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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Papel da mãe na cantiga de amigo

            Os condicionalismos históricos ditaram a ausência do pai; com efeito, este acompanhava o rei ao fossado, isto é, na guerra contra os mouros. Ora, na ausência do marido, era a mulher quem assumia todas as responsabilidades da casa: podia vender e comprar, tinha de vigiar os comportamentos das filhas, etc. Quando o marido voltasse, cumpria-lhe prestar contas de tudo.
            A mãe desempenha um papel importantíssimo na cantiga de amigo e uma pluralidade de funções.

1.ª. Opositora / controladora:
* o namorado da filha não lhe agrada e ela opõe-se ao namoro;
* a mãe gostaria de ser ela própria a escolher o namorado para a filha.

2.ª. Conselheira:
* a mãe, sozinha e muito sobrecarregada, preocupa-se com a sorte da filha e, frequentemente, aconselha-a a não ir encontrar-se com o amigo, pois este partiu e não a quis ver;
* outras vezes interroga a filha, desconfia dela, porque tardou "na fontana fria"; ela desculpa-se com os cervos que turvaram a água, mas a mãe, experiente, não se deixa enganar;
* noutras ocasiões, a donzela pede à mãe para ir a uma romaria com as suas amigas, ou avisa-a apenas de que vai dançar;
* menos frequentemente, é a própria mãe quem incita a filha a ir bailar para que o amigo a veja ou mesmo a falar com ele;
* quando, apesar das suas advertências, não há já nada a fazer, a mãe aconselha a filha a não deixar o amigo e a procurá-lo nos lugares habituais.

3.ª. Confidente / amiga:
* a donzela desabafa com a mãe a sua "coita de amor" ou a sua preocupação (o prazo expirou e o amigo não voltou ainda, o que a deixa a morrer de amor);
* outras vezes queixa-se, "sanhuda", à mãe porque ele não veio ao encontro;
* mas, mesmo que o amigo lhe tenha mentido, ela esquece, porque morre de amores por ele, por isso não admite a crítica ou a censura da mãe por o ver de novo;
* noutras ocasiões, a donzela desabafa com a mãe: viu o amigo e não lhe falou, apesar de o amar; quer-lhe "mui ben", mas quis "armar-se em boa", como se queixariam os rapazes de hoje das "meninas convencidas". E ela está arrependida e morre de amores por ele;
* desabafa ainda a sua tristeza e preocupação pelo facto de o amigo andar no ferido, ou na pesca, e ela receia que ele pereça lá.
            Afinal, quem melhor do que a mãe compreende o que vai no coração da filha? Quem melhor do que a mãe sabe o que é a coita de amor?

4.ª. Medianeira:
* a donzela solicita a intercessão da mãe junto do amigo.


Caracterização do amigo

-» frequentemente ausente (no “ferido” ou “fossado”, em “cas d’el-rei” ou na pesca);
-» amante;
-» herói;
-» bom companheiro;
-» cúmplice;
-» objecto de saudade;
-» infiel;
-» cruel;
-» quando o amigo se enamora dela, promete-lhe coisas e dá-lhe presentes, em sinal do seu amor – são as "dõas":
- toucas;
- "cintas das fivelas";
- cintas de Rocamador;
- "pano pera gomela";
- anéis.

Caracterização da donzela

            Através da análise das cantigas de amigo, perscrutamos a alma da donzela, os seus sentimentos, os seus anseios, a sua natureza rebelde.

. A donzela, bela, formosíssima, sofre de amor pelo amigo:
- um cavaleiro passou por ali e deixou-a numa grande paixão;
- a sua "coita de amor" é tão grande que, se não o vir, nunca mais se casará, enlouquecerá ou morrerá.

