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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Análise da cantiga "Abadessa, oí dizer", de Afonso Anes de Cotom

    Esta cantiga de escárnio e maldizer de mestria, da autoria de Afonso Anes de Cotom, é constituída por quatro sétimas, num total de 28 versos de rima emparelhada e interpolada, segundo o esquema rimático ABBACCA, e octossílabos. Nela, encontramos outra sátira dirigida a uma abadessa não identificada.
    Assim, o sujeito poético apresenta-se como recém-casado e órfão [“ogano [há pouco tempo] casei” – v. 5; “nem padre nem madre nom hei.” – v. 13) e dirige-se à abadessa, solicitando-lhe que lhe ensine as técnicas do amor / sexo, pois tinha ouvido dizer que ela era muito conhecedora dessa arte: “Abadessa, oí dizer / que érades mui sabedor / de tod’o bem; e, por amor / de Deus, querede-vos doer / de mim, que ogano casei, / que bem vos juro que nom sei / mais que um asno de foder.” Na última, tanta é a experiência e o conhecimento da abadessa na matéria que o trovador alvitra que as mulheres inexperientes poderiam também recorrer às aulas da religiosa: “e per ensinar a molher / coitada, que a vós veer, / senhor, que nom souber ambrar” (vv. 26 a 28). A expressão “de tod’o bem” indicia o vasto conhecimento da abadessa acerca das práticas sexuais.
    A segunda estrofe repete o conteúdo da primeira: o sujeito lírico ouvir falar acerca das habilidades e da experiência da mulher (“Ca me fazem en sabedor / de vós que havedes bom sem / de foder e de tod’o bem”), por isso faz-lhe um pedido intrigante: “ensinade-me mais, senhor, / como foda, ca o nom sei” (vv. 11-12). Estas palavras parecem insinuar que o trovador já teria tido algum tipo de experiência sexual com a abadessa. Além disso, coloca-se numa posição de inferioridade, pois argumenta que não teve pai nem mãe que o ensinassem, daí a sua falta de conhecimento. Note-se o recurso à expressão “fic’i pastor”, conferindo um tom dramático e, simultaneamente, irónico ao verso, ao afirmar que “fica por aí como um garoto inexperiente”.
    Na terceira cobla, o sujeito poético faz uma proposta à mulher: se aprender com ela o “mester [a arte] de foder” (o calão cru é um traço da linguagem da cantiga), toda a vez que fizer sexo, lembrar-se-á da abadessa e rezará um Pai Nosso por ela: “cada que per foder direi / Pater Noster e enmentarei / a alma [e rezarei pela alma] de quem m’ensinou.” Atente-se na presença da oração subordinada adverbial condicional, que introduz a condição fundamental: as lições da abadessa. Dito de outra forma, o «eu» pede-lhe que lhe ensine o que há de fazer à recente esposa, pois é muito experiente nas artes do sexo, por oposição à sua inexperiência na matéria (antítese experiência / inexperiência). De cada vez que o fizer, ele rezará um Pai Nosso pela abadessa e, desse modo, poderá ganhar “o reino de Deus”, como afirma, sarcasticamente, na derradeira cobla: “E per si podedes gaar, / mia senhor, o reino de Deus, / per ensinar os pobres seus” – vv. 22 a 24).
    O tom de escárnio acentua-se quando afirma que não são os jejuns que a farão ganhar o reino dos céus, mas, sim, a boa ação de “ensinar os pobres seus” (v. 24). Observe-se o uso irónico do determinante indefinido «outro» na expressão “outro jajuar”, que se refere indiretamente ao jejum sexual, isto é, ela ganhará o reino dos céus mais por ensinar-lhe a arte do sexo do que pelo jejum (ou abstinência) sexual. O trovador vai mais longe quando sugere que as próprias mulheres inexperientes deveriam procurar a abadessa e beneficiar dos seus ensinamentos, conhecimento e experiência.
    Em suma, o trovador satiriza a abadessa, que deveria obedecer ao voto de celibato, por, pelo contrário, ser experiente na arte do sexo (certamente por o praticar insistentemente), de tal como que seria capaz não só de ensinar, mas de ganhar a recompensa espiritual máxima (o reino de Deus) pela qualidade dos seus ensinamentos. A religiosa, em tese, não deveria ser versada na arte do sexo, todavia, a realidade da época era bem diferente. É verdade que a vida no interior dos mosteiros, conventos e beatérios nem sempre respeitava os princípios cristãos, as regras da Ordem ou os votos formulados quando os religiosos professavam. Quer a literatura, que as fontes históricas veiculam diversos exemplos de monjas que não levaram uma vida indecorosa, que mantiveram relações sexuais com homens, incluindo clérigos, ou chegaram a ser mães. Foi o caso, por exemplo, da abadessa do monastério burgalês de Las Huelgas nos finais do século XIII, cujo filho, Dom Juan Nunez, foi mestre da Ordem de Calatrava.
    Religiosos, fossem homens ou mulheres, faziam sexo, embora não se saibam as proporções que o comportamento sexual assumiu entre os membros do clero. Seja como for, foi em número suficiente para levar à existência de sátiras como a presente, o que não significa que a cantiga visasse uma abadessa específica.
    Relativamente ao sujeito poético, ao longo da cantiga encontramos expressões que caracterizam, ironicamente, a sua inabilidade no ofício do amor / sexo: “ogano casei” (v. 5); “asno de foder” (v. 7); “fiqu’i pastor” (v. 14).
    Por outro lado, a cantiga evidencia a mistura entre o sagrado e o profano. O primeiro é marcado pela referência a orações (“Pater Noster” – v. 20), ao culto (“reino de Deus” -v. 23; “amor de Deus” – vv. 4-5),ao rito (“jajuar” – v. 25), enquanto o segundo é traduzido pelo ato sexual (“foder” – vv. 7, 10, 17 e 19; “ambrar” – v. 28).
    Além disso, a cantiga representa a ação sexual como acesso ao domínio de um conteúdo, de uma prática, de um método, sendo esse conhecimento atingido através de outrem, no caso, de uma abadessa. Logo, mapeiam-se, no domínio-alvo (ação sexual), saberes relativos ao domínio-fonte (conhecimento), de tal modo que são mapeados, especificamente, saberes sobre o que se aprende empiricamente, descartando os conhecimentos, por exemplo, que se adquirem através dos livros, daí que ocorra, igualmente, nesta cantiga, uma metonímia do tipo parte pelo todo, bem como outra todo pela parte (“mui sabedor de tod’o bem”).

