sábado, 18 de setembro de 2021
terça-feira, 14 de setembro de 2021
Cantigas de amigo: análise e interpretação
Análise da cantiga "Quem a sesta quiser dormir"
Na segunda
cobla, o «eu» lírico relata a sua experiência pessoal. De facto, ele dormiu um
dia naquela cozinha e aí teve a melhor sesta da sua vida desde o dia em que
nasceu, visto que nela não havia moscas por ser muito fria, pois não havia lume
/ não estava acesa nem alimentos para cozinhar.
Na terceira,
o sujeito poético afirma que aquela cozinha, por ser tão fria, é um bom local
para se refrescar o vinho… se alguém o der ao infanção, pois também não existe
bebida em sua casa, visto que não possui dinheiro para o comprar (“e se vinho
gaar d’alguém”).
Através da
hipérbole, criticam-se as condições miseráveis (a falta de dinheiro, a fome,
etc.) em que o infanção vive. Com a comparação, enfatiza-se a excelente sesta
que o sujeito poético fez em casa do infanção e a ausência de moscas, que
provam a falta de lume e de alimentos para cozinhar). Por meio da ironia,
expõe-se a situação económica frágil do infanção.
▪ o nome da pessoa criticada é
omitido;
▪ os recursos
estilísticos usados eram a ironia e as palavras com duplo sentido.
▪ Rima:
- esquema rimático: ababccb;
- rima cruzada nos quatro
primeiros versos, emparelhada no quinto e no sexto e interpolada nos quarto e
sétimo.
domingo, 12 de setembro de 2021
Análise de "Conselho"
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça
Embora
estejamos na presença de uma única quadra, trata-se de uma verdadeira arte
poética, ou seja, um conjunto de princípios que orientam a produção de um texto
poético. A estrofe abre com um conselho dirigido ao «tu» para ser paciente.
Esse conselho assenta no recurso ao modo imperativo («Sê»), que pressupõe a
existência do «tu», do interlocutor do sujeito poético, que recebe a mensagem
deste último e dela extrai ensinamentos sobre a arte de escrever poesia. Deste
modo, é possível concluir que o texto pressupõe uma finalidade didática, visto
que se apresenta como um ensinamento dirigido a todos aqueles que procuram
exercer a atividade poética.
A “explicação”
desse “conselho” é desenvolvida no resto da composição poética a partir do
recurso à metáfora e a nova comparação. Estes recursos estilísticos destacam a
naturalidade que deve estar na origem do texto poético, associado
metaforicamente a um fruto que, depois de amadurecido, se desprende naturalmente
do ramo da árvore. A metáfora do amadurecimento pode também remeter para a
ideia da reformulação / reescrita do texto: o escritor escreve e, depois,
corrige, reformula até encontrar a «versão» que o satisfaça. Por outro lado, a metáfora
e a comparação insinuam também a paciência e a espera que o processo criativo,
o processo de escrita implicam.
sábado, 11 de setembro de 2021
11 de setembro de 2021: 20 anos
Análise do poema "Ver claro"
Este poema de Eugénio de Andrade centra-se na questão poética. Ele tem início com uma afirmação perentória: “Toda a poesia é luminosa” (v. 1). Quer isto dizer que a poesia contém a verdade que lhe é característica; o problema reside no facto de os sentimentos, as emoções ou os preconceitos do leitor (a metáfora “nevoeiro dentro de si”) o impedirem de “ver claro”, ou seja, de compreender o que lê.
Há, porém,
uma solução para essa incompreensão: o contacto contínuo com o texto poético,
ideia traduzida pela reiteração “outra vez”. Esse contacto continuado com a
composição poética, por causa da forma insistente como é feito, acabará por
familiarizar o leitor com os processos característicos do texto poético, o que
fará com que a poesia se torne clara (atente-se na expressividade da hipérbole “ficará
cego de tanta claridade” – v. 10).
Note-se, porém,
que o alcançar dessa luminosidade é apresentado sob a forma de condição,
traduzida pela oração subordinada adverbial condicional presente entre os
versos 6 e 9. Assim sendo, não é certo que o leitor chegue mesmo à compreensão
do texto; pelo menos, se não mantiver o tal contacto ativo e continuado com
ele.
