sábado, 25 de julho de 2020
quarta-feira, 22 de julho de 2020
"Poema à Mãe", de Eugénio de Andrade
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
terça-feira, 21 de julho de 2020
A ação trágica de Aparição
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Estrutura de Aparição
Plural de rés-do-chão
Alcoolemia : pronúncia e acentuação
segunda-feira, 6 de julho de 2020
RIP: Ennio Morricone
Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2020 - 1.ª fase
Correção do Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2020 - 1.ª fase
segunda-feira, 22 de junho de 2020
sexta-feira, 19 de junho de 2020
Posicionamento de Vergílio Ferreira
1. As primeiras obras aproximam-se da corrente neorrealista: O Caminho fica Longe (1943), Onde Tudo foi Morrendo (1944), Vagão J (1946), distanciando-se posteriormente
deste movimento.
1.1. Marcas neorrealistas em Aparição:
. as
referências à miséria dos trabalhadores;
. o
episódio do Bailote;
. a simpatia do narrador pelos ceifeiros, “homens
e mulheres cosidos com a terra”, “gente fulminada pelo
sol”;
. a atitude do reitor, de certo modo abusando da sua autoridade
na interferência a respeito dos temas das composições dos alunos de Alberto
Soares.
2. A partir de 1949, com o romance Mudança, dá voz às suas angústias existenciais, à problemática
existencial e metafísica. Neste âmbito, torna-se discípulo de Jean-Paul Sartre,
Heidegger e Jaspers.
2.1. A
filosofia existencialista e Aparição:
. “o
homem como um ser para a morte”;
. o
absurdo da morte;
. a
angústia metafísica;
. a
busca do eu essencial;
. a
busca da harmonia interior;
. a transcendência.
A filosofia existencialista e Aparição
A temática da Aparição retoma
a questão da interrogação sobre a existência humana. Ao nível mitológico, ela
aparece, entre outros, patente no mito de Sísifo, filho de Éolo, fundador de
Corinto, que foi condenado a empurrar um rochedo até ao alto de uma montanha,
para, de lá, a atirar para o outro lado do monte. No entanto, a pedra voltava
sempre para trás e todos os dias ele tinha de repetir a tarefa, com o mesmo
desenlace. Neste contexto a pedra simboliza os obstáculos infindáveis com que o
ser humano se depara, não obtendo a resolução definitiva dos problemas que
marcam a sua existência.
O problema no romance Aparição
é o problema do “eu”, que se estende a cada homem. O “eu” pertence a um ser
vivo que, progressivamente, toma consciência de si-próprio; são as diferentes
“aparições” que compõem o processo de descoberta desse ente, cuja dimensão
ultrapassa o plano individual e se situa no plano coletivo: o de todos os
homens, em todas as épocas. Descobrindo o mundo, o Homem foi-se descobrindo a
si próprio e tentou obter respostas. A existência suscitou sempre a sua
reflexão e a constatação da morte inevitável definiu a sua condição e motivou a
sua angústia. Dos vários pensadores que refletiram sobre estas questões, três
marcaram profundamente Vergílio Ferreira: Kierkegaard, Heidegger e Sartre.
Kierkegaard, considerado o fundador do Existencialismo, afirmou que o homem
teria de renunciar a si mesmo para ultrapassar as limitações que a realidade
lhe impõe – no final da obra, é um pouco esta a posição de Alberto Soares: sabe
que nada mais poderá saber. Heidegger, por outro lado, salientou que o Homem só
poderia conhecer-se à medida que existia e focou a angústia metafísica que o ser
humano experimenta perante a ideia da morte. Para este filósofo, a linguagem
constitui uma forma de acesso ao ser – ora, Alberto Soares, através da escrita
(uma forma de linguagem), efetua a demanda do seu “eu” e da sua harmonia
interior, aceitando tranquilamente uma qualquer forma de transcendência que
justifica a existência, apesar de crer na “morte de Deus” (observemos, por
exemplo, a interpretação do dom musical de Cristina, enquanto tocava piano,
como uma manifestação do transcendente). Mas é Jean-Paul Sartre quem teoriza o
Existencialismo, afirmando: “(...) o homem primeiramente existe,
descobre-se, surge no mundo, e só depois se define. O homem, tal como o concebe
o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada.