Análise da cantiga "Vós, que por Pero Tinhoso preguntades, se queredes", de Pero Viviães

    Esta cantiga de escárnio e maldizer, da autoria de Pero Viviães, é constituída por três sextilhas (um terceto mais um refrão de três versos), de rima emparelhada (AAARRR) e versos de 15 sílabas métricas (segundo a perspetiva de Rodrigues Lapa; no entanto, a disposição dos cancioneiros é de versos de 7 sílabas métricas).
    De forma genérica, podemos considerar que o sujeito poético se dirige a um TU plural (“Vós”) que deseja saber o paradeiro de Pero Tinhoso. No que diz respeito ao tema, estamos na presença do retrato de um homossexual que é portador de doenças venéreas.
    Assim sendo, podemos desde já ter presente que o alvo d sátira é um indivíduo de nome Pero Tinhoso, sobre o qual não se dispõe de dados que o permitam identificar. Deste modo, “Tinhoso” poderá constituir uma alcunha, embora tenhamos de ter em cinta que o termo aparece duas vezes nos Nobiliários, uma delas em Fernão Pires Tinhoso, tio de Lopo Galo, vassalo dos Briteiros, aparecendo igualmente um Lopo Tinhoso na documentação do mosteiro galego de Toxos Outos, em Santiago de Compostela. Enquanto adjetivo, o vocábulo designa alguém que tem tinha, que é repelente ou nojento, ao passo que, como nome, se refere àquele que sofre de tinha. Assim, se considerarmos que se trata de uma alcunha, é evidente que estamos na presença de um jogo de palavras destinado a satirizar a homossexualidade da pessoa e as doenças venéreas contraídas por essa prática sexual (indiscriminada?). Dito de outra forma, apalavra carrega um tom pejorativo, remetendo para alguém doente, debilitado ou desprezível.
    Passando a uma análise mais pormenorizada da cantiga, o sujeito poético dirige-se, repetimos, a uma terceira pessoa (plural) que o teria questionado querendo saber notícias de Pero Tinhoso. No entanto, o «eu» desconhece «novas», contudo oferece três sinais que mais ninguém conhece, através dos quais se pode (re)conhecê-lo: “traz o toutiço [topo, cabeça] nu”, tem “câncer no pisso” (pénis) e “alvaraz [tumor] no cuu”. Através do recurso ao calão, o sujeito poético ataca a aparência física do alvo da sátira: (uma possível) calvície, cancro do órgão genital e uma úlcera ou ferida no ânus, certamente resultado da prática da homossexualidade. Assim, por meio do calão, da ironia e do sarcasmo, o alvo é satirizado de forma cruel e vulgar.
    Os três primeiros versos de todas as estrofes constituem um «continuum» e são seguidos por um refrão que denuncia as características pelas quais aqueles que procuram por Pero Tinhoso podem encontra-lo: ele possui uma série de doenças venéreas, certamente causadas por práticas homossexuais, do tipo passivo, e que o expõem à vergonha.
    O verso inicial da segunda estrofe liga-se à primeira, confirmando o tal «continuum», através nomeadamente do advérbio de tempo «Já», da forma verbal no pretérito perfeito «preguntastes» e da expressão «noutro dia», que dá a noção de continuidade no discurso: ele já tinha sido questionado nessa altura (vaga e imprecisa, pois não se especifica exatamente a data em que ocorreu) acerca de Pero Tinhoso, porém, nesse momento, não sabia as informações perdidas (“e entom non’as sabia” – v. 8), ao contrário do que sucede agora: “mais por estes três sinaes quem quer o conhosceria”. E repete-se o refrão.
    A última estrofe abre com uma anáfora (com o verso inicial da primeira: “Vós” / “Vós”). O recurso à perifrástica “andades preguntando” indicia que o «vós» tem insistido nas questões sobre Pedro Tinhoso, querendo saber novas dele, insistência essa que sugere que há algo nele peculiar, que desperta interesse, curiosidade. De novo, o sujeito poético elenca três sinais (ou características) que o identificam. No entanto, esses sinais não são imediatamente óbvios, pois exigem ser procurados minuciosamente, como o denuncia o gerúndio «catando». E compreende-se esta ironia, pois as doenças venéreas no pénis e no ânus não são visíveis de imediato; é necessário que a pessoa fique nua e seja olhada com atenção para serem percebidos. Além disso, a forma verbal implica uma observação detalhada, cuidada e paciente, bem como uma busca persistente. Por exemplo, a doença no ânus não é visível a olho nu, necessita até do toque físico para ser desvendada. Por último, o sufixo -ando indica uma ação prolongada, o que confirma que a descoberta dos tais sinais não é imediata, ocorre ao longo de um processo de observação.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Análise da cantiga "Ai Justiça, mal fazedes, que nom", de João Airas de Santiago

    Esta cantiga, da autoria de João Airas de Santiago, é constituída por três sétimas e uma finda de dois versos (dístico), com rima interpolada e emparelhada, segundo o esquema rimático ABBACCA, em versos decassílabos.
    O trovador expressa a sua queixa perante a Justiça, que não quer aplicar a sentença que estabelece o Livro de León a uma dama galega chamada Mor da Cana, eventualmente irmã do trovador Paio da Cana, que lhe queria bem, mas, assim que o teve em seu poder, o matou de amores sem razão: “Ai Justiça, mal fazes, que nom / queredes ora dereito filhar / de Mor da Cana, porque foi matar / Joan’ Airas, ca fez mui sem razom” (vv. 1-4). As leis antigas de Leão estabeleciam que o assassino era enterrado por baixo da sua vítima, daí que o trovador, em nome do “Livro de Leon”, exija que coloquem debaixo de si Dona Mor da Cana, visto que esta o matara de amores. O caráter malicioso da cantiga fica estabelecido a partir daqui: “mais se dereito queredes fazer, [se a Justiça quiser agir corretamente] / ela sô ele devedes a meter [deveis metê-la debaixo dele] / ca o manda o Livro de Leon”.” [pois o manda o Livro de Leon]. De acordo com o sítio cantigas.fcsh.unl.pt, este texto será, provavelmente, o Fuero de León, a mais antiga compilação de leis da Península Ibérica, promulgado em 1017 pelo rei de Leão, Afonso V. Todavia, segundo Eugénio López-Aydillo, dado que a referida pena não se encontra nessa compilação, mas apenas no chamado Fuero de Cuenca, poderemos estar perante um lapso do trovador. Acrescente-se, no entanto, que D. Carolina Michäelis de Vasconcelos refere que, do foral da Lourinhã, consta a pena de enterrar o assassino debaixo do cadáver.
    Deste modo, tendo em conta a primeira estrofe, podemos já afirmar que esta cantiga constitui uma paródia ou amor cortês, nomeadamente ao tópico da morte de amor. Por outro lado, estamos perante o recurso à despersonalização, justificada pela alegada morte do trovador, de quem só uma terceira pessoa poderia assim falar, ou seja, a despersonalização consiste no facto de o poeta falar de si próprio através da voz de um terceiro. Além disso, temos de ter em conta que este recurso está no centro de diversas cantigas de amigo, nas quais diversas vezes a voz feminina que se ouve no texto é, de facto, u mero recurso para a expressão de sentimentos pessoais e até dados biográficos do próprio trovador.
    A segunda estrofe reforça a ideia de que a mulher foi matar o sujeito poético precisamente quando ele mais lhe queria: “e quando lh’el queria mui melhor, / foi-o ela logo matar ali” (vv. 10-11). Por isso, roga que seja observada justiça, aplicando à figura feminina a antiga pena de a sepultar, enquanto “assassina”, debaixo dele, “pois tam gram torto fez” – “metede-a já sô el ua vez, / ca o manda o dereito assi”.
    A terceira estrofe reforça, ainda mais, a mensagem das duas anteriores: quando o trovador acreditava que “houvesse de Mor da Cana bem”, foi “assassinado” por ela, exatamente no momento em que se tornou seu vassalo e a começou a servir: “foi-o ela logo matar por en, / tanto que el em seu poder entrou”. É a sátira clara ao amor cortês, aos tópicos da vassalagem amorosa e da morte de amor. Nos versos finais desta cobla, reitera, novamente, o pedido para que seja feita justiça, “sepultando-a” por baixo dele, fazendo-a, assim, padecer: “metam-na sô el, e padecerá / a que oi a mui gram torto matou”.
    A finda que encerra a composição poética prossegue o tom humorístico e malicioso introduzido a partir do verso 6: quem os vir deitados (“E quen’os ambos vir jazer”), abençoará o “juiz” que “julgou” o caso e determinou a sentença: “Beeito seja aquel que o julgou!” (v. 23). Note-se que este derradeiro verso poderá constituir uma referência equívoca a D. Beito, o símbolo do marido enganado, que é visado em três cantigas de João Airas de Santiago.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Análise da cantiga "Orraca López vi doente um dia", de Afonso Anes do Cotom