. Quando está enamorada, baila contente no adro da igreja, por exemplo:
- alegre / feliz;
- eufórica, diz à mãe que vai bailar;
- o amor pelo amigo é tão grande, que sofre martírios com a família;
- de vez em quando, encontramos uma donzela narcisista, contente com a sua beleza, diz que se "achou" na fonte o seu amor, o seu amigo;
- convida as amigas a bailarem com ela, junto das avelaneiras floridas;
- mesmo que a avisem que ele não comparecerá ao encontro porque quer "mui gran ben a outra mulher", ela não acredita, segura do seu amor;
- está tão contente com o amigo que as próprias aves cantam o seu amor.

. Mas o amor durou pouco tempo:
- ele partiu e deixou-a triste, tristeza que se reflecte na natureza;
- a donzela chora o dia em que se enamorou e experimentou o que era o amor e maldiz o dia em que viu o amigo.

. Quando assim não acontece, é o amigo que partiu (para a guerra ou para a pesca):
- e a saudade, a ansiedade e a angústia apoderam-se da donzela:
. ele não vem;
. quer notícias dele;
. quer vê-lo;
. já deveria estar com ela e não está.

. Porém, por vezes, o amigo mente-lhe e a reação da donzela caracteriza-se:
- pelo ciúme, pela fúria e descrença no amado;
- pela revolta e pela promessa de nunca mais acreditar no amor.

. Após tantas peripécias, a donzela parece ter aprendido a lição e reage:
- se ele se assanha com ela, a menina assanha-se com ele;
- convencida do seu amor, faz-se cara;
- vinga-se: se ele ficou de falar com ela e não o fez, a jovem, quando ele quiser falar com ela, não quererá;
- perdoa-lhe, mas não o quer mais.

. Todavia e afinal, o amor acaba por imperar (ninguém pode mandar no coração) e a donzela pede à mãe que não se zangue e a culpe porque quer ir falar com o amigo à ermida, onde tantas vezes esperou por ele em vão.


Origem da cantiga de amigo

            Muito se tem discutido sobre a origem da cantiga de amigo e vários foram os críticos e estudiosos que se debruçaram sobre a questão: será realmente autóctone, espontânea, sem nenhuma interferência?
            Rodrigues Lapa afirma que já antes de Cristo, na China, faziam cantigas de mulher.
            Na época pré-trovadoresca, a doutrina do amor cortês invertia os papéis: a mulher transformava-se numa deusa e o homem no seu escravo/vassalo. E o poeta, através dela, enobrecia-se e o seu espírito elevava-se numa ascese quase divina.
            Mas em Portugal acontece algo de diferente: o homem-poeta finge de mulher enamorada, transforma-se nela através da criação artística e tenta interpretar o sentir da menina.
            Segundo Natália Correia, o "paralelismo da cantiga de amigo é o testemunho da sua antiguidade, (...) relacionados com cultos remotos que nele prevalecem:
- as preces da donzela ao santo para que este lhe traga o namorado (a romaria é um local de entrevista amorosa) tem a ver com rituais (talvez célticos, romanos ou até africanos) nos quais se pedia aos antepassados, ou às forças da natureza, protecção e ajuda;
. ora, a donzela também interpela as ondas ou as "flores do verde pino", querendo saber se elas viram o seu amigo;
- talvez nas ermidas cristianizadas existissem outrora santuários pagãos consagrados a divindades aquáticas e vegetais, cuja "liturgia" seria a "matriz" da cantiga paralelística, "arrecadada nas arcas conservadoras do folclore";
. o mesmo acontece com as carjas, poesia feminina de "extração românica" que se insere no lirismo andaluz. "Ambas radicam num substrato lírico da Europa Ocidental que subentende um núcleo sagrado em que à mulher cabe uma função sacerdotal...";
. segundo escritores árabes do século XII, um poeta Mucádam, o Cego, natural de Córdova, dos fins do século IX, inventou a moaxaha, de versos curtos, de cunho popular, em língua dos cristãos ou em árabe vulgar; depois foram aparecendo outras cantigas, as coplas terminavam por carjas, jaryas, concluindo a canção;
. eram canções populares cantadas pelas donzelas, que choravam a ausência do amigo ou confidenciavam a sua infidelidade;
. muitas vezes, desabafavam com a mãe ou a irmã, queixando-se da ausência do amigo, ou pediam conselhos à mãe;
- para justificar a sua ideia, Natália Correia apresenta o exemplo de comunidades africanas, nas quais ainda hoje são reservados à mulher certos papéis, até relacionados com o fogo;
. nas bailadas, por exemplo, ainda perdura o vestígio da árvore ritual (ex.: "Bailemos nós já todas três, ai amigas");
. nas tribos africanas dos Macuas perduram estes rituais junto à árvore sagrada, o muthulo, onde se canta e dança e se implora aos antepassados que as libertem dos animais que destroem os campos cultivados, que as protejam das feras, que venha a chuva, etc.;
- nestes cantares, a figura da mãe desempenha um papel fundamental, pois estamos perante um mundo que desconhece a autoridade paterna: o pai não pára em casa, porque se encontra na guerra contra os mouros (“ferido” ou “fossado”), ou vai para "cas del-rei", ou vai para a pesca.


