Português

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Plural de rés-do-chão

     Qual é o plural de rés-do-chão?
     Rés-do-chão? Reses-do-chão? Reses-dos-chões? Rés-do-chões?

     A resposta é rés-do-chão, ou seja, o singular e o plural são iguais (trata-se, portanto, de um nome uniforme quanto ao número).
     Quando as palavras são compostas por elementos ligados por uma preposição, apenas o primeiro elemento se flexiona no plural. Como o plural de «rés» é «rés», é igual ser dono de um ou de dois «rés-do-chão».

Alcoolemia : pronúncia e acentuação

     A palavra "alcoolemia" é constituída pelo nome «álcool» e o radical grego «-emia», que exprime a ideia de «sangue».

     O termo pronuncia-se com "e" fechado e não é acentuado, dado tratar-se de um vocábulo grave, cuja sílaba tónica é a penúltima ("mi"), pelo que não carece de acento gráfico. O mesmo sucede com outras palavras em que este radical está presente: «anemia», «leucemia», «glicemia», etc.

As Misteriosas Cidades de Ouro - Episódio 16: "Os Urubus"

segunda-feira, 6 de julho de 2020

RIP: Ennio Morricone


Tema principal de A Missão

     Everybody in the class, please stand up: the Maestro is now leaving.

Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2020 - 1.ª fase

Correção do Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2020 - 1.ª fase

Grupo I

1.
▪ A atitude de Gonçalo Ramires é caracterizada pela ociosidade, visível no facto de ele adiar a concretização da escrita de um romance sobre a sua família (algo que recorda o que sucede com João da Ega e Carlos da Maia em Os Maias).
▪ Por sua vez, José Castanheiro mostra-se pró-ativo: trabalha no Ministério da fazenda, mostra-se entusiasmado e empenhado na criação de uma revista quinzenal e está envolvido na ressurreição do sentimento português.
▪ A postura/atitude das personagens de Os Maias é semelhante à de Gonçalo Ramires, pois mostram-se ociosos, passeando por Lisboa «às horas de trabalho», dedicando-se a observar apenas os outros.

2.
▪ O excerto de A Ilustre Casa de Ramires critica:
a) o facto de os portugueses adiarem a concretização das suas ideias, dos seus projetos;
b) a ausência de um sentimento patriótico, que surge associado à perda da identidade nacional.
▪ O extrato de Os Maias critica:
a) a ociosidade da juventude portuguesa, que vagueia pela cidade, sem uma ocupação útil/sem trabalhar;
b) a imitação caricatural/ridícula de modelos estrangeiros, pela incapacidade de criar modelos próprios.

3.
a) 3
b) 2
c) 1

4.
▪ O sujeito poético mostra uma atitude racional, visto que intelectualiza as suas emoções, recusa voluntariamente a mudança (“Tudo quanto me ameace de mudar-me / Para melhor que seja, odeio e fujo” – vv. 5-6) e busca a calma, a serenidade, a tranquilidade (versos 7 a 10).
▪ O sujeito poético mostra-se aterrorizado face ao destino e/ou à ideia de mudança, o que lhe causa sofrimento e dor.

5.
▪ Comparação: “indo / Para a velhice como um dia entra / No anoitecer”.
▪ Expressividade da comparação: tal como o dia termina lenta e gradualmente e entra na noite de forma impercetível, também o sujeito poético deseja que o tempo passe por si igualmente de modo impercetível, conduzindo-o tranquilamente para a morte, isto é, sem que isso lhe cause dor e sofrimento.