    Nesta cantiga, a velhice é concetualizada como doença. O trovador começa por dizer que viu Orraca López doente e, logo de seguida, a própria revela a sua doença: a velhice.
    Ao vê-la doente, o trovador pergunta se ela guareceria (se curaria) e a mulher responde em tom de brincadeira (jograria) que é velha e cuida (pensa) em se cuidar. Como resposta, ele diz que ela pensa grande folia (loucura), pois disso (da velhice) mais vê ele as velhas morrerem.
    Note-se que, na época, os conhecimentos de medicina eram muito limitados. Por exemplo, nos locais afastados das cidades, as doenças eram tratadas por curandeiros e ervas medicinais. Nos meios urbanos, muitos médicos eram judeus, ao passo que, no ambiente rural, persistiam aquelas figuras a quem era atribuída uma competência tradicional e das quais se dizia possuírem duas especiais: velhas, que usavam ervas, e parteiras, que tinham ganho experiência com a prática. Assim, é evidente que a prática da medicina era escassa, sendo algumas doenças encaradas como um castigo divino, o que era agravado pela ocorrência de doenças até então desconhecidas e de pestes que dizimavam a população. Em muitas cidades, os doentes eram colocados em lugares afastados das restantes pessoas para evitar contágios e mais mortes. A lepra é, ao longo dos séculos, um bom exemplo desta prática. Nos Congrés d’Arras, dois trovadores leprosos descrevem o momento em que se despediram dos amigos antes de partirem para a leprosaria.
    Até ao final da Idade Média, a velhice está associada a uma imagem negativa. A mulher velha, só e pobre, situa-se no ponto mais baixo da escala social e é frequentemente equiparada às forças do Mal.
    Esta cantiga assenta no jogo pergunta-resposta, para lhe imprimir vivacidade, assenta na contradição da deixa, da própria figura feminina, “sõo velha e cuid’a guarecer”.
    Note-se que a velhice, no caso dos homens, assume outros contornos, sendo associada à sabedoria e à experiência, à conservação da memória dos ancestrais, obtendo valor social como conselheiros das gerações mais novas. Por seu turno, a mulher velha, se prudente e virtuosa, poderia servir de exemplo às outras, além de ensinar e corrigir as mais jovens. Por outro lado, muitas velhas consideradas anciãs viviam uma vida pecaminosa, isto é, gostavam de tagarelar, escondiam o corpo deformado e amolecido pela idade / velhice com roupas e cosméticos, buscavam com enganos os prazeres da carne a que deveriam ter renunciado há muito. A esta figura da velha arrebicada e pintada, sobrepõe-se a da mulher alcoviteira que se insinua nas casas alheias como mensageira insidiosa, junto das mulheres, das lisonjas dos amantes, e da “vetula” feiticeira que engana por dinheiro, através de adivinhações e sortilégios, mulheres simples que a consultavam.

Conclusões sobre O Cortiço: Conteúdo

    1. Reação dos habitantes do cortiço para com Leonie e depois para com Pombinha mostra a ingenuidade estúpida e cínica de quem adora algo nefasto.

    2. É um romance de tese: como influem as circunstâncias, o ambiente e os acontecimentos na modificação do caráter. Existe entre estes aspetos e as personagens uma relação de causa-efeito. Tanto o comportamento humano como as relações sociais se sujeitam à mesma inevitabilidade científica de causa-efeito.

    3. Evolução cíclica, ideia que fica não só em relação ao espaço (cortiço), mas também em relação às personagens.

    4. O romance visa a análise do elemento negro na sociedade do Brasil. O olhar romântico do negro ficara para trás; agora há um novo olhar: o negro já não se revolta; aceita e submete-se (ex.: Rita, Bertoleza). Esta submissão do negro advém do facto de o branco ser considerado uma raça superior, da qual há de resultar o melhoramento da raça negra.

    5. Bertoleza mantém-se sempre fiel, até a essência dessa fidelidade ser destruída (com a traição). Há uma certa mitificação do elemento negro, porque ele submete-se, mas também é capaz da coragem no mais alto grau.
    Mas em relação ao negro, há ainda um duplo preconceito:
        . Rita e Bertoleza aproximam-se do branco como forma de ascensão social: preconceito da parte do negro;
        . O branco vê o elemento negro como fonte de prazer e sensualidade ou como fonte de outras potencialidades em relação ao trabalho: preconceito da parte do branco.

    6. A mulher: podemos estabelecer alguns grupos:
            = Leonie e Pombinha (e Senhorinha)
            = D. Isabel e Piedade
            = Rita e Bertoleza
    Estes são grupos diferentes, com motivações e destinos diferentes, mas nenhum deles consegue resistir à influência do ambiente. O elemento mais íntegro acaba por ser Bertoleza. Também Rita acaba por perder a sua força inicial quando se adapta a um novo tipo de vida.

    7. Ironia: evidencia-se no final, mas existe ao longo de todo o romance de modo refinado e subtil e, por isso, é mais significativa.
    A visão fatalista do amor que víramos em Machado de Assis mantém-se em A. de Azevedo: a sociedade está destinada a uma constante degradação, a uma degradação inevitável, em que os principais meios de influência são o meio e a raça.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Caracterização de João Romão, de O Cortiço

1. Caracterização social

  • Origem humilde: João Romão é um português imigrante no Brasil que chega sem grandes posses ou prestígio social.
  • Ascensão pela ambição: Representa o imigrante trabalhador e ambicioso que, por através do esforço e da exploração do seu semelhante, procura ascender social e economicamente.

2. Características Psicológicas

  • Ambição desmedida: João Romão é movido por uma obsessão em enriquecer a qualquer custo, colocando o lucro acima de valores éticos. Ele é descrito como alguém que trabalha incansavelmente, quase de forma irracional e desumana. Não descansa, economiza cada centavo e dedica toda a sua energia ao objetivo de enriquecer. A sua comparação a um animal de carga ou a um escravo enfatiza a sua entrega física ao trabalho, desprezando o tempo para o lazer ou para o amor.
  • Avarento e materialista: Ele é descrito como extremamente avarento, economizando até nos mínimos detalhes para acumular riqueza. Romão é comparado a um animal faminto por causa da sua avareza. A sua obsessão pela riqueza, pelo dinheiro e pela acumulação de bens reflete uma obsessão instintiva, quase visceral. Há um momento em que o narrador o descreve como alguém que «comia restos de comida» e guardava tudo o que podia, recusando-se a gastar dinheiro com qualquer coisa que fosse além do indispensável. Esta postura de «acumulador» faz lembrar o instinto de certos animais que acumulam recursos, precavendo-se para tempos de necessidade (basta recordar a fábula da formiga e da cigarra).
  • Frieza e pragmatismo: A sua capacidade de tomar decisões é quase sempre guiada por interesses financeiros, sem considerar o impacto emocional ou moral. Esta personagem é ocasionalmente descrita como «selvagem», sugerindo a sua falta de civilidade, de humanidade e de domínio da razão. A justificação para isto encontra-se no facto de nortear a sua existência por instintos primários de sobrevivência e prosperidade material, como se se tratasse de um animal no topo da cadeia alimentar, indiferente aos que lhe se situam abaixo de si.

