quarta-feira, 24 de março de 2021
terça-feira, 16 de março de 2021
sexta-feira, 12 de março de 2021
Pressurização e máscaras de oxigénio
Análise de "D. Dinis"
●
D. Dinis e o pinhal de Leiria
Tradicionalmente, o rei D. Dinis
(1261-1325), o sexto de Portugal, foi cognominado de o Lavrador, pois fomentou
o desenvolvimento da agricultura (distribuiu terras, promoveu a agricultura,
mandou plantar o pinhal de Leiria, embora atualmente se pense que a iniciativa
terásido obra de Afonso III ou até de D. Sancho II).
Independentemente de quem tenha
sido, na verdade, o monarca que o mandou plantar, D. Dinis teve um papel
fundamental no reforço da área do pinhal, do qual foram extraídos a madeira e o
pez (alcatrão de origem vegetal) necessários, respetivamente, à construção e
calafetagem das naus dos Descobrimentos.
• 1.ª parte (1.ª estrofe) – O sonho visionário
de D. Dinis.
▪ Nos dois primeiros versos é
apontada a dupla faceta de D. Dinis: o poeta – o trovador
(que compôs cantigas de amigo) e o lavrador, o responsável pela plantação
do pinhal de Leiria, cuja madeira foi fundamental para a construção das
naus dos Descobrimentos (“O plantador de naus a haver” – metáfora – v.
2). Ambas as atividades se referem a atos criadores.
▪ O cantar de amigo é escrito durante
a noite. Por um lado, a noite é um tempo de silêncio, solidão e calma,
ambiente propício à reflexão, à inspiração e à escrita. Por outro lado, a noite
é o tempo da germinação, no qual se prepara o tempo futuro, ou seja, é um
período de preparação para o dia que há de nascer. É por isso que D. Dinis é
apresentado escrevendo de noite: o monarca representou (à luz da conceção
providencialista da História presente em Mensagem) a preparação dos
Descobrimentos e a origem da literatura portuguesa (que está associada ao
Quinto Império, na sua vertente cultural). Além disso, a noite é o momento de fecundação
do sonho, ao qual sucede o dia, o nascimento do império.
▪ A metáfora e a metonímia
“O plantador de naus a haver” remetem para os pinheiros mandados plantar pelo
rei, que são virtualmente as naus das Descobertas, pois foram eles que forneceram
a madeira para construir as naus usadas nas Descobertas. Projeta-se em D. Dinis
o sonho de navegações futuras, realizadas em naus construídas com a madeira
dessas árvores, iniciando-se assim a criação de um mito em torno da
figura do rei, que, involuntariamente, preparou o futuro.
▪ Com efeito, os três versos iniciais
do poema apresentam-nos D. Dinis como um visionário, um homem de
génio que tem a capacidade de antever o futuro.
▪ O oxímoro do verso 3 sugere
que o som que D. Dinis ouve (que, na realidade, não existe) é uma prefiguração
do futuro: é o som produzido por um pinhal que, futuramente, será extenso e de
um mar que será dominado graças à madeira dele extraída. Ou seja, realça a
atitude meditativa do rei, que, ao compor o seu cantar, profetiza já a epopeia
das Descobertas.
▪ A comparação e a metáfora
dos versos 4 e 5 sugerem que dos pinhais sairá a madeira para a construção das naus,
que permitirão a construção de um império, isto é, que possibilitarão a expansão,
que trará riqueza suficiente (trigo) para todos os portugueses. Estes recursos
permitem-nos visionar uma imensa seara cujos frutos constituirão o alimento, o
suporte de um movimento expansionista do qual emergirá um império. O trigo é o
símbolo de alimento, de poder económico, pois as searas de trigo, de cor que
lembra o ouro, são a promessa de riqueza para o país. Note-se a presença, no
verso 4, do eco da cantiga de amigo “Ai flores, ai flores do verde pino”.