6.
a) 2
b) 2
c) 1

7. A crítica e a alegoria no Sermão de Santo António:
▪ A Nau Soberba, que é caracterizada pelas velas inchadas pelo vento e que leva os marinheiros ao naufrágio, simboliza a vaidade, o orgulho desmedido, a arrogância que conduz(em) o homem à perdição.
▪ A Nau Vingança, caracterizada pela artilharia e pelos bota-fogos acesos, onde «se queimariam ou deitariam a pique», simboliza o desejo de vingança.
▪ A Nau Cobiça, sobrecarregada e aberta com o peso, fica incapaz de fugir ou se defender, acabando na mão dos corsários, representa o materialismo e a ambição desmedida.
▪ A Nau Sensualidade, que faz com que alguns homens se percam ou ceguem, simboliza os que caem facilmente na tentação e por ela se perdem.
▪ A ictiofagia e a antropofagia: o pregador critica os peixes por se comerem uns aos outros e faz o mesmo aos homens, que se comem igualmente uns aos outros, com a agravante de os pequenos comerem os pequenos, representando, desta forma, a exploração do ser humano pelo seu semelhante.
▪ O peixe roncador representa a soberba e a vaidade, visto que, tal como ele é pequeno em tamanho, mas faz produz muito ruído porque ronca muito, também o homem (como Pedro ou o gigante Golias) faz alarde e se gaba das suas ações.
▪ O peixe pegador representa o oportunismo e o parasitismo, pois, tal como ele se agarra aos peixes maiores, vivendo à sua custa, também alguns seres humanos (como, por exemplo, os seguidores de Herodes) se «pegam» aos homens influentes para beneficiar do seu poder e influência.
▪ O peixe voador representa a ambição, dado que, tal como ele tem forma de peixe mas quer ser ave, pagando com a vida essa sua ambição, também alguns homens (como Simão Mago) são castigados.
▪ O polvo representa a traição e a hipocrisia, dado que, tal como ele se dissimula e se mostra inofensivo para atacar as presas de forma traiçoeira, também certos homens (como, por exemplo, Judas) agem de forma traiçoeira/falsa.


Grupo II

Versão 1     Versão 2
1.             D                 B
2.             B                 C
3.             A                 B
4.             C                 A
5.             D                 A

6.
a) complemento direto
b) complemento agente da passiva

7.
a) 3
b) 2
c) 3

sexta-feira, 19 de junho de 2020

O título Aparição

Posicionamento de Vergílio Ferreira

1. As primeiras obras aproximam-se da corrente neorrealista: O Caminho fica Longe (1943), Onde Tudo foi Morrendo (1944), Vagão J (1946), distanciando-se posteriormente deste movimento.

 

1.1. Marcas neorrealistas em Aparição:

. as referências à miséria dos trabalhadores;

. o episódio do Bailote;

. a simpatia do narrador pelos ceifeiros, “homens e mulheres cosidos com a terra”, “gente fulminada pelo sol”;

. a atitude do reitor, de certo modo abusando da sua autoridade na interferência a respeito dos temas das composições dos alunos de Alberto Soares.

 

2. A partir de 1949, com o romance Mudança, dá voz às suas angústias existenciais, à problemática existencial e metafísica. Neste âmbito, torna-se discípulo de Jean-Paul Sartre, Heidegger e Jaspers.

 

2.1. A filosofia existencialista e Aparição:

. “o homem como um ser para a morte”;

. o absurdo da morte;

. a angústia metafísica;

. a busca do eu essencial;

. a busca da harmonia interior;

. a transcendência.

A filosofia existencialista e Aparição

            A temática da Aparição retoma a questão da interrogação sobre a existência humana. Ao nível mitológico, ela aparece, entre outros, patente no mito de Sísifo, filho de Éolo, fundador de Corinto, que foi condenado a empurrar um rochedo até ao alto de uma montanha, para, de lá, a atirar para o outro lado do monte. No entanto, a pedra voltava sempre para trás e todos os dias ele tinha de repetir a tarefa, com o mesmo desenlace. Neste contexto a pedra simboliza os obstáculos infindáveis com que o ser humano se depara, não obtendo a resolução definitiva dos problemas que marcam a sua existência.

