Germa, a
personagem que é simultaneamente narradora, e o narrador omnisciente mantêm
relações ao longo de todo o romance que Maria Alzira Barahona (Para um
Estudo da Expressão do Tempo no Romance Português Contemporâneo) explicita
do seguinte modo:
O leitor é introduzido na ação mediante a fala de uma
personagem (Germa), que pressupõe um diálogo e tem como assunto a história de
uma velha casa. A réplica vem da parte de Bernardo: meia dúzia de palavras
cortadas por um parêntesis da autora que assim as faz acompanhar da descrição
dos gestos de quem fala. E a réplica retoma-se… para ser imediatamente
atalhada pela voz da autora, uma terceira pessoa que até então se mostrara testemunhal
e que agora, numa atitude omnisciente, começa a discorrer sobre a sua
personagem. E o leitor, levemente descoroçoado por não continuar a tomar conhecimento
da conversa, procura compensar-se com as informações sobre Bernardo Sanches.
Tem então o primeiro sobressalto: de súbito a voz da autora irrompe, fazendo
ouvir uma reflexão própria. E o leitor (…) olha, desconfiado, esta primeira
pessoa que se afirma despudoradamente através de um presente verbal. Quando
prossegue o seu contacto com a personagem, através do que dela lhe comunica a
autora, nova surpresa o detém: as informações, em que depositava a cega confiança
devida ao autor omnisciente, são referidas como simples pensamento de Germa.
O leitor procura sossegar-se e atribui a mesma dose de conhecimento a autor e
personagem, o que, no caso, seria possível. Mas afinal não é isso que se
verifica porque, meia dúzia de linhas adiante, a autora decide falar de
Germa, sem qualquer indicação gráfica que permita a mudança; e é seguramente
a autora, pensa o leitor, porque Germa não poderá falar de si própria na 3.ª
pessoa. E sente-se confundido ao fim de uma página de leitura.
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