▪ Por outro lado, sugere que a
génese, a origem do futuro teve início em terra. Tal como o trigo é a base do
pão que alimenta os povos, também os pinheiros serão a base da construção dos
barcos que alimentarão as Descobertas. O trigo «ondula» ao sabor do vento, as
naus ao sabor das naus Estes recursos aproximam os pinhais semeados por D.
Dinis de uma sementeira de trigo, que germinará e dará o pão que são as naus
que contribuirão para a descoberta e construção do Império futuro.
▪ Tal como o trigo é o ingrediente
principal do pão, também a madeira fornecida pelos pinhais constitui a
matéria-prima que permitiu saciar a «fome de Império» dos portugueses.
▪ Por outro lado, a forma verbal «ondulam»
associa o movimento dos pinhais e do trigo (impulsionados pelo vento) ao das
ondas do mar, ou seja, sugere o movimento das ondas que, no futuro, serão
atravessadas pelas naus portuguesas.
▪ A expressão “sem se poder ver”
(v. 5 – metonímia) associa a D. Dinis um dos traços característicos do
herói: é um ser excecional, singular, dado que consegue percecionar, antecipar
o futuro – a aventura marítima e a construção de um império.
▪ O recurso ao presente do
indicativo contribui para a mitificação do herói, mostrando que, no seu
tempo, foi a sua ação que preparou involuntariamente o futuro dos
Descobrimentos, tornando o seu contributo intemporal.
• 2.ª parte (2.ª estrofe) – A concretização do
sonho.
▪ O sujeito poético associa o cantar
de amigo que D. Dinis está a escrever a um regato, que, como um pequeno fio de
água, corre para o mar. Esta metáfora significa que o rei, além de
precursor dos Descobrimentos (enquanto responsável pela plantação do pinhal de
Leiria), também é um precursor de toda a literatura portuguesa, visto que as
cantigas de amigo que escreveu se contam entre as primeiras composições
poéticas da língua e literatura portuguesas. O «oceano por achar» pode
constituir uma referência à epopeia portuguesa, escrita por Camões, sobre os
Descobrimentos: Os Lusíadas.
▪ Pode igualmente significar uma
visão metafórica de Portugal (uma nação «jovem» – porque recém-formada –
e «pura» – porque ainda não contaminada pela ganância e pelo materialismo
trazidos pelos Descobrimentos) como um «arroio», ou seja, um pequeno curso de
água (uma pequena nação) que corre, mal nasce, em direção ao oceano. O cantar
é, em suma, jovem, inocente e puro, e procura, de forma persistente,
determinada e contínua o «oceano por achar» (vv. 6-7).
▪ A personificação do verso 8
(“a fala dos pinhais, marulho obscuro”) sugere o caráter mítico de D.
Dinis, uma espécie de intérprete de uma vontade superior, que anunciava aos
ouvidos do rei um novo ciclo de conquistas. O som dos pinhais que D. Dinis
imaginava ouvir era um prenúncio secreto (“obscuro”) do ruído da epopeia
marítima dos portugueses.
▪ O mar a cumprir no futuro já pode
ser adivinhado no rumor dos pinhais: “E a fala dos pinhais, marulho obscuro, / É
o som presente desse mar futuro” (paradoxo e personificação – vv.
8-9). A fala dos pinhais manifesta o seu desejo de serem navios e de atingirem
o mar, mas, nos últimos três versos, é a terra que anseia pelo mar. Trata-se da
atração que o oceano sempre exerceu um povo que se distinguiu como uma nação de
navegadores. Por outro lado, o último verso do poema traduz a ideia de união,
isto é, a ideia de que o mar, após a sua conquista no futuro pelos portugueses,
já não separará, antes ligará povos, culturas, civilizações.
▪ Os dois últimos versos da segunda
estrofe indiciam os dois ciclos da História de Portugal: numa primeira
fase, a expansão por terra, mais tarde o domínio do mar. D. Dinis mandou
plantar o pinhal de Leiria para impedir que as terras à beira-mar fossem
destruídas pela ação da areia do mar e do vento, no entanto, anos mais tarde, a
madeira por ele produzida seria utilizada para construir as naus em que
partiram os navegadores portugueses. A terra é, por isso, a voz presente que
chama pelo futuro, o mar.