3. Características Físicas

  • Descrição modesta: A aparência física de João Romão não é especialmente destacada na obra, refletindo a sua origem humilde e o facto de o foco do narrador se centrar nas suas ações e atitudes. Não obstante, é destacado como alguém simples e descuidado com a sua aparência. Tal explica-se pelo facto de a sua prioridade exclusiva ser o trabalho e a acumulação de riqueza, o que leva a que negligencie por completo questões como a higiene, o vestuário, entre outras. Este descuido e falta de cuidado consigo mesmo e vaidade traduz o seu apego extremo ao dinheiro e a sua avareza, visto que evita qualquer tipo de dispêndio financeiro, inclusive consigo mesmo. A adjetivação como «magro» e «encardido» é exemplificativa destes traços.
  • Figura vulgar: A sua simplicidade física contrasta com a ambição grandiosa.
  • Magreza e vigor: João Romão é frequentemente descrito como magro, o que é consequência direta de sua vida austera e extenuante. Ele trabalha incessantemente, muitas vezes privando-se de uma alimentação adequada, não por falta de recursos, mas por sua obsessão em economizar. Apesar de magro, possui força e vigor físico, típicos de alguém que está habituado ao trabalho manual. Essa força é uma marca da sua origem humilde e do esforço físico que emprega para acumular riqueza.
  • Resistência física: João Romão é uma figura quase incansável: trabalha dia e noite, cuidando d sua venda e da construção do cortiço, o que evidencia uma capacidade física impressionante, mas também o coloca como alguém "animalizado", regido pela sobrevivência.
  • Vestuário: As roupas de João Romão são práticas, simples, baratas e muitas vezes remendadas, dado o seu desgaste, refletindo a sua avareza e o desinteresse em exibir status social. Mesmo quando começa a acumular riqueza, mantém o hábito de se vestir como um homem pobre, o que simboliza o seu apego à austeridade. Por outro lado, estes dados mostram igualmente que, apesar de enriquecer, João Romão ainda carrega traços das suas origens humildes e não procura ostentar o que possui, pelo menos até ascender socialmente.
  • Simbolismo: o retrato físico de João Romão reflete a sua personalidade mesquinha, bem como a sua obsessão pelo trabalho e falta de sofisticação. Essa descrição, enquadrada no contexto do Naturalismo, reforça a crítica social de Aluísio Azevedo, mostrando como o meio e os valores materialistas moldam o ser humano.

4. Trajetória e Conflitos

  • Início como comerciante: João Romão começa a sua trajetória como dono de uma pequena venda (mercearia), onde já demonstra a sua ganância e o caráter manipulador. João Romão começa como dono de uma pequena venda (mercearia), situada num terreno próximo, no qual posteriormente erguerá o cortiço. Esse espaço humilde é o ponto de partida da sua jornada para a acumulação de riqueza. A sua dedicação exclusiva ao trabalho é evidente: ele próprio faz todo o trabalho: atende os fregueses, administra as finanças e limpa o espaço, numa dedicação obsessiva que reflete a sua determinação de economizar e enriquecer a qualquer custo, evitando contratar ajuda para poupar despesas. João Romão vive em condições precárias, economizando de forma quase desumana para acumular capital, pelo que não é surpreendente que seja descrito como alguém que:

§  Come restos de comida que encontra na venda.

§  Dorme no chão, ao lado do balcão, sem gastar com móveis ou conforto.

§  Usa roupas simples e remendadas, recusando-se a investir em itens desnecessários.

Esta avareza é uma marca da sua personalidade e um reflexo da sua visão utilitarista, na qual cada centavo é poupado e investido para expandir os negócios. João Romão trabalha desde o amanhecer até altas horas da noite, movido pela ambição de enriquecer, sendo descrito como alguém que não se permite descanso ou lazer, dedicando toda a energia ao progresso financeiro. A rotina incansável é um dos primeiros sinais de sua transformação quase animalesca, guiada por um instinto de sobrevivência e pelo desejo de ascensão social.

Um marco importante do seu início como comerciante é a relação com Bertoleza, uma escrava fugida que se torna sua parceira de trabalho e vida. João Romão engana-a desde o início, pois promete ajudá-la a comprar a alforria, mas, na realidade, utiliza a sua força de trabalho para economizar custos e expandir os negócios. Deste modo, Bertoleza trabalha incansavelmente na venda, cozinhando, limpando e auxiliando João Romão, tornando-se essencial para a acumulação de seus primeiros lucros. A exploração desta figura feminina é um exemplo claro do caráter explorador e antiético de João Romão desde o início da sua trajetória.

O início da personagem como comerciante reflete a sua essência: ele é o símbolo do homem que se faz sozinho, mas à custa de trabalho incessante, economia obsessiva e exploração dos outros. A pequena venda é o núcleo da sua trajetória, marcando o ponto de partida para a sua ascensão.

O início de João Romão como comerciante em O Cortiço ilustra como ele utiliza as ferramentas disponíveis – trabalho duro, avareza e exploração – para superar a sua condição de pobreza. Esse momento é essencial para compreender a sua personalidade: é um homem pragmático, inescrupuloso e completamente focado na acumulação de riqueza, mesmo que isso signifique sacrificar a dignidade própria e alheia.

  • Construção do cortiço: Com o tempo, ele expande os seus negócios, investindo na construção de um cortiço, símbolo da sua ascensão económica e da degradação social ao seu redor. O empreendimento reflete não apenas o seu caráter, mas também o seu papel simbólico na narrativa. O cortiço é uma extensão da personalidade do protagonista e materializa os seus valores, ambições e métodos.

Desde logo, convém notar que a construção do convento mostra que a personagem principal de O Cortiço possui uma visão de longo prazo. De facto, João Romão percebe o potencial económico do terreno baldio que existe ao lado da sua venda, inicialmente utilizado como depósito de lixo. Imagina o local como uma oportunidade de gerar lucro por meio da construção e posterior aluguer de habitações populares, dando origem ao cortiço. Deste modo, dedica-se obsessivamente à construção do empreendimento (ele próprio conduzia pedras, areia e tijolos, como se fosse um operário), atuando diretamente nas obras. Trabalha dia e noite, economizando ao máximo e utilizando materiais baratos para erguer as moradias.

Por outro lado, a construção do cortiço reflete a sua avareza extrema. Ele economiza em tudo, incluindo no ser humano: emprega Bertoleza como força de trabalho gratuita, aproveitando-se da sua condição de escrava fugida; usa materiais baratos e mão de obra simples para economizar ao máximo, indiferente às condições precárias que isso criará para os futuros moradores.

