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quarta-feira, 12 de julho de 2023

Resumo do capítulo IV de Memórias de um Sargento de Milícias


    Este capítulo centra-se de novo na figura de Leonardo Pataca, envolvido em atos de feitiçaria por causa de um novo amor. Não sendo bem sucedido nos seus propósitos, recorre à feitiçaria e é surpreendido pelo Vidigal, que o leva preso.
    De facto, o narrador leva-nos até à tapera de um feiticeiro: trata-se de uma casa coberta de palha da mais feia aparência, com dois cómodos e uma mobília bastante rudimentar – dois ou três assentos de paus, algumas esteiras e uma grande caixa de madeira que servia, simultaneamente, de mesa de jantar, cama, guarda-roupa e prateleira. Este episódio é usado por Jorge Amado para criticar as práticas de feitiçaria, a que recorriam com grande frequência tanto as gentes do povo como parte da alta sociedade.
    Uma das pessoas que procura o velho caboclo feiticeiro é, pois, Leonardo Pataca, por causa das contrariedades de um novo amor. De facto, apaixona-se por uma cigana que conhecera após a fuga de Maria, porém, tal como sucedera com esta, que fugira com o capitão de um navio de Lisboa sob o pretexto de sentir saudades da pátria, também a nova paixão lhe é infiel e o abandona. Assim, Pataca recorre aos serviços do feiticeiro para conseguir a cigana de volta, a troco de dinheiro e da realização de diversas ações: submissão a fumigações de ervas sufocantes; tragar de bebidas enjoativas; decorar de milhares de orações, que repete várias vezes ao dia; depósito quase todas as noites de determinadas quantias e objetos em lugares determinados, tudo com o objetivo de colher a ajuda de certas divindades. No entanto, a cigana parece imune a tudo e não há maneira de voltar para os braços de Pataca. A derradeira prova acontece à meia noite de certo dia: Leonardo desloca-se a casa do feiticeiro, é forçado a trajar como Adão e a envergar um manto imundo; depois, ajoelha e reza em todos os cantos da casa do velho. De seguida, aproxima-se da fogueira, enquanto quatro figuras saem do quarto, juntam-se-lhe e, todos juntos, começam a dançar ao redor do lume. Subitamente, batem levemente à porta: é o Major Vidigal.
    Neste capítulo, Jorge Amado critica também o vocabulário romântico, a propósito da figura de Leonardo Pataco: “… mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo.” A comicidade é uma das características fundamentais do discurso, o que marca já uma oposição ao Romantismo, de que é exemplo Iracema.

terça-feira, 11 de julho de 2023

Resumo do capítulo III de Memórias de um Sargento de Milícias

    Este capítulo narra a vida do pequeno Leonardo em casa do padrinho, que vive preocupado com a educação do afilhado: quer que seja padre.
    Inicialmente, enquanto tudo é recente e novidade na nova casa, a criança porta-se bem, porém, assim que se familiariza com o ambiente, o barbeiro, cego pela afeição ao pequeno, tolera todas as diabruras, atribuindo-as e desculpando-as com a sua ingenuidade. Esta postura do padrinho justifica-se, antes de mais, com a sua idade – já tinha mais de 50 anos –, e depois com a ausência de afeto na sua vida e com o seu isolamento, já que sempre fora celibatário. Perante tal imunidade, a criança faz tudo o que lhe apetece, desde caretas aos fregueses da barbearia, o que causa o riso de uns e a fúria de outros, acabando muitos por saírem com a face cortada, até esconder a navalha mais afiada do padrinho, o que leva a que o freguês esteja imenso tempo à espera, com o rosto cheio de sabão, enquanto aquele a procura. Em casa, atira pedras aos telhados dos vizinhos, incomoda quem passa na rua ou algum vizinho que esteja à janela. Deste modo, ninguém por ali gosta dele, todavia o padrinho de nada se apercebe e acarinha-o sempre. Além disso, preocupa-se com o seu futuro e tem grandes sonhos para o afilhado: uma grande fortuna, uma alta posição social e o meio de os alcançar, nomeadamente enviando-o para Coimbra, para se tornar padre.
    Certa manhã, o barbeiro chama Leonardo, então com nove anos, e diz-lhe que se deveria fartar de travessuras até ao final dessa semana; daí em diante, só aos domingos, após a missa. A criança leva a fala do padrinho à letra e interpreta-a como uma licença para fazer o que lhe apetecesse. Na noite dessa quarta-feira, realiza-se a Via Sacra do Bom Jesus. Quando o apercebe, Leonardo recorda as palavras do barbeiro e mistura-se no meio da multidão, pulando, gritando, cantando, etc.
    Outro aspeto importante da obra é a constante referência ao leitor e a intromissão do narrador, através da ironia, comicidade e da crítica social à educação escolar e à religião. Temos ainda a referência aos costumes da época com a descrição da Via Sacra do Bom Jesus.