D. Dinis
|
↓
|
|
|
↓
|
Trovador
|
|
Plantador
|
↓
|
|
|
↓
|
Poeta:
criador de poesia |
|
Plantador
do pinhal de Leiria: criador |
↓
|
|
|
↓
|
Autor
de cantigas de amigo (e de amor) |
|
“é
som presente desse mar futuro” |
|
|
|
↓
|
Prenúncio
dos Descobrimentos: “o oceano por achar” |
●
Integração do poema na estrutura de Mensagem
“D. Dinis” faz parte de “Brasão”, a
primeira parte de Mensagem, sendo o sexto poema da secção “Os Castelos”.
D. Dinis foi o sexto rei de Portugal
e antecede o ciclo das Descobertas. Trata-se do monarca de preparar o futuro,
criando, no [seu] presente, condições para a construção do Império, que será
cantado na segunda parte da obra.
●
Valor simbólico de D. Dinis
D. Dinis é o herói apresentado como
um instrumento de uma vontade transcendente que está ao serviço da missão que
Portugal tem a cumprir: a construção de um império cultural, o Quinto Império.
O rei foi um trovador, porque compôs
poemas (cantigas de amigo e de amor), alguns dos quais tinham como cenário o
mar.
Foi o Lavrador, visto que
desenvolveu a agricultura, dado que muitas terras tinham sido abandonadas e era
necessário fomentar o setor, para alimentar a população.
Foi ainda o plantador, isto porque
mandou plantar o pinhal de Leiria, cuja madeira foi utilizada, posteriormente,
para construir as naus das Descobertas.
●
Recursos poético-estilísticos
A
nível
fónico, o poema é constituído por duas quintilhas. Os versos são irregulares quanto à métrica e ao ritmo. O
segundo verso de cada estrofe possui 8 sílabas, enquanto os restantes são
decassílabos.
A
rima é cruzada, emparelhada e
interpolada, segundo o esquema ABAAB; é consoante (“amigo”/”consigo”), pobre
(“haver”/”ver”) e rica (“amigo”/”consigo”), grave (“amigo”/”consigo”) e aguda
(“haver”/”ver”).
O
verso decassílabo, de ritmo largo, é
próprio para a expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um
poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande.
No
poema convivem os sons fechados e
semifechados, que remetem para o sonho e para o impossível, e o som aberto [a],
que remete para a expansão, para a realização do sonho.
O
poema é ainda rico em aliterações
(“na noite”) e em assonâncias e onomatopeias, sugerindo o ruído do rio
ou da água que corre: “E o rumor dos pinhais – marulho obscuro”.
A
nível
morfossintático, são de destacar os seguintes recursos:
. Verbos:
- As formas verbais
evocam o movimento, a flexibilidade sugerida na imagem da espiga de trigo ao
vento, numa união entre o movimento e o sonho, como constatação de um destino
que, numa primeira fase, é dado de uma forma indistinta.
- O “rumor dos
pinhais”, o som, reaparece no último verso do poema, na expressão “a voz da
terra”. A terra, por seu lado, é símbolo de fecundidade – é como se a ação de
D. Dinis, cujas consequências se desconheciam ainda, se anunciasse no som
indistinto.
- O mar funciona como
o elemento fecundador do elemento feminino: a terra.
- Os verbos
encontram-se no presente do indicativo, não apenas o presente histórico
ou narrativo, mas sobretudo o presente de aspeto durativo. As formas verbais (“escreve”,
“ouve”, “busca”) traduzem ações que perduram, que se prolongam no tempo.
Por outro lado, fazem a interseção temporal
passado/presente. De facto, o presente, no modo indicativo, aponta, ao nível
mítico, para o futuro; ou seja, não
só a época dos Descobrimentos surge como um tempo futuro em relação ao momento
em que viveu D. Dinis, mas a própria dimensão do seu ato, que se projetará
ainda num período que está para vir, que a expressão “mar futuro” anuncia. Para
Pessoa, o ato criador do passado é a promessa de um futuro grandioso que se
cumprirá sob a égide de Portugal.