Face ao exposto, podemos concluir que o cortiço é uma metáfora da própria ambição e do caráter de João Romão, caracterizando-se pela desorganização e instinto de sobrevivência (tal como o protagonista é movido por instintos básicos de acumulação, o cortiço também se torna um espaço caótico, onde a luta pela sobrevivência prevalece), pela animalização (o cortiço é descrito como um "formigueiro humano" ou uma "colmeia", metáforas que evidenciam a degradação dos seus habitantes; João Romão, como criador desse ambiente, é implicitamente comparado a um animal predador, que manipula e explora os mais fracos para prosperar) e pelo foco no lucro (a forma como administra o cortiço reflete a sua frieza e o seu pragmatismo: não se importa com o bem-estar dos moradores, apenas com as rendas que recebe).

  • Exploração da mão de obra: Romão explora trabalhadores, como Bertoleza, e aproveita-se da vulnerabilidade alheia para enriquecer, desde logo porque perceciona o cortiço como não um espaço de convivência humana, mas como uma máquina fazedora de dinheiro, não se eximindo a explorar os moradores, cobrando rendas elevadas e a pessoas que vivem em situação de miséria.
  • Relação com Bertoleza: Ele engana Bertoleza, uma escrava fugida que trabalha para si em regime quase de escravidão, prometendo ajudá-la a comprar a alforria, promessa que nunca cumprirá.
  • Conflito social: João Romão representa o confronto entre o capital e as classes trabalhadoras, sendo um retrato crítico do capitalismo nascente no Brasil na época.

5. Relação com a temática do Naturalismo

  • Instinto e Determinismo Social: A personagem é retratada como guiada por instintos de sobrevivência e ambição, características marcantes do determinismo social e biológico.
  • Animalização e degradação: A sua busca incessante pelo lucro é muitas vezes associada a comportamentos animalescos, refletindo a visão naturalista de que o ambiente molda o comportamento humano.
  • Crítica social: João Romão personifica a exploração capitalista e a desigualdade, sendo um reflexo das transformações sociais e econômicas do Brasil no século XIX.

6. Relação com outras personagens

  • Bertoleza: A sua relação com ela é marcada pela exploração e hipocrisia, já que a utiliza como mão de obra gratuita e, no final, trai-a ao denunciá-la como escrava fugida. Romão explora-a de forma brutal, reduzindo-a a uma espécie de máquina de trabalho, tratando-a como um mero objeto, o que reflete o seu comportamento e a sua ação desumanizados. Estes traços acentuam-se quando percebe que Bertoleza se tornou um obstáculo ao seu desejo de ascensão social, acabando por a trair e entregando-a às autoridades como escrava fugitiva, sem qualquer remorso, consideração humana ou princípio ético. A frieza com que age evidencia o seu instinto quase predatório, característico de quem não olha a meios para atingir os seus fins, afastando do seu trajeto todos os obstáculos para sobreviver ou prosperar.
  • Miranda: João Romão inveja Miranda, um comerciante que representa o "burguês" estabelecido. A relação entre os dois simboliza a rivalidade entre diferentes estratos sociais. As duas figuras representam diferentes facetas da sociedade brasileira do século XIX: o primeiro é o tipo do imigrante português ambicioso que procura ascender socialmente através do trabalho  da exploração dos mais fracos, enquanto o segundo é o símbolo do burguês e do privilégio. De facto, o protagonista é o típico self-made man, o indivíduo que sai da pobreza e enriquece através do seu trabalho, da sua ambição e do seu pragmatismo, bem como à custa da avareza e da exploração. Por outro lado, Romão representa o tipo social do novo rico que se torna rico, todavia não possui a sofisticação da elite tradicional. Por seu turno, Miranda é o burguês conservador, o sujeito que, ao nascer, já detém uma posição de privilégio económico e social. Ele simboliza a elite local, que adota comportamentos refinados, mas, em contraste, caracterizados pela hipocrisia e pela superficialidade. João Romão, em simultâneo, admira e inveja Miranda, vendo nele o modelo de prestígio e respeitabilidade que almeja.

Os dois são vizinhos e as suas propriedades refletem as suas posições sociais. Assim, o cortiço é um espaço de miséria que contrasta com a casa bem organizada e a loja respeitável de Miranda, que despreza o cortiço e o vê como uma ameaça ao «bom tom» da vizinhança, enquanto o protagonista vislumbra no seu empreendimento a possibilidade de ascensão económica. Neste contexto, Romão sente-se inferior em comparação com a posição social do oponente e ambiciona igualar-se a ele, quer económica quer socialmente. O seu projeto de se equiparar e até superar Miranda passa por comprar propriedades e se casar com Zulmira, a sua filha, mesmo sem a amar, pois vê no casamento uma oportunidade única de ascender socialmente e se distanciar do estigma de «dono do cortiço». Este comportamento evidencia a sua visão pragmática das relações humanas, sociais, sempre orientada para o lucro, o dinheiro, a riqueza.

Curiosamente, no início da obra, o protagonista comporta-se de forma quase subserviente em relação a Miranda, tratando-o com deferência e respeito, o que mostra que o reconhece como superior socialmente, daí que não seja de admirar que o procure imitar. Porém, à medida que vai enriquecendo, torna-se mais competitivo, passando a olhar para Miranda como um obstáculo e/ou um rival. Por seu turno, este olha para o protagonista apenas como um vizinho incómodo e vulgar que, conjuntamente com o cortiço, representa uma ameaça à sua posição e reputação. Ao longo da obra, conserva sempre uma postura de superioridade relativamente ao vizinho, nunca o vendo como seu igual, mesmo quando tenta imiscuir-se na elite.

O casamento com Zulmira é um momento fundamental da relação entre João Romão e Miranda. Para este último, o matrimónio é uma forma de resolver problemas financeiros, em virtude de a sua situação económica estar em declínio, e manter aparências. Por sua vez, o protagonista olha para o casamento como a oportunidade ideal para ascender socialmente, permitindo-lhe alcançar o lugar que tanto ambiciona no seio da sociedade burguesa. Além disso, essa união matrimonial espelha a hipocrisia das relações sociais e a fragilidade das diferenças entre as classes sociais.

Já o cortiço, o grande empreendimento de João Romão, é o principal foco de conflito entre as duas personagens: para o protagonista, ele simboliza a sua conquista e riqueza, enquanto para Miranda constitui um símbolo de degradação, um espaço que mancha a reputação da vizinhança. O seu desprezo pelo cortiço e pelos seus moradores evidencia a visão elitista, enquanto a defesa que Romão faz do empreendimento reflete o seu orgulho como criador e explorador. No fundo, o que está aqui em causa é um conflito social: de um lado, temos Romão a representar a ascensão do capitalismo selvagem e das classes emergentes que, embora economicamente poderosa, lutam por reconhecimento social; do outro, encontramos Miranda, símbolo da elite tradicional, a qual procura preservar os seus privilégios e evitar misturar-se com os «novos ricos».