Cantiga de amigo: definição

            A cantiga de amigo é uma composição poética cujo sujeito de enunciação é uma donzela que, num discurso simples, apaixonado e emotivo, exprime os seus sentimentos.
            As cantigas de amigo consistem geralmente:
. num queixume sentimental;
. na manifestação de um estado de espírito relacionado com o seu amor, desde o ciúme à saudade, ao ressentimento, ao triunfo amoroso, à dúvida, ao desespero, à alegria duma reconciliação;
. na descrição de um acontecimento concreto, relacionado com o seu caso sentimental (o encontro na fonte, o regresso da frota, etc.).


quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Distinção entre os vários tipos de modificador

     Eis mais uma (excelente) explicação sobre como distinguir os diferentes tipos de modificador, da autoria da professora Brígida Trindade, que pode ser encontrada aqui (Ciberdúvidas).


O modificador é uma função sintática que não é selecionada pelo verbo, nem pelo nome, podendo, por isso, ser eliminado sem comprometer a gramaticalidade da frase. Vejamos:
«A Ana vai a Lisboa (amanhã).»
O modificador aceita o teste da mobilidade:
a) «Amanhã, vou a Lisboa.»
 b) «Vou, amanhã, a Lisboa.»
c) «Vou a Lisboa amanhã.»
No teste da pergunta/resposta, verificamos que o modificador está na pergunta e não é necessário na resposta:
a) «O que é que faço amanhã?» 
R: «Vou a Lisboa.»

Obs. – O mesmo não poderemos fazer com o constituinte a Lisboa:
a) «*O que é que  faço a Lisboa?»
R:  «*Vou amanhã.»

Da aplicação deste teste, conclui-se que o constituinte que está na pergunta (amanhã) é opcional, logo é o modificador e o constituinte que está na resposta (a Lisboa) é obrigatório, logo é complemento, neste caso oblíquo.

Existem dois tipos de modificadores: o modificador do grupo verbal, que faz parte do predicado, e o modificador da frase. Para distinguir o modificador do grupo verbal do modificador de frase podemos aplicar dois testes sintáticos: o teste da negação e/ou o teste da interrogação:

O modificador do grupo verbal pode ser negado e interrogado:
a) «É amanhã que a Ana vai a Lisboa?»
b) «A Ana vai a Lisboa não amanhã, mas na sexta-feira.»



(continua)

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Sérgio Conceição e a concordância entre sujeito e verbo


     "... a grande diferença são a quantidade de soluções..."

     Ora bem, se o sujeito (bem como o seu predicativo) se encontram no singular, por que carga de água o verbo estará no plural?

      A resposta é óbvia: trata-se de um erro de concordância puro e simples: "... a grande diferença é a quantidade de soluções...".

Aspeto verbal IV - Correção (G 48)

1. Começamos hoje a imprimir o jornal.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
incoativo.
cessativo.

2. A equipa escolhida já anda a elaborar a maqueta.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
iterativo.
incoativo.
cessativo.