. Nomes:
-
O ato criador de D. Dinis é apresentado de forma analógica, constituindo-se em
unidades duplas:
.
cantar (de amigo) / arroio;
.
plantador / Império;
.
pinhais / trigo;
.
terra / mar: remete para a ideia de união.
- O nome “noite”,
no início do poema, encontra o seu duplo na totalidade do discurso, ou seja, o
dia, cuja luz é o momento da própria fecundação, que dá origem ao nascimento do
Império (quer no período dos Descobrimentos quer na era que, segundo Pessoa,
constituirá o Quinto Império).
. Os adjetivos,
sobretudo presentes na segunda estrofe, unem os princípios passividade/atividade,
assim como dois momentos temporais distintos, que apontam para um tempo
posterior às épocas referidas no poema.
A
nível
semântico, deparamos com:
. Metáforas:
- “O plantador de naus a haver” (v. 2) – também metonímia, pois as naus são construídas
com a madeira do pinhal, isto é, tomou-se o produto pela matéria de que é
feito: sugerem a preparação longínqua da matéria-prima de que se fabricariam as
naus para a epopeia marítima dos portugueses;
- “É o rumor dos pinhais...”: o rumor dos pinhais
(ainda confuso como um marulhar) é já a semente de algo que frutificará, graças
às possibilidades materiais (a madeira com que serão construídas as naus) e às
capacidades psicológicas dos portugueses que sonharam sulcar os oceanos
desconhecidos e conseguiram construir o nosso império ultramarino. A ação
dinâmica do sonho da demanda do oceano reforça-se com a visão e audição do mar
que nos chama para a nossa grande aventura épica e nos sagrará como heróis
míticos. A nossa identidade nacional afirmou-se pela importância concedida ao
sonho, à poesia e ao mar;
- “Arroio, esse cantar, jovem e puro, / Busca o
oceano por achar...”:
. exprime a forma como os portugueses, começando
quase do nada (“arroio”), foram engrossando o caudal das suas forças, até
conquistarem o mar;
. por outro lado, a associação do canto a um rio,
cuja água corre, simboliza que a ação de D. Dinis se perpetuará no tempo,
ecoando no futuro.
O
poema referencia duas fases da nossa história: o ciclo da terra (“plantador de naus”, “pinhais”, “trigo”) e o ciclo do mar (“arroio”, “naus”, “mar”).
A terra e o mar são dois pólos entre os quais se balouçou continuamente o povo
português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada entre esses dois
pólos, de acordo com o ditado “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.
. Oxímoro: “... ouve um silêncio murmuro consigo” ® realça a atitude meditativa de D. Dinis que,
como um mago rei-poeta, ao escrever o seu cantar de amigo, estava já a
profetizar a epopeia marítima dos portugueses.
. Personificações:
- “É o rumor dos pinhais como um Trigo / De
Império” (também comparação). porquê
os pinhais, trigo de Império? O trigo (o pão) não é só a base da alimentação, é
também o símbolo dos alimentos (ganhar o pão de cada dia é ganhar todos os
alimentos). Por outro lado, não há império sem poder económico: o trigo é a
promessa da riqueza de um país. Daí a ligação “pinhais” – “Trigo de Império”. Os pinhais contribuíram para a expansão
portuguesa e esta criará a riqueza do nosso império; a palavra trigo pode ter o sentido de abundância,
ausência de fome, riqueza, sobrevivência, alargamento do território, construção
do Império.
- “E a fala dos pinhais...” e
- “É a voz da terra ansiando pelo mar”: os
pinhais parecem falar e inspiram o próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam
qualquer coisa de grandioso, ainda envolvida em mistério.
