▪ Fusão de todos os tempos no Momento presente:
• O Instante presente é a
congregação de todos os tempos → o presente é o resultado dos
esforços científicos passados e catalisadores dos feitos futuros ‑ “E há Platão
e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas / Só porque houve outrora
e foram humanos Virgílio e Platão, / E pedaços do Alexandre Magno do século
talvez cinquenta, / Átomos que hão ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do
século cem, / Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por
estes volantes…” (vv. 19-23).
• O tempo é um contínuo, e a
civilização, um acumular de saberes e experiências que atravessam o tempo como
uma herança. A máquina de hoje é o resultado de outras invenções do passado: “Canto,
e canto o presente, e também o passado e o futuro, / Porque o presente é todo o
passado e todo o futuro” (vv. 17-18); “E há Platão e Virgílio dentro das
máquinas e das luzes elétricas / Só porque houve outrora e foram humanos
Virgílio e Platão” (vv. 19-20).
• As referências a Platão,
Virgílio, Alexandre Magno e Ésquilo – figuras que representam o passado –
constituem referências a um passado que permitiu a realidade atual e
continuarão a impulsionar as inovações futuras. A menção a essas figuras
concorre, assim, para explicitar a relação entre as diversas eras, valorizando
em cada momento os grandes feitos.
• Ao contrário de outros
futuristas, como Marinetti, que rejeitavam todo o tempo que não o futuro, que
defendiam o apagamento do passado e do presente em relação ao futuro, que seria
«tudo», Campos funde as três eras num só momento, o atual, que, contudo, só
poderá fazer sentido se se apoiar no passado e entrevisto em função do futuro:
“Eia todo o passado dentro do presente! / Eia todo o futuro já dentro de nós!”
(vv. 90-91). De facto, o presente só é possível porque está alicerçado no
passado, na base do qual se apoia a construção do futuro, ou seja, passado e
futuro ganham significação no presente, no Momento (“todo o passado dentro do
presente”; “todo o futuro já dentro de nós” – vv. 222-223).
▪ Identificação com as máquinas
• O sujeito poético procura
identificar-se com as máquinas, identificação essa que se traduz num “amor”
desesperado (“Como eu vos amo… Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato / E
com o tato… / E com a inteligência…” – vv. 86-91).
• Esta identificação com as máquinas
traduz uma atitude sensacionista de ser tudo de todas as maneiras do
sujeito poético, pois quer sentir tudo e identificar-se com tudo, procurando
daí obter o máximo de sensações possível. Ele quer penetrar tudo, ser penetrado
por tudo (“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”).
▪ Perceção do real pelo sujeito poético
• O sujeito poético perceciona o
real baseado no excesso de sensações: “(…) excesso / De expressão de
todas as minhas sensações” (vv. 12-13):
- visuais:
. forma: “Ó rodas, ó engrenagens
(…)”;
. luminosidade: “À dolorosa luz
das grandes lâmpadas elétricas da fábrica” (v. 1);
- cinéticas: “Andam por estas
correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes” (v. 23);
- táteis: “Fazendo-me um excesso
de carícias ao corpo numa só carícia à alma.”;
- auditivas: “(…) r-r-r-r-r-r-r-
eterno.” (v. 5);
- gustativas: “Tenho os lábios
secos (…)” (v. 10);
- olfativas: “A todos os perfumes
de óleos e calores e carvão” (v. 31).
• Comparando com o real de Caeiro,
em Campos a Natureza é substituída pela visão do mundo moderno e
“supercivilizado” (“Em febre e olhando os motores como a uma Natureza
tropical”, “Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável”), com o qual
o sujeito poético estabelece uma ligação estranha, eufórica e exaltada,
caracterizado também por um erotismo frenético e doentio (“Fazendo-me um
excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.”; “Poder ao menos
penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente,
tornar-me passento / A todos os perfumes de óleos e calores e carvões”).
• A visão excessiva e intensa do
real provoca no sujeito poético um estado de quase alucinação marcadamente erótico
que começa a desenhar-se na segunda estrofe (“Em fúria fora e dentro de mim” –
v. 7), intensifica-se na terceira e atinge o clímax na última, conferindo,
assim, ao texto a sua faceta provocatória e escandalosamente futurista.