Resumo de Memórias de um Sargento de Milícias


    Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça conhecem-se num navio que parte de Lisboa em direção ao Rio de Janeiro e iniciam um relacionamento amoroso do qual resulta um filho: Leonardo. O casal vive junto, mas não é casado.
    O batizado do recém-nascido é muito festivo, com direito à vigia do Major Vidigal. O seu padrinho é o barbeiro, que é vizinho da família, e a madrinha é a parteira. Entretanto, Leonardo Pataca, que é meirinho, começa a desconfiar que a esposa o trai enquanto ele está ausente de casa.
    Certo dia, as suas desconfianças confirmam-se: regressa a casa e surpreende um vulto a fugir pela janela da sala. Na sequência, Leonardo agride Maria e o filho, que, assustado, foge para a barbearia do seu padrinho, enquanto o pai sai para a rua.
    Quando regressa a casa, descobre que a mulher tinha fugido para Lisboa com o capitão de um navio. Leonardo não encara com bons olhos o facto de ter de criar uma criança sozinho, por isso entrega o filho aos cuidados do compadre. Deste modo, ele cresce mimado pelo padrinho e faz várias travessuras. A vizinha d barbeiro não gosta do menino, vaticinando-lhe um futuro de fracasso, ao contrário do padrinho, que tem sonhos de grandeza para o afilhado, nomeadamente ordená-lo padre.
    Um dia, ao seguir uma procissão que procura tumultuar, acaba num acampamento de ciganos, onde passa a noite no meio de uma festa. Em simultâneo, o pai envolve-se com uma cigana e, quando o caso termina, inconformado, recorre à feitiçaria na tentativa de a reconquistar, acabando por ser preso. Ao descobrir que a cigana está envolvida com o padre, planeia vingar-se. Assim, no aniversário da ex-amante, paga a um malandro para arranjar uma confusão durante a festa e avisa o Major Vidigal. Mal o tumulto começa, o representante da autoridade entra em cena e depara com o padre só de ceroulas e sapatos no quarto da cigana. No final, o eclesiástico desiste da mulher e Leonardo reconquista-a.
    Entrementes, o compadre começa a frequentar a casa de D. Maria, uma senhora rica. As visitas são enfadonhas, até que Luisinha, a sobrinha de D. Maria, se muda para casa da tia. Leonardo apaixona-se por ela e um namoro entre ambos tem início. No entanto, José Manuel, um homem mais velho e interessado na herança de Luisinha, começa a cortejá-la. A madrinha de Leonardo intervém em socorro do afilhado e conta a D. Maria uma mentira sobre José Manuel, para o afastar da cena. Inicialmente, a mentira resulta, contudo os aliados daquele ajudam-no a desmascarar a madrinha, por isso volta a frequentar a casa, enquanto Leonardo e ela ficam mal vistos junto de D. Maria. Enquanto isso, Pataca vive novos problemas com a cigana e é convencido pela comadre a juntar-se à sua filha, com quem tem uma criança.
    Entretanto, o compadre morre e deixa uma herança a Leonardo, a qual, na realidade, pertencia ao capitão de navio, que lhe confiou para entregar à sua família. Interessado no dinheiro do filho, Pataca faz com que Leonardo passa a morar consigo.
    No entanto, o jovem e a madrasta brigam constantemente e, um dia, na sequência de uma grande discussão, acaba por ser expulso de casa pelo pai e acaba a vaguear pelas ruas, até que encontra um grupo de jovens fazendo um piquenique, no qual reconhece um amigo de infância. Leonardo vai viver com ele, numa casa onde moram também duas irmãs viúvas, cada uma com três filhos. Uma das mulheres chama-se Vindinha e Leonardo enamora-se primeiro, iniciando-se, assim, um namoro entre ambos. Contudo, ela já era disputada por dois primos seus, que se unem para retirar Leonardo de cena.
    Mais tarde, durante outro piquenique, esses primos avisam o Major Vidigal que nele marcará presença Leonardo, um vagabundo (dado que não trabalha nem tem rendimentos), o que era proibido na época. O major prende Leonardo, porém este consegue fugir. A sua madrinha arranja-lhe um emprego na ucharia real, o que inviabiliza a sua prisão, no entanto envolve-se com a mulher do chefe, é demitido e preso. Na sequência, é colocado no exército como granadeiro, auxiliando o Major a combater os malandros e vagabundos do Rio de Janeiro, visto que, como já tinha pertencido a essa classe, acreditava que pudesse ajudar o regimento com os seus conhecimentos.
    Todavia, Leonardo acaba por se juntar à malandragem em vez de a combater. Na festa de batizado da filha do seu pai, Leonardo é destacado para prender um animador de festas que faz imitações do Major Vidigal, todavia, em vez de o deter, acaba por o ajudar a fugir. Quando Vidigal descobre, manda prendê-lo, que, posteriormente, é condenado a ser chicoteado. Esta situação desespera a madrinha, que procura D. Maria para remediar a situação. Esta, por sua vez, procura uma antiga amiga, chamada Maria Regalada, uma ex-amante do Major Vidigal, e as três deslocam-se a sua cada pedindo perdão para Leonardo. A empreitada obtém sucesso e o jovem é libertado e promovido a sargento. Assim, volta a frequentar a casa de D. Maria, onde também mora Luisinha, após a morte do marido. Os dois voltam a namorar, mas o desenvolvimento do namoro enfrente um obstáculo: Leonardo não se pode casar, dado ser um sargento do exército.
    D. Maria e a madrinha voltam a contactar Maria Regalada para que ela peça ao Major a dispensa de Leonardo, porém, ao chegarem a sua casa, encontram Vidigal a morar com a amante. Este promove Leonardo a sargento de milícias, o que permite que ele se case com Luisinha. O casal, que já usufruía uma riqueza considerável graças a uma herança, herda também após as mortes de Leonardo Pataca e de D. Maria.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Resumo do capítulo I de Memórias de um Sargento de Milícias