  • Habitantes do cortiço: Embora João Romão seja o criador e explorador do cortiço, distancia-se das pessoas que nele vivem, mostrando a sua aspiração por um status social superior. Ele tem do cortiço uma visão utilitarista, olhando para os moradores como meras fontes de rendimento: cobra rendas elevadas, tendo em conta as condições decrépitas das habitações, e não investe no restauro ou manutenção do espaço. De facto, os habitantes são pessoas de baixos rendimentos, vivendo vários deles em situação de miséria, e o protagonista aproveita-se desse facto para manter as rendas, tendo plena consciência de que muitos não têm outra opção para morar. Por outro lado, estes dados mostram que Romão é indiferente às condições precárias de vida dos moradores do cortiço, que têm de conviver com a sobrelotação do espaço, a falta de higiene e salubridade e a degradação, confrontados com a total indiferença do protagonista relativamente ao impacto que essas condições têm na saúde e dignidade das pessoas. A sua única preocupação é evitar despesas que afetem o seu rendimento, mesmo que isso signifique abandonar os habitantes à sua sorte e miséria.

João Romão controla o cortiço e os moradores por completo, exercendo o seu poder através da cobrança de rendas e da manipulação das suas condições de vida. Curiosamente, o protagonista possui origens humildes, como os habitantes do cortiço que erigiu. Não obstante, ele distancia-se deles, vendo-se superior a eles. Ele procura ascender socialmente e rejeita qualquer associação às pessoas que vivem no espaço que administra. Nesse contexto, Bertoleza simboliza a exploração de João Romão: ela trabalha incansavelmente, acredita que está a juntar dinheiro para comprar a sua alforria, contudo o protagonista nunca teve a intenção de cumprir  sua promessa. Deste modo, quando Bertoleza se torna um problema para os seus planos de ascensão social, não hesita em a entregar às autoridades como escrava fugida, o que desagua no suicídio dela.

O cortiço é descrito como um organismo vivo, um «formigueiro humano» ou uma «colmeia», repleto de pessoas que lutam pela sua sobrevivência no meio da miséria que os afoga. Romão é o criador do empreendimento, sendo o responsável direto pelas condições que promovem a degradação social e moral. A relação entre ambos reflete a dinâmica do capitalismo selvagem, em que o lucro de um depende da exploração de muitos. Por outro lado, os moradores do espaço são frequentemente comparados a animais, tendo em conta as condições desumanas em que vivem. Essa animalização dos moradores é um reflexo da própria animalidade de João Romão, que, qual animal, age por instinto.

Além disso, o protagonista evita a todo o custo qualquer envolvimento direto com os problemas e conflitos que estalam no cortiço. A violência, as lutas e os escândalos são o pão nosso de cada dia, porém Romão nunca se envolve nem interfere, desde que esses acontecimentos não afetem o pagamento das rendas, mantendo, pois, uma constante postura de distanciamento e superioridade, como se não tivesse qualquer responsabilidade pelas condições que fomentam esses conflitos. Como já foi referido anteriormente, Romão, apesar das suas origens humildes, não demonstra qualquer solidariedade com os habitantes do cortiço; pelo contrário, ele afasta-se cada vez mais das suas origens sociais, procurando associar-se à elite burguesa e desprezando os habitantes do espaço que ele próprio criou. Este distanciamento reflete a sua alienação social e moral, evidenciando o vazio que a sua ambição acarreta: enriqueceu à custa de outros, contudo permanece isolado e desumanizado.

Simbolicamente, a relação entre João Romão e os habitantes do cortiço configura uma crítica à exploração das camadas mais desfavorecidas pela ambição desmedida e pelo capitalismo selvagem emergente. Deste modo, o narrador denuncia as desigualdades sociais e as condições de vida degradantes resultantes da indiferença, da ambição desmedida e da procura desenfreada da riqueza. João Romão representa o capitalista que vê as pessoas como meio para alcançar os seus objetivos.


7. Símbolos Associados a João Romão

  • O Cortiço: João Romão é o criador e principal beneficiário do cortiço, que funciona como uma extensão de sua personalidade: degradado, explorador e movido pela ambição. O empreendimento simboliza o capitalismo emergente na sociedade brasileira do século XIX, sendo que o protagonista personifica esse sistema.
  • Figura do explorador capitalista: Simboliza a ascensão do capitalismo no Brasil, com todas as suas contradições e desigualdades. Romão acumula riqueza à custa da exploração dos mais desfavorecidos que habitam no cortiço, aumentando, assim, as desigualdades sociais. Para ele, os moradores não passam de meras ferramentas usadas para aumentar o seu património e, de forma desumana e indiferente, não hesita em explorar a sua pobreza.

8. Transformação ao Longo da Narrativa

  • Mudança superficial: Embora João Romão alcance seu objetivo de ascender socialmente, comprando propriedades e estabelecendo-se como "respeitável", ele nunca abandona a sua essência exploradora e gananciosa. Ao longo da obra, vai-se transformando, evoluindo de um comerciante simples e humilde para um trabalhador obcecado e infatigável, um capitalista ganancioso, desumano e explorador que procura desesperadamente a ascensão social.

No início, o protagonista é apresentado como alguém de origens humildes, um imigrante português simples e pobre que inicia a sua jornada rumo à riqueza e a outro estatuto social como dono de uma pequena venda. Nesta fase, apresenta-se como alguém trabalhador, avaro e obcecado pelo dinheiro e pela acumulação de riqueza, mostrando-se disposto a sacrificar o conforto, a ética e a humanidade para poupar o vil metal, daí não ser de estranhar que o vejamos a comer restos ou a dormir no chão, tudo para economizar até ao último cêntimo, usando como referência o atual euro. Nesta fase da sua vida, usa Bertoleza como mão de obra gratuita, prometendo-lhe uma alforria que jamais tem a intenção de cumprir.

Posteriormente, Romão começa a investir no terreno localizado ao lado da sua venda, até o transformar num espaço de moradias populares: o cortiço. Esse empreendimento reflete os traços de caráter que já se adivinhavam na fase inicial: usa materiais e mão de obra barata durante a construção, ignorando os reflexos que tal terá nos moradores. Em última análise, o cortiço torna-se uma fonte constante de lucro, consolidando o seu estatuto de homem de negócios, mas sempre à custa da exploração do seu semelhante. Neste contexto, apesar dessa riqueza que o cortiço lhe proporciona, distancia-se, emocional e socialmente, dos seus habitantes, vendo-os somente como meras fontes de rendimento.

À medida que o empreendimento cresce e se consolida, com o aumento dos alugueres, João Romão acumula riqueza. Nessa acumulação constante, compra outras terras e propriedades, diversificando os seus negócios e investimentos e consolidando a sua fortuna. Em simultâneo, cresce igualmente a indiferença e a insensibilidade perante o sofrimento e as necessidades humanas, não revelando qualquer empatia pelos moradores do cortiço, nem por Bertoleza, que tanto o ajudou na sua ascensão social. Neste passo da narrativa, Romão está totalmente consumido pela ganância, agindo de forma desumana, cruel e calculista, traindo Bertoleza ao entrega-la às autoridades como escrava fugitiva, a partir do momento em que se torna um obstáculo aos seus planos.

  • Busca por status: No final, tenta inserir-se na elite, casando com Zulmira, filha de Miranda, mas essa tentativa de ascensão revela a sua alienação e o desejo de reconhecimento social. Como sucede frequentemente com estas personagens, a riqueza não garante só por si a ascensão social e a aceitação pelas camadas mais altas da sociedade. João Romão percebe também isso, tendo de lidar com o desprezo que a burguesia lhe dedica. Para superar este facto, deseja casar-se com Zulmira, filha do vizinho burguês, Miranda, não por amor, mas como estratégia para se integrar na elite. Quando o consegue, esforça-se ao máximo para se adaptar aos padrões burgueses, abandonando algumas atitudes de avareza e procurando mostrar-se uma pessoa respeitável, no entanto, na realidade, essa mudança é apenas superficial, pois, na essência, continua a ser uma figura mesquinha e ganancioso.