            O problema no romance Aparição é o problema do “eu”, que se estende a cada homem. O “eu” pertence a um ser vivo que, progressivamente, toma consciência de si-próprio; são as diferentes “aparições” que compõem o processo de descoberta desse ente, cuja dimensão ultrapassa o plano individual e se situa no plano coletivo: o de todos os homens, em todas as épocas. Descobrindo o mundo, o Homem foi-se descobrindo a si próprio e tentou obter respostas. A existência suscitou sempre a sua reflexão e a constatação da morte inevitável definiu a sua condição e motivou a sua angústia. Dos vários pensadores que refletiram sobre estas questões, três marcaram profundamente Vergílio Ferreira: Kierkegaard, Heidegger e Sartre. Kierkegaard, considerado o fundador do Existencialismo, afirmou que o homem teria de renunciar a si mesmo para ultrapassar as limitações que a realidade lhe impõe – no final da obra, é um pouco esta a posição de Alberto Soares: sabe que nada mais poderá saber. Heidegger, por outro lado, salientou que o Homem só poderia conhecer-se à medida que existia e focou a angústia metafísica que o ser humano experimenta perante a ideia da morte. Para este filósofo, a linguagem constitui uma forma de acesso ao ser – ora, Alberto Soares, através da escrita (uma forma de linguagem), efetua a demanda do seu “eu” e da sua harmonia interior, aceitando tranquilamente uma qualquer forma de transcendência que justifica a existência, apesar de crer na “morte de Deus” (observemos, por exemplo, a interpretação do dom musical de Cristina, enquanto tocava piano, como uma manifestação do transcendente). Mas é Jean-Paul Sartre quem teoriza o Existencialismo, afirmando: “(...) o homem primeiramente existe, descobre-se, surge no mundo, e só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada.

            Só depois (existindo) será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber.”

 

            O Existencialismo ateu baseia-se, assim, nos seguintes princípios:

. a existência precede a essência, ou seja, o homem primeiro existe e só depois sabe quem é – é o ato de existir que conduz à descoberta do ser que existe em cada homem;

. ausência de determinismo – o homem é livre; o seu destino é construído por si mesmo (no mundo) e é independente de qualquer desígnio divino ou de qualquer outra natureza;

. o homem é responsável por tudo o que faz; essa responsabilidade estende-se aos outros, uma vez que aquilo que fizer afetará direta ou indiretamente aqueles que o rodeiam;

. a perceção da realidade é subjetiva, no sentido em que essa perceção resulta da constatação da própria condição humana (a perceção objetiva da realidade não é possível, uma vez que o Homem é angústia e revela necessidades e comportamentos que se prendem com a sua situação no universo);

. a solidão marca a existência – a liberdade provoca a solidão (sem deus, sem valores, o homem é um ser só);

. o Homem está condenado a “inventar o homem”, ou seja, a explicá-lo, de acordo com a sua própria visão da realidade, numa determinada época.

 

            Então, só e livre, cabe ao ser humano encontrar razões para a vida, razões para a morte e para o absurdo que esta representa.

            A filosofia existencialista subverte, pois, a perspetiva tradicional, segundo a qual a essência precede a existência. O indivíduo aparece, portanto, como um estranho a si mesmo, na busca de uma unidade que o conduza a uma ideia e a uma definição de si mesmo. O narrador de Aparição coloca a questão desta forma: “(...) o que eu sou não tem limites no puro ato de estar sendo, esta evidência que me aterra quando um raio da sua luz emerge da espessura que me cobre. E estas mãos, estes pés que são meus e não são meus, porque eu sou-os a eles, mas também estou neles, porque eu vivo-os, são a minha pessoa e todavia vejo-os também de cima, de fora, como a caneta com que vou escrevendo...” (p. 194).

 

            O título da obra remete, assim, para o sucessivo milagre que constitui cada “aparição” (a palavra aparece repetida na obra vinte e nove vezes) na descoberta do “eu”.

            E os princípios existencialistas estão presentes na ação do romance: Alberto Soares toma consciência de si mesmo, existindo; a sua “notícia” consiste, precisamente, no facto de ter descoberto e querer transmitir aos outros a sua descoberta de que “Deus gastou-se” – o que significa que o homem é livre e não se encontra, por outro lado, sujeito a qualquer tipo de determinismo, pelo que será ele o autor do seu destino; mas não se é apenas responsável pelos seus próprios atos, é-se igualmente responsável pelos dos outros – Alberto Soares é acusado da morte de Sofia, através de um telefonema anónimo, pois, na realidade, ele revela a Carolino algo que este não está preparado para ouvir, motivando, indiretamente, a sua atitude e a manifestação do seu ato de loucura; finalmente, a solidão e a angústia marcam as principais personagens da obra, que têm absoluta consciência do absurdo da sua morte e das limitações que se ligam à condição do ser humano.