    O capítulo começa com uma referência ao tempo (“Era no tempo do rei…”), que remete para o início dos contos tradicionais populares, e ao espaço. Há uma descrição do espaço, que aponta já para um certo realismo pelo tema, ponto de vista e forma como essa descrição é feita, e uma integração das personagens.

    A função deste capítulo é apresentar o protagonista do romance: Leonardo. O narrador, baseando-se na história que um sargento de milícias reformado lhe contou, narra a vida e os costumes do Rio de Janeiro durante a época em que D. João VI, fugindo das Invasões Francesas, viveu no Brasil.

    A descrição dos meirinhos – que se reuniam num local, conhecido por canto dos meirinhos, localizado na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro – é feita com base na oposição entre os meirinhos do passado e os do presente. Assim, os atuais – segunda metade do século XIX – são uma mera sombra dos do tempo do rei, gente temida e temível, respeitada e respeitável, com grande influência social, que se distinguiam pela grande influência social que tinham, pelo porte físico e pelo traje (casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, espadachim e chapéu), enquanto os demais não se distinguem das demais pessoas.

    Integra-se depois a história de Leonardo Pataca, que era meirinho, e de Maria da Hortaliça. É da relação de ambos que nasce o herói da história. A única personagem identificada com o nome é Leonardo Pataca; as outras personagens representam tipos sociais e, por isso, não são apresentadas com nome próprio. O narrador coloca-nos na esquina da rua, onde um grupo de meirinhos conversa sobre diversos assuntos. Dentre eles destaca-se Leonardo Pataca, uma rotunda figura de cabelos brancos e carão avermelhado, molengão e pachorrento. Por causa destes traços, ninguém o procurava para negócios, por isso ele passava os dias sentado na esquina, na companhia da sua bengala. Como se queixava constantemente dos 320 réis por citação, deram-lhe a alcunha de Pataca.