Quando o final do romance nos bate à porta, constatamos que o protagonista atingiu os seus objetivos, tanto o do enriquecimento como a ascensão social, mas fê-lo graças a uma postura de alienação e desumanização que atinge o clímax no mento em que trai Bertoleza e a denuncia às autoridades para se casar com Zulmira. O suicídio desta personagem constitui uma espécie de preço moral que Romão tem de pagar pelo seu trajeto alienante. Deste modo, no desfecho de O Cortiço, João Romão não passa de um homem muito rico, mas totalmente desumanizado e sem qualquer vínculo afetivo com os outros, símbolo do capitalista que tudo sacrifica pelo lucro, mas permanece moralmente pobre.


9. Representatividade no contexto do Naturalismo

  • Representante do capitalismo selvagem:

·         João Romão simboliza o modelo capitalista emergente no Brasil, no século XIX, em que o lucro e a acumulação de riqueza se sobrepõem a qualquer valor ético ou humano.

·         Exploração como base do sucesso: Ele usa o trabalho de Bertoleza como mão de obra gratuita e explora os moradores do cortiço, cobrando rendas elevadas em condições precárias.

·         Acumulação e desigualdade: João Romão representa a figura do empreendedor que enriquece à custa da exploração de classes sociais mais vulneráveis, ilustrando as desigualdades inerentes ao capitalismo.

  • Símbolo do imigrante no Brasil:

·         Como português imigrante, João Romão reflete o papel histórico de muitos imigrantes no Brasil, que chegaram à procura de melhores condições de vida e acabaram a desempenhar papéis de comerciantes, pequenos proprietários e empreendedores.

·         Ascensão económica: Ele personifica o estereótipo do "imigrante trabalhador" que, através de muito esforço e poupança, consegue enriquecer.

·         Contraste cultural: A sua ambição e frieza contrastam, frequentemente, com valores mais "tradicionais" e "moralistas" da sociedade brasileira da época, como os representados por Miranda.

  • Símbolo do novo-rico:

·         João Romão é representativo da figura do "novo-rico", que acumula riqueza material, mas luta por reconhecimento social.

·         Ele aspira a integrar a elite tradicional (representada por Miranda) e utiliza o casamento com Zulmira como estratégia para obter prestígio, mas a sua origem humilde e os métodos desumanos de enriquecimento que emprega continuam a constituir barreiras à sua plena aceitação.

  • Metáfora da desumanização e da animalização;

·         A evolução de João Romão reflete o processo de desumanização provocado pela ambição desmedida. Ele é frequentemente descrito de forma animalesca, guiado por instintos básicos, como sobrevivência, acumulação de riqueza e poder.

·         Animalização naturalista: Esta característica reforça a visão naturalista segundo a qual os seres humanos são moldados pelos seus instintos e pelo ambiente social. João Romão é uma criatura do seu meio, explorando e sendo explorado pelas dinâmicas sociais e económicas.

  • Espelho da ascensão social e das suas contradições:

·         João Romão é um exemplo de como a ascensão social pode ser conquistada por meio de trabalho duro, mas também por exploração e desumanização.

·         Ambiguidade moral: Ele é, ao mesmo tempo, admirado pela sua perseverança e criticado pelos seus métodos antiéticos.

·         Falta de integração: Mesmo ao alcançar a riqueza e o status ambicionados, João Romão nunca se encaixa completamente na elite, o que evidencia a dificuldade de transição entre as classes sociais no contexto da sociedade brasileira da época.

  • Crítica ao materialismo:

·   João Romão é um símbolo da obsessão pelo materialismo. A sua procura incessante por riqueza leva à perda da humanidade e à destruição de relações interpessoais, como a traição de Bertoleza exemplifica.

·       Vazio moral: Apesar de alcançar sucesso financeiro, João Romão, no final do romance, está só e isolado, desprovido de vínculos afetivos e sem qualquer satisfação emocional ou ética.

  • Símbolo da luta pela sobrevivência: João Romão é um exemplo clássico da influência do meio sobre o indivíduo, tema central do Naturalismo.
  • Figura antiética: Embora sua trajetória pareça de sucesso, a crítica do autor expõe os custos humanos e sociais dessa ascensão.

João Romão é uma figura central em O Cortiço, representando a ganância e a exploração na sociedade brasileira do século XIX, e serve como uma crítica contundente à desigualdade social e à moralidade da época.

Enredo / Ação de O Cortiço

A. A Ascensão de João Romão

João Romão é um português pobre e ambicioso que, por meio de trabalho árduo e métodos desonestos, constrói um cortiço em um subúrbio do Rio de Janeiro. Ele rouba materiais de construção, explora trabalhadores e guarda dinheiro de forma obsessiva. Sua companheira, Bertoleza, é uma escravizada que foge acreditando estar livre, mas vive em regime de quase escravidão sob João Romão.

João Romão começa o cortiço como uma pequena habitação coletiva. Com o tempo, o local cresce e se torna uma representação da pobreza e da degradação social, abrigando dezenas de famílias que vivem em condições precárias.

 

B. A Vida no Cortiço

O cortiço é um microcosmo da sociedade brasileira. Ele abriga personagens de diferentes origens, que compartilham as dificuldades da vida cotidiana. Os moradores vivem em um ambiente insalubre, marcado por brigas, festas, promiscuidade e luta pela sobrevivência. Entre os moradores destacam-se:

  • Rita Baiana, uma mulher sensual e cheia de vida que simboliza a força dos instintos.
  • Pombinha, uma jovem inicialmente inocente, que acaba se entregando à prostituição.
  • Jerônimo, um operário português que se apaixona por Rita Baiana, abandonando sua esposa.

O cortiço é descrito como uma entidade viva, quase um personagem, que influencia o comportamento de seus habitantes. O local é frequentemente associado a imagens de calor, fermentação e animalização.

 

C. O Conflito entre João Romão e Miranda

Miranda, um comerciante rico e vizinho de João Romão, representa a elite brasileira. Embora seja economicamente superior, Miranda é um homem hipócrita, que despreza o cortiço, mas também age de forma corrupta para manter seu status. João Romão inveja o prestígio social de Miranda e tenta se aproximar dele, buscando ascender à classe burguesa.

João Romão, com seu desejo incessante de riqueza e respeito social, decide ampliar seus negócios e transformar sua imagem. Ele planeja casar-se com Zulmira, filha de Miranda, para se integrar à elite, mesmo que isso signifique trair Bertoleza.

 

D. A Queda de Bertoleza

No final da obra, João Romão denuncia Bertoleza às autoridades, revelando que ela ainda é legalmente escrava. A traição é motivada pelo desejo de se livrar dela e se casar com Zulmira. Ao perceber que será recapturada, Bertoleza, em um ato desesperado, comete suicídio, esfaqueando-se diante dos policiais.

O destino de Bertoleza simboliza a opressão dos mais pobres e a desumanidade de João Romão, que sacrifica tudo – inclusive suas relações pessoais – em nome da ascensão social.