Só
depois (existindo) será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim,
não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber.”
O Existencialismo ateu baseia-se, assim, nos seguintes princípios:
. a existência precede a essência, ou seja, o
homem primeiro existe e só depois sabe quem é – é o ato de existir que conduz à
descoberta do ser que existe em cada homem;
. ausência de determinismo – o homem é livre; o
seu destino é construído por si mesmo (no mundo) e é independente de qualquer
desígnio divino ou de qualquer outra natureza;
. o homem é responsável por tudo o que faz;
essa responsabilidade estende-se aos outros, uma vez que aquilo que fizer afetará
direta ou indiretamente aqueles que o rodeiam;
. a perceção da realidade é subjetiva, no
sentido em que essa perceção resulta da constatação da própria condição humana
(a perceção objetiva da realidade não é possível, uma vez que o Homem é
angústia e revela necessidades e comportamentos que se prendem com a sua
situação no universo);
. a solidão marca a existência – a liberdade
provoca a solidão (sem deus, sem valores, o homem é um ser só);
. o Homem está condenado a “inventar o homem”,
ou seja, a explicá-lo, de acordo com a sua própria visão da realidade, numa
determinada época.
Então, só e livre, cabe ao ser
humano encontrar razões para a vida, razões para a morte e para o absurdo que
esta representa.
A filosofia existencialista
subverte, pois, a perspetiva tradicional, segundo a qual a essência precede a
existência. O indivíduo aparece, portanto, como um estranho a si mesmo, na
busca de uma unidade que o conduza a uma ideia e a uma definição de si mesmo. O
narrador de Aparição coloca a questão
desta forma: “(...) o que eu sou não tem limites no puro ato de estar sendo,
esta evidência que me aterra quando um raio da sua luz emerge da espessura que
me cobre. E estas mãos, estes pés que são meus e não são meus, porque eu sou-os
a eles, mas também estou neles, porque eu vivo-os, são a minha pessoa e todavia
vejo-os também de cima, de fora, como a caneta com que vou escrevendo...”
(p. 194).
O título da obra remete,
assim, para o sucessivo milagre que constitui cada “aparição” (a palavra
aparece repetida na obra vinte e nove vezes) na descoberta do “eu”.
E os princípios existencialistas
estão presentes na ação do romance: Alberto Soares toma consciência de si
mesmo, existindo; a sua “notícia” consiste, precisamente, no facto de ter
descoberto e querer transmitir aos outros a sua descoberta de que “Deus
gastou-se” – o que significa que o homem é livre e não se encontra, por outro
lado, sujeito a qualquer tipo de determinismo, pelo que será ele o autor do seu
destino; mas não se é apenas responsável pelos seus próprios atos, é-se
igualmente responsável pelos dos outros – Alberto Soares é acusado da morte de
Sofia, através de um telefonema anónimo, pois, na realidade, ele revela a
Carolino algo que este não está preparado para ouvir, motivando, indiretamente,
a sua atitude e a manifestação do seu ato de loucura; finalmente, a solidão e a
angústia marcam as principais personagens da obra, que têm absoluta consciência
do absurdo da sua morte e das limitações que se ligam à condição do ser humano.
No final da obra, o narrador
questiona-se sobre a possibilidade de construção da “Cidade do Homem”; de facto,
a cidade que ele vê, quando dorme, pela última vez, na casa do Alto, é uma cidade
na sua imaginação, votada à destruição pelo fogo, que a personagem alastra, a
partir de uma “queimada”. Essa cidade, Évora, é um microespaço, símbolo do universo,
que deveria ser recriado pelo homem: “O campo arde vastamente, como numa destruição
universal.” (p. 269).
A atitude de Carolino parece ser o
epílogo necessário para provar que é preciso construir um mundo novo, ainda que
a posição do narrador seja pessimista em relação a este facto: “A noite
avança. A minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia
eu que ela devia arder? Acaso será possível construir uma cidade como a
imagino, a Cidade do Homem?” (p. 269).
Na realidade, a Cidade do Homem situa-se no domínio da utopia.