    De seguida, o narrador relata um pouco do passado de Leonardo. Cansado da sua vida em Lisboa, viaja para o Brasil e, a bordo do navio que o transporta, conhece Maria da Hortaliça, uma quitandeira nas praças da capital de Portugal, saloia rechonchuda e bonitinha. Ele viu-a quando ela estava encostada na borda do barco e, ao passar, de modo supostamente distraído, pisou-a fortemente no pé direito. Maria, como se já estivesse à espera daquilo, sorriu e respondeu com um grande beliscão nas costas da mão esquerda. Os dois tornam-se amantes; quando desembarcam, ela começa a sentir enjoos e vão morar juntos. Sete meses depois, nasce o herói do romance, um bebé comprido (de quase três palmos de comprimento), gordo e vermelho, com muito cabelo e chorão. Mal nasce, mama durante duas seguidas, sem largar os seios maternos.

    A festa de batismo é de arromba: a madrinha é a parteira e o padrinho um barbeiro. Este leva uma rabeca e todos dançam o fado e o minueto. A festa vai aumentando de intensidade e transforma-se numa grande gritaria e algazarra, que só termina quando se apercebem da presença próxima do Vidigal. A última a sair é a madrinha, que, antes de se retirar, coloca um pequeno ramo de arruda no bebé.

    Nota-se, no relato, uma grande rapidez na apresentação dos factos e motivos; cómico dos factos e da linguagem, ironia e gradação do discurso.

Análise do poema "O Portugal Futuro", de Ruy Belo


O cometa de 2022


Lido Contemori

 

domingo, 9 de julho de 2023

Resumo do capítulo II de Memórias de um Sargento de Milícias


    Neste capítulo, temos uma narração rápida dos factos: a descrição do “menino”; a traição de Maria e o desfecho da situação. A infância da criança caracteriza-se por aspetos que já o marcavam ao nascer: é traquina, guloso e colérico. Após a fuga da mãe, o “menino” fica a cargo do padrinho.

    A narrativa dá um salto no tempo e vamos encontrar a criança já com sete anos, não sem que o narrador apresente alguns traços seus: o choro enquanto bebé; a traquinice; o gosto de comer; a teimosia. A mãe castiga-o batendo-lhe, o que lhe deixa marcas no corpo.

    Enquanto isso, a relação dos pais vive momentos conturbados: o pai suspeita que a companheira o trai, visto que já vira várias vezes um sargento a esgueirar-se e a olhar pela janela da sua casa. Além disso, desconfia de um colega que o procura constantemente, bem como de um capitão de um navio de Lisboa, que já encontrara diversas vezes junto da sua residência e, um dia, surpreende, ao entrar em casa, a fugir por uma janela.

    Confirmadas as suas suspeitas, Leonardo Pataca agride a mulher, numa cena que é observada pelo filho de ambos, que, com o maior sangue frio, enquanto rasga os autos que o pai havia deixado cair quando entrara em casa, assiste à sova que a mãe sofre. No momento em que Pataca começa a acalmar-se, repara que o filho lhe tinha rasgado a documentação, por isso enfurece-se de novo: levanta-o pelas orelhas, fazendo-o dar meia volta; em seguida, dá-lhe um pontapé, dizendo que a criança é filha de uma pisadela e de um beliscão, atirando-a a quatro braços de distância. O menino foge para a loja do padrinho, que já tinha conhecimento da verdade, dado que, como era comum na sociedade da época, tinha o hábito de espionar a vida alheia, por isso conhecia todas as visitas da comadre.

    O barbeiro desloca-se a casa do compadre Leonardo e questiona-o se tinha perdido o juízo, ao que o segundo responde que perdera a honra. Maria surge em cena e, sentindo-se protegida pela presença da comadre, o que desperta novo momento de fúria de Pataca, que a volta a agredir. De seguida, junta os papéis rasgados, a bengala e o chapéu e saiu batendo com a porta. É de manhã.

    De tarde, quando regressa a casa, disposto a fazer as pazes com Maria, fica a saber que ela tinha fugido entretanto com o capitão do navio de Lisboa. Leonardo sai sem dizer nada e o filho fica entregue ao compadre barbeiro.

Introdução a Memórias de um Sargento de Milícias


    Memórias de um Sargento de Milícias foi a única obra de Manuel António de Almeida (1831-1861) e não foi inicialmente bem recebida, porque o autor usou um discurso crítico e irónico e é dotada de um grande realismo.