            No final da obra, o narrador questiona-se sobre a possibilidade de construção da “Cidade do Homem”; de facto, a cidade que ele vê, quando dorme, pela última vez, na casa do Alto, é uma cidade na sua imaginação, votada à destruição pelo fogo, que a personagem alastra, a partir de uma “queimada”. Essa cidade, Évora, é um microespaço, símbolo do universo, que deveria ser recriado pelo homem: “O campo arde vastamente, como numa destruição universal.” (p. 269).

            A atitude de Carolino parece ser o epílogo necessário para provar que é preciso construir um mundo novo, ainda que a posição do narrador seja pessimista em relação a este facto: “A noite avança. A minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia eu que ela devia arder? Acaso será possível construir uma cidade como a imagino, a Cidade do Homem?” (p. 269).

            Na realidade, a Cidade do Homem situa-se no domínio da utopia.

Aparição : do Realismo ao Neorrealismo

1.1. Realismo (finais do século XIX):

. combate o Romantismo;

. busca a objetividade;

. visa a representação fiel da realidade;

. visa a análise científica da sociedade, a partir do Positivismo, do Determinismo, das teorias estético-sociais de Proudhon – o socialismo utópico;

. procura diagnosticar as causas dos vícios da sociedade com o objetivo de alcançar a sua cura;

. ligado ao Naturalismo e às ciências, socorre-se do método experimental.

 

1.2. Neorrealismo:

. surge a partir da segunda metade dos anos 30 do século XX;

. busca a objetividade da arte;

. visa a análise da sociedade, o empenhamento social e político, a partir do pensamento marxista:

. a literatura é uma forma de intervenção social e política e o escritor é um combatente que procura transmitir uma visão social da realidade e denunciar as injustiças sociais – literatura engagée;

. temas principais: a alienação, a exploração do homem pelo homem, as condições sociais do proletariado, os conflitos sociais, a consciência da classe.

sábado, 13 de junho de 2020

Características do romance histórico

▪ O romance histórico é caracterizado pela presença da História e pela oscilação entre a verdade e a verosimilhança.

▪ O romance histórico é marcado pela reconstituição histórica, que implica a recriação de determinados ambientes, conseguidos pelo recurso ao efeito da cor local e/ou da época. Este efeito é conseguido pelo recurso a várias estratégias:
-» evocação, o mais fiel possível, da linguagem da época e dos diferentes grupos sociais;
-» descrição pormenorizada do vestuário das personagens;
-» reconstituição de espaços físicos/geográficos (cidades, castelos, monumentos, etc.), com especial destaque para os aspetos arquitetónicos;
-» recriação de grandes movimentações das personagens (saraus, torneios, manifestações populares), com o objetivo de criar a ilusão da fidelidade ao tempo narrado.

▪ A presença de personagens referenciais (personagens pertencentes a um determinado contexto histórico e/ou mítico, que condicionam a leitura e a interpretação, mesmo que não possuam uma existência real – por exemplo, D. João V ou Scarlatti).

▪ As personagens ficcionais (persona → ideia de “ficção”) ocupam, geralmente, os papéis principais do romance, visto que proporcionam ao autor/narrador liberdade criativa, o que não acontece com as personagens referenciais, dotadas de características próprias e de personalidade conhecida que interessa respeitar.

▪ O romance histórico recorre também a fontes (verdadeiras ou apócrifas), desde “documentos antigos” a “velhos livros”, bem como “memórias” e “manuscritos que só o narrador conhece”, com a finalidade de atestar a veracidade dos acontecimentos narrados.

O conceito de romance histórico


O conceito de romance histórico, tal como hoje o entendemos, surge com o Romantismo, no século XIX, desde logo porque foi com este movimento que se deu um grande destaque, até aí desconhecido, ao passado. Antes, existiam romances que se centravam em tempos passados (por exemplo, Princesse de Clèves, de Madame de Lafayette), mas não se podem classificar como tal dada a inexistência de rigor ou factualidade histórica, a ausência de preocupações reais com a reconstituição de um determinando momento histórico, visto que apresentavam personagens, conceitos e mentalidades contemporâneos do respetivo autor.
O primeiro romance histórico considerado como tal é Waverley, de Walter Scott, publicado em 1814, o qual define os traços gerais do género: respeito pelos factos históricos, ênfase em determinados acontecimentos, etc.