3. Já há tempos que estávamos para organizar o nosso jornal de turma.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
iterativo.
incoativo.
cessativo.

4. Havemos de fazer o impossível para que o jornal saia no prazo estabelecido.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
iterativo.
incoativo.
cessativo.

5. Temos de acabar a leitura do Frei Luís de Sousa até ao final do segundo período.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
iterativo.
incoativo.
cessativo.

6. Os alunos redatores acabam de entregar os primeiros artigos ao responsável.
imperfetivo.
perfetivo.
pontual.
durativo.
iterativo.
incoativo.
cessativo.


                Lê o texto e, de seguida, completa os exercícios apresentados.

Partidos nós desta aldeia de Xiangulé, chegámos a uns casais de gente pobre, onde achámos três homens que estavam maçando linho, os quais, em nos vendo, largaram logo tudo e fugiram para um pinhal que estava para cima num outeiro, e dali começaram a bradar à gente que passava que se arredassem de nós, porque éramos ladrões. Nós, arreceosos, segundo a cousa se iaaparelhando de nos acontecer ali outro caso semelhante ao passado, tivemos de partir logo dali, inda que era já noite, e tornámos a caminhar sem sabermos para onde.”

Fernão Mendes Pinto, A Peregrinação (texto adaptado)

7. Partidos:
- aspeto lexical: evento instantâneo
- aspeto gramatical: perfetivo

8. Chegámos / achámos:
- aspeto lexical: evento instantâneo
- aspeto gramatical: perfetivo e pontual

9. Estavam maçando:
- aspeto lexical: atividade
- aspeto gramatical: imperfetivo e durativo

10. Largaram / fugiram:
- aspeto lexical: evento instantâneo
- aspeto gramatical: perfetivo e pontual
11. Estava:
- aspeto lexical: estado
- aspeto gramatical: genérico

12. Começaram a bradar:
- aspeto lexical: evento instantâneo
- aspeto gramatical: incoativo

13. Passava:
- aspeto lexical: evento prolongado
- aspeto gramatical: imperfetivo

14. Éramos:
- aspeto lexical: estado
- aspeto gramatical: genérico

15. Se ia aparelhando:
- aspeto lexical: evento prolongado
- aspeto gramatical: durativo e imperfetivo

16. Tivemos de partir:
- aspeto lexical: evento instantâneo
- aspeto gramatical: incoativo

17. Era já noite:
- aspeto lexical: estado
- aspeto gramatical: durativo e imperfetivo

18. Tornámos a caminhar:
- aspeto lexical: atividade
- aspeto gramatical: iterativo



quinta-feira, 2 de novembro de 2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Paratextos: contracapa

                A contracapa é o revestimento final do livro (em papel, cartão, pele, etc.) onde surgem informações sobre o autor, um excerto da obra, uma síntese ou um comentário crítico do livro.

Paratextos: capa

                A capa é o revestimento inicial de um livro (em papel, cartão, pele, etc.) onde surge a indicação do título, do(s) nome(s) do(s) autor(es), do editor, da coleção, bem como ilustrações / imagens.

Paratextos

                Paratextos diz respeito ao conjunto de elementos que, não pertencendo ao texto propriamente dito, facilitam e orientam a sua leitura.
                Estes elementos podem ser verbais ou gráficos e enquadram o texto principal, apresentando informações secundárias aos leitores.


Bibliografia:
     - Gramática, Maria Regina Rocha, Porto Editora;
     - Domínios, Zacarias Nascimentos et alii, Plátano Editora;
     - Gramática da Língua Portuguesa, Clara Amorim e Catarina Sousa, Areal Editores;
     - Gramática Prática de Português, Olga Azeredo et alii, Lisboa Editora;
     - Paratextos, Vanda Barreto;
     - Infopédia.

Análise do poema "Teresa", de Manuel Bandeira

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