    Escrita quando o autor tinha apenas 21 anos, começou por ser publicada em folhetins anónimos de um suplemento do jornal “Correio Mercantil”, intitulado “A Pacotilha” (onde trabalhava como revisor e redator), tal como aconteceu com as Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett. A publicação em folhetins era uma técnica comum no Romantismo e implicava estratégias diferentes para manter a atenção do leitor. Mais tarde, foi publicada em dois volumes assinados por “Um brasileiro”, nos anos de 1854 e 1855, um pseudónimo que servia para manter o anonimato do autor e tornar claro que o autor do livro não era um estrangeiro. Neste ponto, convém ter presente que era comum a publicação de traduções em suplementos literários.

    Memórias é um romance urbano que descreve o ambiente da cidade, os costumes, etc. O livro centra-se numa camada social relativamente baixa; sobe mais com D. Maria e desce com os ciganos. Descreve o modo como viviam, como ganhavam dinheiro e como adquiriram riqueza, tudo isto em tom irónico.

    Descreve uma sociedade mais próxima do seu tempo que Alencar em Iracema. No fundo, descreve a sociedade em que vivia, o que talvez justifique a sua fraca aceitação. A intenção de Alencar era a procura de um passado místico, onde radicasse a origem da nacionalidade do Brasil. Manuel António de Almeida tem como intenção descrever, de modo crítico e irónico, a sociedade que o rodeia.

    A trama principal do romance gira em torno da vida de um típico malandro do Rio de Janeiro, mas, na verdade, constitui a versão do autor das lembranças autobiográficas que lhe contara António César Ramos, um velho companheiro de redação, ambientadas no período joanino (1808-1822). O protagonista chama-se Leonardo, um menino endiabrado e jovem malandro amado por uns e odiado por outros.

Classificação de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


    Como foi referido a propósito do título, a obra apresenta características de uma fábula (os animais falam e agem como seres humanos, representando cada um deles uma determinada característica humana, e o texto aponta para uma moralidade), chegando o próprio Jorge Amado a classifica-la como tal. Todavia, o caráter didático e pedagógico da narrativa não é muito evidente; por outro lado, os animais não são exatamente os “clássicos” animais das fábulas tradicionais, nem os seus defeitos e virtudes os tradicionais desta tipologia: aqui não há lobos maus nem raposas matreiras e astutas, por exemplo. Ou seja, os bichos não preenchem os “tipos” das fábulas tradicionais. É verdade que a Velha Coruja simboliza a sabedoria trazida pela experiência, porém o Sapo Cururu é um sábio e erudito que se evidencia pelos seus conhecimentos, bem como pela vaidade que ostenta por causa disso; o Papagaio é um fariseu religioso; a Vaca Mocha salienta-se pela bisbilhotice e má língua, etc.

    A obra contém também traços de um romance breve (a introdução, a divisão em capítulos, a existência de ação e personagens), bem como de um conto e até laivos poéticos. A fórmula introdutória (“Era uma vez, antigamente”) é típica do conto tradicional popular, todavia a estrutura da história do Gato e da Andorinha não tem nada de tradicional. A apresentação de um “capítulo inicial atrasado e fora do lugar”, os vários parênteses introduzidos e o modo como o narrador se dirige ao leitor são elementos que fogem aos padrões da narratologia e que tornam o texto algo revolucionário para a época em que foi escrito. O próprio autor esclarece isto, afirmando que, nos tempos modernos, se usam técnicas narrativas diferentes daquelas a que os leitores estavam habituados.

Moral de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

    A moral da história poderia resumir-se do seguinte modo: é necessário combater a intolerância e os preconceitos sociais.

    A partir de uma narrativa sobre o relacionamento contrariado de dois animais de espécies diferentes – um gato e uma andorinha –, tidos por inimigos por natureza, o autor foca as questões da discriminação étnica, da não aceitação das diferenças (nomeadamente em meios pequenos, como é o caso do parque), dos preconceitos sociais, do julgamento dos outros pelas aparências, das convenções sociais (por exemplo, o papel dos pais e da comunidade e a forma como interferem nas escolhas das personagens).

Ideologia de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


  
1. Não se deve avaliar as pessoas pela sua aparência: o Gato era temido por todos e acusado de várias maldades, porque todos consideravam que tinha olhos maldosos. Por outro lado, é a imagem do Gato que a Andorinha tinha dele (“feio”, “feiíssimo”, “tolo”, “convencido”) que a leva a querer conhecê-lo melhor e a falar com ele. A importância da aparência física e de ser aceite ressaltam noutro passo: a Goiabeira faz uma cirurgia plástica para ficar mais bela e ser aceite pelos outros, nomeadamente pelo Gato. Todavia, o resultado não foi o que esperava, pois, desde esse dia, o Gato nunca mais olhou para ela (vide ponto X. 7).

