O princípio da cortesia
refere-se ao conjunto de estratégias, de normas de conduta – verbais e não verbais
‑ (informais, formais, regras de etiqueta), estabelecidas pelas sociedades e
usadas pelos interlocutores para reduzir e / ou evitar os conflitos entre si,
isto é, para evitar que a troca verbal seja ofensiva ou ameaçadora,
acautelando-se assim os conflitos, e, em simultâneo, garantir um comportamento
social adequando. É o caso, por exemplo, de um reencontro entre dois indivíduos
que não se veem há algum tempo e em que um deles, procurando ser simpático e
evitar atingir negativamente o seu interlocutor, lhe diz «Estás com bom aspeto.», mesmo que isso não corresponda à verdade.
Algumas dessas estratégias são
as formas de tratamento (Vossa Excelência, o senhor, tu, sr. João, etc.) e as expressões convencionais de cortesia (por favor, obrigado, etc.).
Por outro lado, determinados traços
da competência comunicativa do falante contribuem também para o princípio da
cortesia:
‑ adaptar o seu discurso ao contexto e às circunstâncias;
‑ dominar estratégias que evitem a troca verbal ofensiva ou
ameaçadora;
‑ suavizar determinados conteúdos /
mensagens considerados agressivos, “chocantes”, cruéis ou que possam agredir o
interlocutor;
‑ usar fórmulas e expressões
consideradas como corteses.
Além disso, qualquer falante
deve respeitar determinadas regras durante a conversação:
‑ não interromper o seu interlocutor;
‑ evitar o silêncio ostensivo;
‑ revelar atenção ao discurso / não se mostrar desatento;
‑ não proferir ofensas, injúrias,
calúnias, insultos, acusações gratuitas e infundadas, etc.
A este princípio associa-se o
conceito de face,
isto é, a autoimagem pública que o falante pretende dar de si próprio. De
facto, nas interações sociais, “procura
causar uma imagem positiva no seu interlocutor, de modo a ser aprovado por ele.
Quanto mais positiva for essa imagem, mais os outros a aceitarão.” (in http://dlac.pt). Deste modo, o locutor investe na sua
imagem social, de modo a manter a face e a não a perder, constituindo a fala um
meio privilegiado de o falante apresentar uma imagem pessoal (positiva ou
negativa) aos demais indivíduos. Dá-se o nome de face positiva ao desejo do locutor de que a sua imagem seja
apreciada e aprovada e de face negativa
ao desejo que o mesmo locutor tem de não ser contrariado e desacreditado.
Assim sendo, considerando que é
do interesse dos falantes protegerem a face um do outro, no pressuposto de que,
se A preserva a de B, este preservará a daquele, eles regulam a sua interação
por meio do ajuste recíproco de comportamentos e adotam estratégias de mútua
cortesia tendentes à prossecução desse objetivo.
No entanto, há momentos e
circunstâncias de tensão em que um falante procura, deliberadamente, que o
outro perca a face, por exemplo através de acusações, de interrupções
constantes e até de insultos. É frequente, em debates televisivos, um
interlocutor interromper o outro com frequência, para que este não consiga
expor o seu pensamento.
Por outro lado, são várias as
interações verbais que constituem potenciais ameaças à face (positiva ou
negativa) do locutor:
. atos de fala
expressivos como a autocrítica, a confissão e a justificação constituem uma
ameaça à face positiva;
. atos de fala
compromissivos como as ofertas e as promessas constituem uma ameaça à face negativa,
dado que condicionam a sua liberdade.
De igual modo, há interações
verbais que ameaçam a face do interlocutor:
. atos de fala
expressivos como os insultos, as injúrias, a censura, a desaprovação, as
injúrias, a desaprovação, as acusações e as interrupções configuram uma ameaça
à face positiva;
. atos de fala
diretivos (ordens, pedidos, instruções) constituem uma ameaça à face negativa,
visto que o obrigam a tomar uma posição.
O objetivo do princípio de
cortesia é, precisamente, atenuar estas ameaças. Assim, os interlocutores
procuram observar determinados princípios (atrás referidos) e fazer uso de
diferentes estratégias linguísticas para mitigar as ameaças à
face de cada um, procurando diminuir o impacto dos atos de fala acima descritos:
. uso de atos
de fala indiretos que contribuem para diminuir a ameaça que as ordens, os pedidos,
as perguntas, etc., representam para a face negativa do interlocutor:
‑ Cala-te!
. Não
te importas de te calar?
. Podes
calar-te, por favor?
. Poderias
calar-te?
. Era
melhor calares-te.
. …
. recurso a
outros atos de fala indiretos ‑ introduções explicativas ou desculpabilizadoras
que diminuam a ameaça à face positiva provocada por desaprovações ou
desacordos:
‑ Está enganado!
. Desculpe,
mas está enganado.
. utilização
de eufemismos:
‑ O Antunes morreu.
. O
Antunes partiu para o céu.
. O
Antunes deixou-nos.
. O
Antunes já não está entre nós.
. uso do
pretérito imperfeito em vez do presente em determinados pedidos:
‑ Quero um bilhete para
a última sessão.
. Queria
um bilhete para a última sessão, por favor!
. uso de
perífrases:
‑ Passos
Coelho teve um acidente. Um acidente muito grave. Infelizmente aconteceu o
pior. (Esta fala prepara, gradualmente, o interlocutor para o desfecho
fatal, sendo de assinalar a conjugação da perífrase com o eufemismo) – in Domínios Gramaticais (adaptado).
. utilização
da lítotes:
‑ Isso não é nada pêra
doce. (= Isso é muito difícil.) ‑
in Domínios Gramaticais.
Bibliografia:
. Domínios
Gramaticais, Zacarias Nascimento et
alii.
. Itinerário
Gramatical, Olívia Figueiredo et alii.
. Gramática
da Língua Portuguesa, Clara Amorim et
alii.