▪ A temática da infância
Entre os versos 181 e 189, numa estrofe
parentética, Álvaro de Campos retoma um tema comum ao ortónimo e aos
heterónimos - a infância -, que surge mais uma vez como a idade perfeita, um
espaço de liberdade, de não-pensamento, de felicidade, no que se opõe ao
presente. Nos versos citados, a infância surge representada por diversos
elementos: a nora, o quintal, a casa, os pinheiros, o burro - animal
significativo que representa a ausência de pensamento / racionalidade.
▪ Denúncia do lado negativo da civilização industrial
• O «eu» exalta tudo o que
simboliza a modernidade e a era industrial, o que inclui os seus aspetos
negativos: “Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto, / Ao fúlgido e
rubro ruído contemporâneo, / Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?”
(vv. 207-210).
• Assim, ele denuncia:
. a desumanidade;
. a corrupção;
. a mentira;
. a imoralidade e a perversidade;
. a pobreza e a miséria;
. a falta de higiene;
. a hipocrisia;
. os falhanços da técnica
(desastres, naufrágios, desabamentos…);
. a prostituição de menores e a
pedofilia;
. a guerra;
. Campos chega mesma a prever o
fim / a substituição da civilização industrial (vv. 204-206).
• O sujeito poético menciona
também os vários tipos sociais e personagens que caracterizam a era industrial:
comerciantes, vadios, “escrocs”, aristocratas, “esquálidas figuras dúbias”, “chefes
de família”, “cocotes”, “burguesinhas”, “pederastas”, “gente elegante que
passeia”, “caixeiros-viajantes”. Ele revela, assim, o interesse por todas as
realidades que o rodeiam.
▪ Último verso do poema
• O «eu» exprime o seu desejo de
ser múltiplo (“toda a gente”) e omnipresente (“toda a parte” – sentir tudo
de todas as maneiras e identificar-se com tudo. Esta seria a única
maneira de fruir totalmente a maravilha do seu tempo.
• O verso sintetiza a atitude de
deslumbramento em relação às realidades cantadas e com as quais se deseja
fundir.
• Por outro lado, constitui o
reconhecimento da sua impossibilidade, o que leva o «eu» poético a denunciar a
sua frustração, acabando por concluir o poema na mesma situação em que o
iniciou: apenas como observador e cantor épico de uma realidade que lhe é
exterior.
▪ Retrato do sujeito poético
• O sujeito poético canta e exalta
o progresso, a vida moderna, as máquinas, de forma entusiástica, eufórica,
apaixonada e arrebatada.
• Mostra-se, igualmente, espantado
de novidade, louco de emoção, tudo devido à forma maravilhosa e entusiástica
como “observa” o esplendor do progresso e da modernidade, que ama desesperada e
pervertidamente.
• Em simultâneo, revela dor,
sofrimento e um estado febril – tem os lábios secos, arde-lhe a cabeça, está em
delírio e em fúria, agitado interiormente – esta fúria também é psicológica,
uma vez que corresponde à sua agitação interior (“Tenho os lábios secos, ó
grandes ruídos modernos” – v. 10; “E arde-me a cabeça de vos querer cantar com
um excesso” – v. 12; “Em febre e olhando os motores como a uma Natureza
tropical” – v. 15).
• Além disso, revela ansiedade,
angústia e inquietação, pois escreve “À dolorosa luz das grandes lâmpadas
elétricas da fábrica” (v. 1), o que sugere um canto em sofrimento e num estado
de doença (“Tenho febre e escrevo” – v. 2).
• Causas desse estado de
espírito:
- os “excessos” do ambiente em que
se encontra inserido (vv. 12-13);
- os movimentos “em fúria” e os “ruídos”
ouvidos “demasiadamente perto” das máquinas.
• É um sensacionista que pretende
sentir tudo de todas as maneiras e identificar-se com tudo (pessoas, máquinas,
tempos), num misto de volúpia e vertigem, numa histeria de sensações que passa
pela identificação com tudo: “Ah!, poder exprimir-me todo como um motor se
exprime! / Ser completo como uma máquina!”; “Poder ao menos penetrar-me
fisicamente de tudo isto…”.
• No entanto, o «eu» da “Ode
Triunfal” também critica os aspetos negativos da civilização moderna
industrial, mesmo identificando-se com ela.
• Além disso, revela a sua
descrença, o seu desencanto e o seu pessimismo e evoca, com nostalgia e
saudade, a infância.
Análise da "Ode Triunfal"