 
2. Os preconceitos são a causa de muitos conflitos e sofrimento. À partida, poder-se-ia pensar que a relação amorosa entre o Gato e a Andorinha seria impossível porque as leis da natureza não permitem que duas espécies inimigas e distintas acasalem. Todavia, a citação dos versos de Estêvão da Escuna permite imaginar um mundo onde é possível o casamento entre um gato maltês e uma andorinha, um mundo sem discriminação e onde o amor e a felicidade são o mais importante. No entanto, o verso “Saindo os dois a voar” coloca o leitor perante uma situação que rompe com o conhecimento do mundo e que não é explicada: como é que o Gato aprendeu a voar? Foi a força do amor? Foi uma forma de se adaptar à espécie a que pertence a amada? Ora, este dado evidencia a dificuldade com que o relacionamento entre o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá seria visto e criticado no parque.

      Os preconceitos relativos ao Gato, baseados no seu comportamento, no seu temperamento mal-humorado, nos seus hábitos solitários, na forma como se dirige e trata os outros animais, nunca diminuem, nem mesmo quando ele os salva da Cobra Cascavel. De facto, em vez de reconhecerem e agradecerem o seu ato heroico, todos, à exceção da Andorinha, procuram denegri-lo ainda mais: para uma parte, a expulsão do réptil não passa de “exibicionismo primário”; para outros, é o reflexo da sua suposta doença incurável. O parque é um local pequeno e a postura dos seus habitantes mostram quão difícil é combater e eliminar o preconceito, sobretudo em pequenas comunidades, em que todos se conhecem. A única forma de combater esta situação passa por uma reforma social que abranja todos os planos: social, religioso, político, cultural, educacional. Não obstante, convém não esquecer que entre o Gato e a Andorinha existem, de facto, diferenças assinaláveis, como, por exemplo, o facto de um voar e o outro não, ou de as aves dormirem em ninhos e não no chão, em pedaços de veludo.

 
3. As pessoas têm de aceitar as diferenças e ser mais tolerantes com os outros. As diferenças entre os dois animais são diversas, bem como os obstáculos ao seu amor: a pertença a espécies diferentes (este elemento corresponde às diferenças étnicas entre os seres humanos); a idade (o Gato é muito mais velho que a Andorinha, ainda uma adolescente); a religiosidade (ela é aluna da catequese do Papagaio, ele não tem “lei nem Deus”); o estatuto social (o Gato é pobre, ela é de uma classe mais alta); a experiência amorosa (o Gato é a primeira paixão da Andorinha, enquanto ele é conhecido pelas suas várias aventuras amorosas, tendo na sua juventude partido o coração de muitas gatas, de uma coelha e de uma raposa inclusive); a personalidade e o caráter (Sinhá mantém uma boa relação com todos os habitantes do parque; Malhado é temido pelos outros animais e tido como malvado, egoísta, ladrão e assassino, mesmo que não haja provas que comprovem estes dois últimos traços, além da sua feiura e malvadez).

      Um exemplo claro de não aceitação das diferenças encontra-se no “Parêntesis das Murmurações”: “pombo com pomba, pato com pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato com gata”. Todos os pares de machos e fêmeas pertencem à mesma espécie, exceto quando toca aos pássaros. Neste caso, não se foca a espécie, mas a família, o que significa que existe uma duplicidade na interpretação das diferenças. O casamento da Andorinha Sinhá é bem visto e aceite, mesmo que os noivos não pertençam à mesma espécie, mas apenas ao mesmo subgrupo. O pai de Sinhá apresenta vários argumentos a favor do futuro genro, todos de caráter superficial (aspeto físico: é belo; educação: é gentil; idade: é jovem; profissão: canta bem; origem étnica: é de “raça volátil”), enquanto a mãe apenas se preocupa em a casar para não enfrentar o “mau comportamento” da filha. Ou seja, nenhum dos progenitores se preocupa com os sentimentos e a felicidade da filha.