. Conjunto de expressões que se congregam para dar a sugestão de um mistério do
domínio futuro dos mares: “Na noite...”, “... silêncio murmuro...”, “... rumor
dos pinhais...”, “... marulho obscuro...”.
Este
poema, como todos os de Mensagem, está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de Portugal é
inseparável da sua grandeza literária: o cantar nascido do marulhar dos
pinheiros prenuncia a grandeza épica de Portugal. Não nos esqueçamos que
Fernando Pessoa concebeu na Mensagem um super-Portugal de que ele seria
o super-Poeta.
●
A organização da mensagem no plano espácio-temporal
O
sujeito poético imagina D. Dinis, “O plantador de naus a haver” (seria dos pinhais
semeados por este rei que viria a madeira para os navios das descobertas), a
compor uma cantiga de amigo, inspirado pelo rumor dos pinhais. O poeta recua no
tempo até ao presente de D. Dinis (passado para o poeta) e escuta, com o rei, “a
fala dos pinhais... o som presente desse mar futuro”. Assim, o poeta recorre ao
presente, enquanto no poema “D. Sebastião” utiliza o passado. Neste caso, é
Pessoa quem traz D. Sebastião para o seu tempo, isto porque este rei é uma
figura lendária que está fora do seu tempo, porque é simultaneamente uma figura
do passado, do presente e do futuro (sebastianismo).
Por
outro lado, notemos que a mensagem de "D. Dinis" está basicamente centrada
no futuro, dado que, se a perspetiva temporal do poeta é a de D. Dinis e este
rei preparava as glórias futuras da sua pátria, é óbvio que a mensagem se
centra sobretudo no futuro: "O plantador de naus a haver...", "...É
o som presente desse mar futuro...".
No
que diz respeito à questão espacial, há um conjunto de expressões que remetem
claramente para a época anterior aos Descobrimentos: "O plantador de
naus...", "... o rumor dos pinhais...", "É o som presente
desse mar futuro...". Mas, por outro lado, surgem outras
expressões que projetam Portugal através do mundo: "... como um Trigo / De
Império...", "Busca o oceano por achar...", "... desse mar
futuro...", "... ansiando pelo mar...".
Se
relacionarmos o espaço com o tempo, constatamos que ao futuro corresponde a
projeção de Portugal através dos mares.
●
Conclusões
1.ª) D. Dinis aparece caracterizado
pelo cantar de amigo (o poeta) e como o plantador de naus (o lavrador).
Assim, conciliam-se na sua personalidade poética o sonho providencialista de um
império que se estenderá por longes terras e mares desconhecidos.
O primeiro elemento caracterizador
reporta-se ao rei trovador / poeta que compôs cantigas de amigo e de amor, na
época trovadoresca. Ligado ao segundo, mostra como a poesia tem forte
importância na construção do mundo. Como poeta, D. Dinis foi capaz de revelar
estados psicológicos gerados pelo amor ausente, mas o seu poder criador
consumou-se também no feito político de ter mandado plantar o pinhal de Leiria,
lançando assim a semente das navegações e descobertas portuguesas. Portanto, de
noite e no meio do seu próprio silêncio, o rei trovador percepcionou no rumor
dos pinhais a nossa aventura oceânica.
2.ª) De facto, Pessoa aponta D. Dinis
não só como o rei trovador, mas também como o criador “genético” dos
Descobrimentos. Se, por um lado, foi conhecido como o “Lavrador”, seu cognome,
pela plantação do pinhal de Leiria, por outro lado, ele foi o grande
responsável pela abundância de matéria-prima que proporcionou aos portugueses a
expansão e a construção de um vastíssimo império, que se concretizou com o sonho
do Infante D. Henrique.
3.ª) São também evidentes no poema os
elementos que evidenciam o destino mítico de Portugal:
.
os pinhais plantados por D. Dinis;
.
o rumor dos pinhais;
.
esse cantar;
.
o som presente;
.
a voz da terra.