Conclusões sobre O Cortiço: Forma

    1. Descrição dos elementos imprescindíveis de todo o romance. Através da descrição, as personagens surgem inseridas na vida do dia a dia. A descrição é feita, por vezes, através de metáforas, sobretudo do âmbito da zoologia.

    2. Apresentação de determinado tipo de episódios, quase sempre sórdidos e de temática sexual. A principal característica destes episódios é a total ausência de valores, a animalidade e a violência.

    3. Construção e estruturação de modo mais denso e rico. A preocupação pela forma é muito intensa em A. de Azevedo, pois há sempre indícios que se realizam. Esta preocupação orienta a narrativa para um determinado sentido, o que implica uma maior organização dos elementos.

    4. Uso de analepses: são várias e a sua função é a explicação de factos e a caracterização de personagens.

    5. As personagens raramente existem como elementos individuais: elas inserem-se num coletivo. Há algumas vivências de individualidade, mas apenas com as personagens principais.

    6. Em termos de intriga, há três elementos que despoletam a ação:
            - chegada dos portugueses: Jerónimo e Piedade
            - chegada de Rita
            - ascensão de Miranda ao baronato
    Estes factos são também importantes, porque vão influenciar a mudança das personagens. Por exemplo, é a chegada de Rita que vai conduzir à degradação de Piedade e é a ascensão de Miranda que provoca a ascensão de João Romão.

Análise do capítulo XXIII de O Cortiço

    O início deste capítulo contrasta com o fim do capítulo anterior: ambiente de riqueza e novos costumes de João Romão, que age como um novo rico, exagerando em tudo. É um capítulo mais alegre, mais urbano, onde João Romão tem a oportunidade de ostentar a sua riqueza e novos hábitos.
    Surge, então, Botelho, que anuncia a ida do dono de Bertoleza a casa de J. Romão para a buscar. Seguem depois para casa do último e, entretanto, há duas referências importantes:
        . Passagem de Pombinha, agora prostituta, com Henrique. Esta referência não é inocente.
        . Referência a um cúmplice, palavra do campo semântico do crime. O emprego desta palavra é intencional e não inocente. Há uma relação de cumplicidade entre Botelho e J. Romão, como se de um crime se tratasse.
    O final do romance, tal como o seu início, é sórdido. João Romão, apesar de ter mudado exteriormente, revela que íntima e moralmente é o mesmo.
    Bertoleza, pelo contrário, logo que vê o filho do seu antigo dono, apercebe-se de tudo e ganha plena consciência da sua situação. Podemos estabelecer um paralelo entre a situação de Bertoleza e a de Pombinha, depois do que aconteceu com Léonie: ambas ficam lúcidas e conscientes da sua verdadeira realidade. E a única solução para Bertoleza é a morte e as condições desta morte contrapõem-se ao seu caráter corajoso. De facto, morre num ambiente extremamente sórdido.
    Podemos estabelecer um confronto entre o caráter firme de Bertoleza e sordidez de João Romão:
           
            Bertoleza                            João Romão

            interior   +                            interior   -

            exterior   -                             exterior   +

    João Romão apenas evolui exteriormente, pois mantém o seu caráter de sempre, ao contrário de Bertoleza, que se mantém fisicamente degradada, mas com um caráter positivo. Com a sua morte, afasta-se o último elemento do cortiço que não se modificara. De facto, se o cortiço degradado desaparecera, a única solução para ela era a morte.
    Bertoleza e Rita Baiana eram as únicas personagens femininas dotadas de um forte caráter positivo; no final, o de Bertoleza ainda mais se eleva, enquanto o de Rita decai.
    Uma última chamada de atenção para a ironia com que o romance termina: uma comissão de abolicionistas vem trazer o título de sócio a J. Romão, o qual acabara de entregar uma antiga escrava (Bertoleza).

Análise do capítulo XXII de O Cortiço

    Referência ainda a Bertoleza e ao medo que começa a sentir, pois sabe que não é desejada.
    Romão, entretanto, consegue tudo o que quer e torna-se um grande capitalista; a sua venda transforma-se num grande armazém, com um grande movimento de empregados e clientes.
    Refere-se também o novo cortiço, agora Avenida, habitado por um estrato social diferente do cortiço anterior, pautado por um espírito coletivo, que se concretizava na festa de domingo. Agora não há esta cumplicidade entre as personagens, que passa para o "Cabeça-de-Gato", para onde vão os resíduos do cortiço de João Romão.
    Há ainda uma referência a Pombinha: o seu casamento não resultou e tornou-se prostituta. Não era mulher para cumprir todas as convenções inerentes ao casamento. D. Isabel continua na sua apatia estúpida. Esta é a mesma atitude do cortiço e Pombinha tona Senhorinha como protegida. É um ciclo que se repete. Apesar da mudança exterior, o cortiço continua a aceitar as coisas sem reconhecer o que é bom ou mau.
    Termina com a referência a Piedade e à extrema degradação do cortiço "Cabeça-de-Gato". Ela já nem chora, nem se lamenta, o que significa que atingiu o "fundo do poço". Esta descrição corresponde à descrição do inicial cortiço de João Romão.

Análise do capítulo XXI de O Cortiço

     Referência às aspirações de J. Romão, particularmente em relação à mulher, que agora é um obstáculo à sua ascensão social, ou seja, ao seu casamento com Zulmirinha. Bertoleza era um "ponto negro" às suas ambições. Começa a haver a urgência de se desfazer dela:
        = "E se ela morresse?"
        = "E se eu a matasse?"
        = "E se eu a esmagasse aqui mesmo?"
    Esta gradação mostra essa urgência e a intensidade da ambição de J. Romão.
    Temos depois o episódio da morte do filho da Machona: Agostinho. Mas o mais importante é a reação de Romão, que nunca fora humanitário e agora vê despertar-se-lhe uma certa sensibilidade. Mas este sentimento é hipócrita, porque não é verdadeiro.
    Surge Botelho, que vai ajudar Romão a realizar as suas ambições. Este recurso a Botelho para que fizesse o trabalho sujo, mostra uma certa falta de vigor em Romão, que sempre fizera tudo, legal ou ilegalmente. É este trabalho sujo que vai resolver o problema de Romão: entrega de Bertoleza ao seu dono, pois, ao contrário do que ela pensava, nunca deixou de ser escrava. Bertoleza apercebe-se de tudo e sente que merece ser tratada com mais respeito: é um grito de justiça perante a ambição de João Romão.

Análise do capítulo XX de O Cortiço

    Modificação do espaço e também dos seus habitantes.
    Piedade acaba por ser o último indício do que era antes o cortiço ao atingir os últimos graus de degradação. O que antes caracterizava o cortiço de J. Romão passa agora a caracterizar o outro cortiço, o "Cabeça-de-Gato": um organismo vivo com uma enorme sensibilidade.
    O novo cortiço de Romão é agora uma espécie de pensão, onde habitam já pessoas de uma claase social mais alta e não apenas lavadeiras e trabalhadores. As pessoas passam a ser vistas individualmente e já não se verifica o espírito de grupo.
    O capítulo termina com a degradação que atingiu Piedade e estabelece o contraste com a outra Piedade, que fora casada com Jerónimo. Mostra-se a influência do meio e da raça. Obviamente, isto vai refletir-se também no comportamento de Senhorinha. É todo um ciclo que se repete.
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