 
4. As relações amorosas deveriam basear-se no amor e não ser “definidas” em função da idade, de tradições, do estatuto social ou de casamentos arranjados. A existência de muitas diferenças entre dois seres que se apaixonam pode querer dizer que o amor supera todas as barreiras e subverte, pelo menos temporariamente, aquilo que se espera que aconteça e procura anular os preconceitos. Tudo isto aponta para a necessidade de as pessoas serem tolerantes com as diferenças, respeitem os afetos e formas diversos de viver a sexualidade e combater qualquer tipo de discriminação.

 
5. As convenções sociais e diversas tradições condicionam as decisões: de acordo com a lei, a Andorinha nunca poderia casar com um animal que não fosse da sua espécie e isso tornou-a infeliz e levou ao seu casamento com o Rouxinol, que ela não amava.

 
6. Nem todas as histórias de amor têm um final feliz. O amor é o tema central da obra e são vários os relacionamentos amorosos nela focados. Um deles é protagonizado pelo Vento e pela Manhã. Ele declara-lhe o seu amor e ela faz um cálculo em torno de um possível casamento entre ambos, apontando como vantagens a oportunidade de viajar pelo mundo e de ser ajudada na realização de algumas tarefas quotidianas. No entanto, o facto de o Vento gostar de levantar as saias das mulheres e de ser uma figura instável, cheia de defeitos e aventuras vividas, levam-na a repudiar a ideia. Estamos, pois, perante não um caso de amor correspondido, mas de sentimentos amorosos não correspondidos por incompatibilidade de personalidades e de interesses.

      Por seu lado, a declaração de amor que o Gato faz à Andorinha indicia, desde logo, a impossibilidade do amor entre amos: “se eu não fosse um gato”. Por seu turno, Sinhá poderia responder com outra condicional, do género “se eu não fosse andorinha, casava-me contigo”. No entanto, a Andorinha nem sequer tem a coragem de contar aos pais que o ama. Por outro lado, nenhum dos dois defende esse amor e deixam que os seus próprios medos os separem, muito mais do que os preconceitos sociais, a intolerância dos outros ou as leis da natureza. À medida que o tempo passa e a relação entre ambos se torna cada vez mais impossível, a história adquire tons mais sérios e tristes, os protagonistas afastam-se, até o seu destino infeliz ficar selado com a pétala de uma rosa, que antes parece uma ferida a sangrar e uma lágrima.

 
7. O amor: todos os relacionamentos amorosos (dos pombos, dos patos, do galo, dos pais de Sinhá), além de maioritariamente serem protagonizados por pássaros, portanto por seres da mesma espécie, são superficiais, estando ausentes sentimentos fortes e sinceros. Chegam mesmo a estar associados ao adultério e à traição. Todavia, nada disto impede que os habitantes do parque julguem, critiquem e condenem o único par que se mostra verdadeiramente apaixonado: o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. A paixão da Goiabeira pelo Gato é a mais incomum de todas. Diariamente, o bicho ia coçar-se na árvore, que se apaixonou por ele. Querendo ficar mais bela, consultou um cirurgião plástico, que lhe retirou todas as irregularidades do tronco. A partir desse dia, o Gato deixou de olhar para ela, pois não gostava de estar na sua presença, dado que o que o atraía nela eram precisamente as suas curvas e rugas. Esta passagem da obra simboliza a capacidade de as pessoas se aceitarem como são: se um indivíduo não gosta de si, os outros não o respeitarão e não lhe darão o seu amor.

      O assunto central da obra é, porém, o amor contrariado e impossível entre dois animais perfeitamente diferentes: um gato e uma andorinha. Por um lado, este relacionamento levanta questões muito importantes: a (im)possibilidade de ultrapassar as diferenças, a aceitação do outro e de si mesmo, a (im)possibilidade de superar os preconceitos, o modo como os protagonistas deveriam defender os seus sentimentos. Por outro, permite refletir sobre o futuro da relação a longo prazo, caso ela fosse possível, tendo em conta as muitas diferenças existentes entre ambos, desde o meio social até à personalidade. Como sucede em muitas relações, é possível que, após a primeira fase da paixão, as suas diferenças fossem gradualmente ganhando preponderância e afetando o casal, bem como a possibilidade de os outros animais do parque não os aceitarem. Neste contexto e como recorda a Velha Coruja, a lei das andorinhas que existe “desde que o mundo é mundo” e que estipula que é proibido as andorinhas casarem com gatos, visto que aquelas fazem parte da cadeia alimentar dos felinos, vem acentuar a dúvida acerca da duração da relação a longo prazo. Em “Parêntesis das murmurações”, a Cadela acrescenta outro pormaior: visto que nunca houve um relacionamento como aquele, ela comenta que “o Gato é ruim, só quer almoçar a pobre Andorinha”. Além de perigosa, a relação seria também imoral e feia, apenas e só porque o Gato era mau, criminoso, etc. O que mais se ouve da parte dos habitantes do parque é “onde já se viu?”, expressão que é repetida diversas vezes.