Análise do poema "Palavras caras", de Adília Lopes

Em minha casa, detestávamos pessoas bem-
-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a
prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê:
       – Fiquei muito confrangida.
Passámos a chamar-lhe “a confrangida”.
Sempre que aparecia alguém na televisão a
declamar poesia ou a falar de poesia, desligáva-
mos a televisão.

O sujeito poético e a sua família (“Em minha casa”, “detestávamos”) têm aversão profunda a pessoas bem-falantes e ao emprego a despropósito de “palavras caras”. As pessoas bem-falantes são aquelas que fazem uso de palavras, de uma linguagem “cara” de forma inapropriada, na tentativa de se superiorizarem intelectualmente aos outros.
De seguida, apresenta, como exemplo do que acabou de dizer, o caso da sua prima Maria Lucília, que personifica a pretensa eloquência, com o verso em discurso direto em que usa uma palavra “cara”: “– Fiquei muito confrangida.”. Note-se que o nome da prima – Maria Lucília – é, também ele, exemplificativo dessa pretensão, dado o seu caráter composto. Por causa disso, o sujeito poético e a sua família deram-lhe uma alcunha, pela qual a passaram a tratar: “a confrangida”.
Nos últimos versos, refere o facto de ele e a família desligarem a televisão sempre que aparecia alguém a declamar ou a falar de poesia nela. Parece haver aqui uma associação entre as tais pessoas bem-falantes e aquelas que declamam ou falam de poesia na televisão. Note-se como a linguagem confirma a aversão do sujeito poético. De facto, nos três versos finais, a linguagem é bastante simples e caracterizada pela repetição do vocabulário, o que se opõe à das pessoas bem-falantes (de que a prima é um exemplo), do seu pretensiosismo e pomposidade, que muitas pessoas pretendem também atribuir à poesia.
As palavras usadas pelos bem-falantes constituem frequentemente uma forma de fugir à verdade; de forma semelhante, a eloquência em exagero é inimiga da boa poesia. Declamar ou falar de poesia de modo pretensioso, numa atitude de superioridade intelectual e de sobranceria é o contrário daquilo que o sujeito poético defende. Observe-se, por último, o tom sarcástico que domina todo a composição poética.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Análise do poema "Visitações, ou poema que se diz manso"

Estrutura externa

. 5 estrofes: 2 monósticos, uma quadra, uma quintilha e um dístico.

. Métrica: irregular.


Tema: a arte poética e as figurações do poeta.


Análise

• O poema situa-nos num contexto familiar: o sujeito poético, feminino, estava a escrever um poema, quando a filha entrou de mansinho e o interrompeu.

• A entrada da filha, que é feita de mansinho, é comparada à chegada da madrugada (versos 1 a 3). As comparações sugerem que a entrada da filha é um acontecimento natural e espontâneo e destaca a mansidão, brandura e silêncio que caracterizam essa entrada.

• A entrada da filha veio interromper o ato de escrita do sujeito poético: “O poema invadia como ela, mas não / tão mansamente, não com esta exigência / tão mansinha.” (vv. 7-9). A comparação estabelece-se também entre o efeito dos poemas e o efeito da presença da filha.

• O «eu» poético constrói-se entre duas figurações: a de poeta e a de mãe ou mãe e poeta. Com o surgimento da filha em cena, no momento em que escreve, em que cria, assume o papel de mãe. Este papel maternal pode também relacionar-se com o ato da criação poética: o «eu», enquanto poeta, é mãe do poema que escreve.

• Assim sendo, a figura da filha pode entender-se num duplo sentido: representa para a mãe o que a inspiração representa para o «eu», ou constitui a fonte de inspiração necessária ao surgimento do poema.

• A comparação da filha a um “ladrão furtivo” e a metáfora final do «crime» sugerem a sua aproximação silenciosa e furtiva e o roubo da atenção da mãe.


Título

O título do poema sugere a articulação existente entre as situações descritas no texto – decorrentes da visitação da filha – e o surgimento, ainda que seja uma visitação mental e artística do poema, e ambos – filha e poema – são apresentados como «mansos», como dóceis. Dito de outra forma, a visitação da filha pode equivaler à visitação da inspiração para a criação poética.
Por outro lado, a personificação presente em “que se diz manso” associa a mansidão, a docilidade da jovem ao poema, que o seria também por influência dela.

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