meramente cronológica nunca pode constituir um verdadeiro conjunto artístico. Esta sensação de descontinuidade é agravada pelo facto de os feitos serem, na maior parte, proezas individuais de guerreiros, faltando um ser colectivo de que os indivíduos sejam formas transitórias (cf. Fernão Lopes, Crónica de D. João I). O “peito ilustre lusitano” é uma abstração incapaz de encarnar as proezas sucessivas dos guerreiros. Há alguns belos momentos (a batalha do Salado, a fala da Formosíssima Maria, a batalha de Aljubarrota, o episódio de Inês de Castro, as sínteses de Tétis), mas são conjuntos soltos, contíguos a outros momentos. Não se vê formar-se uma nação, e a ideia de pátria resulta uma noção abstracta: está nos sentimentos do poeta e não nos factos que narra. Não existe uma ação de conjunto nem heróis, que se encontram reduzidos a puras abstrações. Afonso Henriques, Nuno Alvares Pereira, D. João I, Duarte Pacheco, D. Fuas Roupinho ou Geraldo Sem Pavor não têm caracterização própria, não são personalidades diferenciadas como são, por exemplo, Aquiles e Ulisses. Camões encarece-os com uma adjetivação nobilitante e convencional, mas não as caracteriza. Não são realmente personagens, e muito menos heróis, no sentido épico da palavra. São medalhões convencionais de guerreiros.
                Por outro lado, a sequência das batalhas e dos guerreiros, passados ou futuros, é dada em discursos e obedece às regras da oratória: ora é uma sequência cronológica (Vasco da Gama), ora uma seleção de profecias (Júpiter, no canto II, para consolar Vénus, prevê alguns triunfos; no canto V, Adamastor antecipa alguns casos trágicos como castigo pelo atrevimentos dos portugueses; no canto IX, Tétis profetiza as guerras no Oriente).
                Ora, em certo sentido, a oratória é o contrário da epopeia. Na oratória, só tem vida própria o orador, personagem única, em face do público; na epopeia, pelo contrário, como no romance, o autor despersonaliza-se em benefício das personagens, sendo nestas que reside a vida.
                Desta forma, a narração da História de Portugal e dos feitos dos portugueses é caracterizada pela ausência de uma ação de conjunto; são quadros que se sucedem cronologicamente, mas que não revelam uma ideia de conjunto.

                O plano da História de Portugal que a obra apresenta é o seguinte:
    *       Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos de toda a nossa história, desde Viriato ao reinado de D. Manuel I;
    *       Em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representados nas bandeiras;
    *       A história posterior à viagem é narrada através de profecias:
    §  Júpiter profetiza “feitos ilustres” no Oriente e vitórias tão retumbantes que causarão inveja a Marte (II, 44-45);
    §  o sonho profético de D. Manuel: dois velhos (rios Indo e Ganges) vaticinam a chegada à Índia por mar no seu reinado (IV, 66-75);
    §  Adamastor profetiza “ventos e tormentas desmedidas”, “naufrágios e perdições” para a gente que profanou o seu mar. Refere-se a D. Francisco de Almeida, por exemplo (V, 42-48);
    §  a ninfa Sirena descreve as glórias futuras dos portugueses no Oriente (X, 10-74);
    §  Tétis aponta os lugares onde os portugueses hão de realizar grandes feitos e atingir a imortalidade.


    c)   Mitologia / Maravilhoso

                Formalmente, a unidade de Os Lusíadas é estabelecida pela intriga dos deuses, visto que estes estão em cena desde o princípio até ao fim da obra (excepto na introdução e na conclusão): abre com o Consílio dos Deuses e termina com a Ilha dos Amores. As personagens mitológicas têm uma vida que falta às personagens históricas: são aquelas os verdadeiros seres humanos, que sentem, se apaixonam, intrigam. Vasco da Gama é muito mais hirto e frio que o Adamastor, não obstante este ser um cabo. E ninguém tem a presença, a força, a personalidade provocante de Vénus.
                A ação consiste no seguinte: Vénus, auxiliada por Marte, seu amante, pretende ajudar os portugueses a chegarem à Índia; Baco, que entende que o Oriente é domínio seu, opõe-se-lhe, provocando a animosidade dos povos costeiros, convencendo ainda os deuses marítimos a desencadearem uma tempestade e, finalmente, induzindo os mouros a atacarem Vasco da Gama. Mas Vénus, vigilante, intervém junto de Júpiter, mobiliza as ninfas do mar, que impelem as naus para fora do perigo, e, seduzindo os deuses do mar, consegue aplacar a tempestade. Finalmente, para premiar os portugueses, prepara-lhes, com a ajuda de seu filho Cupido, uma ilha de delícias, onde eles, conubiando-se com as ninfas, se tornam divinos e são admitidos à visão do cosmos com Vasco da Gama à frente, ele próprio tornando-se esposo da deusa do mar.
                Assim, é na intriga dos deuses que radica a verdadeira ação com princípio, meio e fim.
                Através da mitologia, Camões exprime algumas tendências do Renascimento:
    *       a vitória dos homens sobre os deuses, que personificam os limites impostos pela tradição à iniciativa humana;
    *       a confiança na capacidade humana para dominar a natureza;
    *       a concepção da natureza como ser vivo;
    *       a afirmação (virtual) de Deus como imanência;
    *       a crença na bondade da natureza;
    *       a identificação da lei da razão com a lei da liberdade;
    *       a destruição da noção de pecado.

                N’ Os Lusíadas, existem vários tipos de mitologia:
    §  pagã: os deuses pagãos greco-romanos;
    §  cristã: Deus;
    §  mista: coexistência das duas anteriores;
    §  céltica/mágica: fadas, bruxas, feiticeiras.


    d)   Considerações pessoais

                Este plano é aquele em que Camões tece comentários, muitas vezes satíricos, sobre matérias diversas, normalmente no início e fim dos cantos:
    *       a fragilidade da vida humana face aos perigos do mar e da terra (I, 105-106);
    *       o desprezo a que os portugueses votaram as Artes e as Letras (V, 91-100);
    *       o valor da glória e das honras por mérito próprio (VI, 95-99);
    *       crítica aos povos que não seguem o exemplo português (VII, 2-14);
    *       a ingratidão de que se sente vítima por parte da sociedade (VII, 78-87);
    *       lamento face à importância dada ao dinheiro, fonte de corrupção e traição (VII, 96-99);
    *       os modos de atingir a imortalidade, condenando a cobiça, a ambição e a tirania (IX, 92-95);
    *       a decadência da pátria (X, 145);
    *       a invectiva a D. Sebastião a tomar medidas no sentido de corrigir e repor o país na senda do êxito (X, 146-156).



    3.ª) Conclusão (X, 145-146), que se divide em duas partes:

    F desencanto perante a musa pelo presente da pátria, pela inutilidade do seu canto, face à indiferença de um povo “surdo e endurecido”;

    F exortação e apelo a D. Sebastião para que regenere a pátria, concluindo com o oferecimento para contar os feitos que o rei venha a praticar em África.
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