 
8. Jorge Amado visa também alguns estereótipos literários. Por exemplo, a relação tem início na primavera, quando a natureza renasce, as flores brotam e tudo parece propício ao amor, tópico que encontramos logo nas cantigas de amigo. Mais à frente, o narrador afirmará que o amor também pode acontecer no inverno, dependendo do que vai no coração de cada pessoa. A ideia de conhecer melhor o Gato Malhado por parte da Andorinha começa como uma brincadeira de adolescente, quando se escondia e lhe atirava gravetos, o que remete para um preconceito muito comum, o de que os amores adolescentes não são para levar a sério e não são profundos. Para desmentir esse estereótipo, Jorge Amado refere que a Andorinha deixou de fazer esse joguinho quando tomou consciência de que poderia magoar os sentimentos do Gato. Outro estereótipo tem a ver com a noção de que o amor transforma as pessoas, tornando-as melhores, o que, de facto, aconteceu com o Gato. Depois de se apaixonar, deixou de agredir outros animais, mostrou que era capaz de sentimentos e ações nobres e tornou-se mais sociável.

 

Representação do discurso em O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

  
Narração: sucessão de ações que são narradas no pretérito perfeito e que constituem momentos de avanço da ação: “… o Gato levantou-se, estirou os braços e as pernas, eriçou o dorso para melhor captar o calor…”.

 
Descrição: são momentos de pausa, usados para descrever personagens, espaços, ambientes, etc., usando a adjetivação, o pretérito imperfeito, as sensações e diversos recursos expressivos.

 
Diálogo: representação do discurso das personagens de forma direta.

 

O narrador de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

    O narrador desta história conta o que ouviu do Sapo Cururu, que a escutara do vento quando este a contou à Manhã e que, por sua vez, a narrou a Tempo para, assim, receber a rosa azul.
    Face ao exposto, é lícito concluir que a narração se associa à transmissão oral de histórias de geração em geração (como sucede, por exemplo, com os contos tradicionais).
    Por outro lado, o narrador é heterodiegético, visto que não é uma personagem da história narrada, pelo que a narração é feita na terceira pessoa.
    Além disso, estamos perante um narrador subjetivo, pois vai introduzindo apartes, para dar informações ou fazer comentários ao longo da narrativa e usa a primeira pessoa para exprimir o seu ponto de vista.
    Por último, é um narrador que inova quando altera a estrutura da obra: o capítulo inicial é introduzido fora do lugar.
    Quanto ao ponto de vista, estamos perante uma narrativa em que predomina a focalização externa, dado que não é personagem da história narrada, antes exterior aos acontecimentos, narrando apenas aquilo que os sentidos lhe transmitem.

sábado, 8 de julho de 2023

Espaço psicológico em O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

    O espaço psicológico refere-se à memória dos dias felizes vividos pelo Gato e pela Andorinha e dos espaços em que conviveram. De facto, o felino vive uma experiência que abre caminho para a recordação de uma paixão romântica e idealizada, mas também muito sofrida, experiência essa que o muda e faz crescer.

Espaço social em O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

 
Os animais que vivem no parque têm estatutos sociais diferentes: o Gato é uma espécie de vagabundo, enquanto a Andorinha é criada com luxo e até tem aulas de canto.

 
O Gato é discriminado e alvo de preconceito por parte dos outros animais até pela sua aparência.

 
A Andorinha pertence a uma classe distinta, superior aos demais, e é muito protegida.

 
O romance entre o Gato e a Andorinha é impossível, desde logo pelas diferenças sociais entre ambos, isto é, porque pertencem a estratos diferentes.

 
As relações sociais no parque seguem regras muito rígidas. Por exemplo, os animais só poderiam relacionar-se com alguém da mesma espécie: “Tem uma lei, uma velha lei, pombo com pombo, pato com pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato com gata.”

 
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