Os
pinhais plantados por D. Dinis, agitados pelo vento, prefiguram o marulho das
ondas que as “naus a haver” hão de sulcar. O destino de Portugal cumpriu-se,
porque este poeta / trovador pressentiu, a seu tempo, a nossa ânsia de
perscrutar o desconhecido e distante, criando as condições favoráveis para o
lançamento dessa aventura.
4.ª) Em suma, D. Dinis é retratado como
o rei capaz de antever futuros, justamente porque poeta visionário, em cujo
cantar de amigo se fundam o rumor – a “fala dos pinhais” – e o mar futuro. Por
isso ele é visto como “plantador de naus a haver”, as naus / cantar de amigo
que desvendarão, no futuro que ele sonha, o “oceano por achar”. No poema, os
pinhais plantados pelo rei-poeta-visionário são “um trigo de império” e “ondulam
sem se poder ver” (porque futuros – só acessíveis aos sonhadores).
Foi
ele quem lançou a semente das navegações e dos Descobrimentos.
5.ª) O poema insere-se na primeira
parte de Mensagem, intitulada «Brasão»,
alusiva à constituição da nação. Remete, assim, para um tempo longínquo, que funciona
como paradigma da construção do reino. Trata-se, porém, agora, de um reino espiritual,
do Quinto Império, uma época de fraternidade universal, sem fronteiras definidas
no espaço, sob a hegemonia dos portugueses.
quinta-feira, 11 de março de 2021
Exames de 9.º ano e provas de aferição 2021 cancelados
quarta-feira, 10 de março de 2021
Estada ou estadia?
Estada é uma palavra registada em português já desde o século XIII, com origem no verbo latino stare (supino statum), que tinha o significado de «estar de pé», «estar imóvel», «parar», «permanecer».
A palavra estada significa «ação de estar», «demora em algum lugar», «parada», «detença», «permanência».
Estes significados são referidos em dicionários atuais bem como em dicionários antigos, como, por exemplo, no Novo Diccionario da Lingua Portugueza, de Eduardo de Faria (1855), ou no Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, da Imprensa Nacional (1881), que também registam a expressão «dar a boa estada», com o significado de «cumprimentar quem está de estada ou residência», «visitar e cumprimentar uma pessoa à sua chegada».
A palavra estada está documentada, por exemplo, em Os Maias (1888), de Eça de Queirós [«Havia três anos (desde a sua última estada em Paris) que ele não via Carlos.»], ou na obra A Selva (1930), de Ferreira de Castro [«A recordação da sua estada em Todos-os-Santos, com a constante ameaça daquele perigo, amarfanhava-o ainda, dolorosamente.»].
Estadia é uma palavra com origem na palavra italiana stallia (primeiro dicionário acima referido), com o significado de «demora que o capitão de um navio fretado para o transporte de mercadorias é obrigado a fazer no porto aonde chegou, sem que por isso se lhe deva mais coisa alguma além do frete convencionado» ou «demora forçada do navio mercante no porto de destino».
Trata-se de um termo que era usado em contratos comerciais entre quem fretava um navio e o respetivo capitão. Atualmente designa em geral «tempo que o capitão de um navio fretado é obrigado a permanecer no porto de chegada» e «prazo concedido para a descarga e a carga de mercadoria de navio fretado».
A confusão no emprego das palavras estada e estadia é, pois, relativamente recente.'
Fonte: Ciberdúvidas, Maria Regina Rocha.
quinta-feira, 4 de março de 2021
Análise de "Amor é um fogo que arde sem se ver"
● Tema:
o amor.
●
Assunto: o amor é definido como um sentimento
contraditório, mas, ainda assim, procurado pelos corações humanos.
● Estrutura interna
• 1.ª parte (11 versos iniciais) – Onze tentativas
de definir o amor, assentes no paralelismo, na anáfora (“é”) e na
frase declarativa afirmativa.
