1. O mistério do ser humano ou
o vivido e por viver (pp. 88-89, 123-135, 168-169, 170, 181, 248-249)
As duas páginas
finais funcionam como uma espécie de síntese, de desenlace, que já vinha sendo
anunciado e preparado desde o início. Tomando como paradigma uma mulher do
campo que se notabilizou pelas suas qualidades descobertas durante a doença
iniciática, Agustina parece ter desejado radiografar a incomensurabilidade do
ser humano, as suas realizações e as suas frustrações, a sua radical solidão.
Não é verdade
que todos nós nos debatemos com as nossas frustrações?
Não é verdade
que muitos de nós ainda não descobriram as suas potencialidades nem nunca as
chegarão a descobrir?
2. As relações
homem-mulher (pp. 33, 52-53, 63, 86)
A mulher é um
ser realista, intuitivo, responsável e enraizado profundamente na terra; o
homem é um ser volúvel e irresponsável, que procura sem cessar o prazer. Vive
fora de casa e deixa à mulher as responsabilidades de administração e as
tarefas domésticas; por isso, os homens dissipam os bens, enquanto que as
mulheres os conservam, ampliam e transmitem. As mulheres, escravas do lar, parasitas
dos homens, aceitando, resignada e estoicamente, a sua condição de procriar e
conservar, são hostis às inovações, escapam às mudanças do tempo, mantêm as
suas tradições ancestrais e são felizes à sua maneira. Os homens, vivendo fora
de casa, em contacto com as alterações sociais, são marcados pela noção do
tempo.
3. As relações familiares (pp.
20-21, 23, 27, 35, 39, 53-54, 119)
Dado o
casamento ser, regra geral, uma mera união de patrimónios, é natural o casal
não ter um relacionamento humano harmonioso e viver em constante conflito: ou
porque o homem mantém as suas aventuras extraconjugais, ou porque é bronco ou
estúpido, ou porque age segundo estatuto de superioridade. E, como reflexo, as
relações dos pais e dos filhos também não são harmoniosas.
4. A sociedade é marcadamente
matriarcal (pp. 52-53, 81)
Pelo que foi
referido anteriormente, facilmente se pode concluir que as mulheres são
valorizadas no que diz respeito à garantia da sobrevivência dos bens. Os homens
depositam irresponsavelmente nas mãos das mulheres a tarefa do destino da casa.
Maria, Estina e Quina são uma trindade feminina muito valorizada.
5. Visão
negativa de todos os seres humanos
Todos os seres
humanos são negativos, ridículos e mesquinhos. A imagem de Quina, apesar de
tudo, sai amenizada, dadas as suas qualidades já referidas. O narrador expressa
claramente os defeitos dos seres humanos: intrigas, mentiras, crimes,
estupidez, adultérios. Todavia, podemos concluir que esta visão negativa é
exagerada, visto que as virtudes das personagens são devidamente salientadas e
valorizadas.
6. Noção de
propriedade
Entre o povo
aldeão, rural, a propriedade privada é tida como sagrada. Ainda hoje, acontece
que, por reivindicações mesquinhas (por um metro de terreno, por exemplo, se
cometem grandes crimes). Na casa da Vessada há ainda a sua ligação aos laços de
sangue: "A casa da Vessada, com os seus campos, as suas presas e o seu
montado, e que tinham sido pertença de mais de dez gerações dum mesmo ramo,
caberia ao mais nefasto inimigo da sua propriedade, se ele fosse o competente
herdeiro e o continuador." (p. 224). Ou seja, a propriedade é entendida
como herança sagrada a transmitir ao herdeiro seguinte, de geração em geração.
Foi por isso que Custódio não conseguiu ser o herdeiro da casa.
7. Noção de
casamento
O casamento é
visto como forma de enriquecimento e em que o amor é secundário e até
supérfluo: "(...) E o homem que ela amava desistira do casamento, medida
esta tida por demais natural entre o povo do campo, para quem o casamento é
mais do que o imperativo da espécie – é a união de dois patrimónios.
- As mulheres
só gostam de tratantes – dizia ela, como se anunciasse um teorema de
geometria." (p. 39)
Dois episódios
exemplificam esta conceção: o casamento de Estina com Luís Romão desfaz-se por
falta de património, de dote, da parte dela; o mesmo acontece com Quina e Adão,
que, juntamente com o avô, representam o tipo dos agiotas, profundamente
gananciosos e materialistas.
8. Oposição
campo/cidade
O campo é
associado à preparação para a vida, às privações e ao trabalho; a cidade está
ligada à futilidade, à esterilidade, ao ócio, à superficialidade, à vaidade a
ao artificialismo.
Por outro lado,
as personagens que abandonaram o campo e ascenderam à burguesia citadina são
criticadas e até caricaturadas pelo seu ridículo, pela sua desadaptação e pelo
seu postiço. Veja-se o caso de Elisa Aida, de Narcisa Soqueira e das filhas do
tio José.
As pessoas que
permanecem fiéis ao seu meio e aí crescem, como Quina, são louvadas e
elogiadas. A burguesia citadina aparece como uma ameaça ao equilíbrio da vida
rural (pp. 37-38, 51, 65, 72, 102, 122).
À aristocracia
burguesia capitalista, cultural ou intelectual, é oposta e preferida a
aristocracia da terra, propondo o regresso ou a fidelidade aos valores
ancestrais, na tentativa de reencontrar uma pureza original perdida ou uma
estrutura humana e social mais perfeita. (Cf. o diálogo que inicia e finaliza a
obra.)
A cultura
popular manifesta-se nas tradições e modos de pensar do povo, nas crendices e
nos provérbios, ganha projeção pelo seu primitivismo e pela sua ingenuidade. Ao
contrário, a cultura citadina é tida como romântica, desligada do mundo real e
cheia de frustrações. (Cf. pp. 14, 16, 35, 40, 87, 110, 117, 119, 125, 128,
135, 138, 189 e passim.)