Há, pelo menos,
dois aspetos importantes na obra: as orações de Quina e a referência frequente
à morte. Quanto às orações, Quina ultrapassa a dimensão humana e entra na
esfera da dimensão sobre-humana ou na linha dum tempo diferente, que lhe causa
medo e sensações estranhas e novas. São momentos fugazes que não a deixam voar,
não lhe permitem agarrar a chama de Prometeu, porque as coisas terrenas
pesam-lhe como chumbo. Atingiria plenamente a transcendência se o seu
misticismo se purificasse dos interesses imediatos. De qualquer forma, o
romance constrói a ponte entre a imanência e a transcendência.
Após a sua
morte, permanece a herança, mas mais do que material ou temporal, o legado de
Quina a Germa é espiritual. Aquilo que mais inquieta a herdeira não são os bens
materiais que a tia acumulou à custa de muito sacrifício e habilidades ou
esperteza e lhe deixou em testamento, para que a casa permanecesse na família,
no sangue. Intelectual burguesa, civilizada nascida na cidade e cuja educação e
personalidade foram muito influenciadas por Quina e pelo ambiente rural da
Vessada, reflete sobre o passado, numa altura em que o discurso snob de
Bernardo a aborrece, e interroga-se sobre p futuro. O importante está para além
do tempo, não é controlado pelos homens, "é todo o destino". Estamos
no domínio da transcendência, de tudo aquilo que ultrapassa os limites e
poderes do homem e que, todavia, influencia todo o seu comportamento, as suas
"aspirações".
Quanto à
questão da morte, devemos procurar as razões que levam o(a) narrador(a) a
apresentá-la como algo de natural, que não provoca traumas nem angústias. Uma
das respostas possíveis encontra-se no facto de que tudo ou quase tudo se passa
numa aldeia, no campo, onde as pessoas convivem com essa dimensão mais
naturalmente: os animais nascem e morrem; é o seu ciclo biológico. As árvores
da mesma maneira. Os seres humanos também. Mas com estes a morte é acompanhada
de fenómenos que a ligam ao transcendente, pois é interpretada como a saída do
efémero, do temporal, do imanente, e a entrada na outra dimensão, numa dimensão
que os transcende. Atente-se na naturalidade da morte de Quina (e já muito
antes da sua mãe): num primeiro momento, ela teve um êxtase em que se viu
festivamente integrada no cosmos; num segundo e último momento, depois duma
longa evocação de todos os seres que lhe foram queridos ou com quem mais de
perto se relacionou, ela, deitada na sua solidão, escuta os passos da
"irmã" morte que a vem chamar para outra dimensão. (Cf. pp. 199-200;
207-212; 233-234)