▪
verso 1:
|
Amor é um fogo que arde
↓
um sentimento intenso
(a intensidade da paixão)
|
|
sem se ver
↓
mas invisível
|
▪
verso 2:
|
é ferida que dói
↓
causa sofrimento / dor
|
|
e não se sente
↓
mas insensível
(é impercetível aos sentidos)
|
▪
verso 3:
|
é um contentamento
↓
alegria, satisfação, felicidade
|
|
descontente
↓
e infelicidade
|
▪
verso 4:
|
é dor que desatina
↓
dor intensa, que perturba ou faz perder a razão
|
|
sem doer
↓
mas insensível, não se sente
[o desatino aplaca a dor, por conter em si o impulso
vital, ou por iludir a consciência]
|
▪
verso 5:
|
É um não querer mais
↓
|
|
e que bem querer
↓
|
anulação dos desejos daquele que ama
|
Se
o amor não se concretizar, a insatisfação mantém-se, perpetuando o
sentimento.
Em
contrapartida, a concretização do desejo pode levar à diminuição ou até à extinção
do sentimento amoroso.
|
▪
verso 6:
|
é um andar solitário
↓
isolamento e solidão
|
|
entre a gente
↓
no meio da gente
|
Aquele
que ama anda de tal modo absorvido pelos seus pensamentos que, mesmo quando
se encontra no meio da gente, fica concentrado nas suas vivências interiores,
como se estivesse só.
|
▪
verso 7:
|
é nunca contentar-se
↓
insatisfação constante
|
|
de contente
↓
e satisfação / contentamento
|
Aquele
que ama sente-se contente por amar, mas, por mais contente que se sinta,
mostra-se insatisfeito, pois aspira sempre a aumentar a sua satisfação / o
seu contentamento.
|
▪
verso 8:
|
é um cuidar que ganha
↓
ilusão (vitória)
|
|
em se perder
↓
e frustração (derrota)
|
O
verso remete para as vantagens e desvantagens do amor. O proveito liga-se à
posse do objeto amado, enquanto que a perda traduz o falhanço dessa posse ou os
danos que daí resultam ao nível moral, psicológico e religioso.
|
▪
verso 9:
|
É querer estar preso
↓
dependência/sujeição/privação de liberdade
|
|
por vontade
↓
voluntária
|
▪
verso 10:
|
é servir a quem vence
↓
|
|
o vencedor
↓
|
é serviço amoroso à pessoa amada
|
O
vencedor serve, paradoxalmente, quem ele próprio venceu. Esta metáfora [do
amor como servidão] exprime a submissão absoluta ao objeto de amor. Reenvia
para a poesia occitânica e para o conceito de amor como serviço, que
encontramos, entre nós, nas cantigas de amor.
|
▪
verso 11:
|
é ter com quem nos mata
↓
morrer de amor
|
|
lealdade
↓
e ser / continuar leal/fiel
|
Amar
alguém implica fidelidade absoluta, apesar de o amor não ser correspondido
pelo outro.
Este
tópico da morte de amor encontra-se também na cantiga de amor. Aquele
que ama sente lealdade pelo objeto do seu amor, apesar de este o fazer
sofrer.
|
Conclusões:
1.ª) o amor é um sentimento indefinível (cf. uso do artigo indefinido);
2.ª) o amor é um sentimento contraditório
(cf. antíteses, oximoros/paradoxos, metáforas e bipartição
dos versos).
• 2.ª parte (2.º terceto) – Chave de ouro:
o amoré um sentimento contraditório, mas procurado pelos corações humanos.
▪ O sujeito poético interroga-se como
pode o ser humano aceitar de bom grado o amor, se sabe que experimentará as
contradições e tensões violentas desse sentimento.
▪ Apesar de produzir efeitos contrários,
o amor continua a ser perseguido, procurado, pelos seres humanos.
▪ Conjunção coordenativa
adversativa «mas»: marca a oposição entre o caráter contraditório do
amor e o facto de, mesmo assim, ser procurado pelos seres humanos.
▪ Interrogação retórica:
. traduz a perplexidade do «eu» face ao facto de o
Homem procurar e se entregar ao amor, apesar de este ser um sentimento
contraditório;
. apresenta a contradição como a verdadeira
característica do amor.
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)