O narrador desempenha dois papéis
nesta narrativa: personagem e narrador. Além disso, é ainda escritor de
profissão e reivindica a autoria do romance.
Trata-se de um narrador
homodiegético, ou seja, é uma personagem secundária que se desloca ali enquanto
caçador que veio para a abertura da época de caça e cujos intentos foram malogrados.
Enquanto personagem, entra em
contacto com todas as demais que participam na intriga ou contribuem para o seu
conhecimento / desvendamento. Estamos perante uma personagem que é um escritor
de profissão, versado em artes e letras, bem como noutros domínios: a política
(é um revolucionário – é um «furão», joga ao «olho vivo»); apresenta-se imbuído
de um certo espírito científico (a lógica, o afã dos apontamentos, o hábito dos
esquemas); conhece a teoria e a crítica literárias; experimenta-se em variadíssimos
géneros e subgéneros. Vejamos:
a)
é um leitor assíduo de jornais, revistas e muitas obras de autores portugueses
e estrangeiros, clássicos e contemporâneos, cristãos e pagãos, eruditos e
populares;
b)
é um escritor documentalista, preocupado em obter a verdade dos factos e uma
expressão isenta, com a frequente ilustração com esquemas facilitadores nas
notas de rodapé;
c)
é o poeta dos «vaga-lumes», poema visual à moda dadaísta, e autor de prosas
poéticas do tipo «fumo»;
d)
é o dramaturgo que parece aflorar nalgumas passagens, como, por exemplo, a
conversa pitoresca entre o Batedor, o Cauteleiro e o Dono do Café, ou o diálogo
que mantém com a estalajadeira no seu quarto, onde não faltam as didascálias;
e)
é o copy-writer de algumas páginas do romance: «Visitez la Gafeira…»;
f)
é um crítico de literatura que não se poupa à autocrítica;
g)
é o orador que faz lembrar o Padre António Vieira;
h)
é um etnógrafo, interessado e conhecedor de costumes e tradições, das sentenças
e provérbios populares;
i)
auto-intitula-se autor do romance.
Além disso, o narrador é também o
contador da história, ou o modo como esta se conta, se revela, e, ao revelar-se,
se oculta, e, ao retrair-se, nos atrai, e, ao atrair-nos, nos distrai da
revelação essencial. A história do romance é feita apenas das suas versões, que
se empilham ao longo do texto.