Essa dúvida
permanece no último verso do texto, através do qual o sujeito poético parece
querer abençoar todo o leitor que “viu a luz, a luminosidade” da poesia: “Abençoado
seja se lá chegar”.
Tendo em
conta esta análise, o título do texto torna-se ele próprio claro:
apontará para uma definição de «poesia», dado que remete para o seu principal
objetivo, que passa por observar sem constrições as ideias ou sentimentos
expressos pelo sujeito poético.
Análise do poema "Salmo"
é o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e o vinho breve.
De facto, a
vida é associada a um “bago de uva” que, depois de “macerado / nos lagares do
mundo”, se transforma em «vinho». Note-se que, neste contexto, o vinho
simboliza a vivência humana, nomeadamente a sua brevidade, o seu caráter
efémero.
Por outro
lado, o adjetivo «macerado» (v. 3) remete para a dor e o sofrimento, dado que o
resultado da ação de macerar o bago de uva (a vida) é o seu esmagamento. Não
obstante, “a dor / é vã / e o vinho / breve”, ou seja, a dor e o sofrimento são
inúteis, visto que o resultado da maceração, ainda que aprazível (o vinho), é
breve, não dura muito, graças à passagem veloz do tempo.
Dado que o
poema constitui uma reflexão sobre a vida, o tempo verbal predominante é o
presente do indicativo, que, tendo em conta as ideias expressas no poema,
traduz a importância que o agora, o presente assume.
Relativamente
ao poema, o nome «salmo» refere-se a um hino através do qual se enaltece ou
engrandece algo; no entanto, neste poema, esse significado não se aplica. De
facto, a composição constitui uma reflexão sobre a vida e a sua efemeridade,
pelo que não se afigura como um livro de louvor, mas antes como um desabafo
sobre a temática abordada.
Análise do poema "Testamento", de Alda Lara
Análise de "Perfilados de medo"
Este poema de Alexandre O’Neill está escrito na primeira pessoa do poema, remetendo assim para um universo alargado que inclui o sujeito poético, mas que está para além de si.
Este «nós»
vive num estado permanente de medo, desorientação e passividade, pois
conformou-se com a situação, incapaz de reagir. Esse estado de espírito
justifica-se pelo facto de haver forças que instilam o medo, o oprimem (“dentes
oprimidos”) e perseguem (“pelo medo perseguido”).
A primeira
estrofe assenta na antítese entre medo e coragem. O «nós» apresenta-se
«perfilado» de medo, contudo, ironicamente, agradece esse mesmo medo. Porquê?
Esse sentimento pode ter um lado positivo, pois impedirá que se cometam atos
corajosos de revolta, de insubordinação («loucura»), que poderiam acarretar consequências
graves. Só deste modo se pode compreender o agradecimento pela existência do
medo. Assim sendo, face ao medo, a coragem tem muito pouca valia.
O oxímoro e
a ironia do verso 4 são muito significativos: “e a vida sem viver é mais segura”.
Estes recursos, por um lado, sugerem que a existência do «nós» é uma vida em
que não lhe é permitido viver e ser livre; por outro lado, indiciam que uma
existência sem decisões, sem riscos é mais segura para esse coletivo.
A segunda
estrofe veicula uma visão temporal tripartida: passado, presente e futuro. No
presente, o nós, “Aventureiros já sem aventura”, combate fantasmas. Neste ato,
procura recuperar um estado passado (“Aventureiros”, “do que fomos”) em que não
vivia imerso no medo e pretende preparar um futuro em que viverá sem receio e
com confiança e livre. Os “fantasmas” referidos no verso 7 simbolizam o medo
sentido pelo «nós», mas, no verso 11, são o próprio «nós», ou seja, são as
pessoas, pois não vivem a sua vida: o medo transformou-os em espectros que não
têm existência consoante com o ser humano e os seus atos não têm consequências.
Na terceira
estrofe, o medo em silêncio, com angústia, transforma o «nós» em loucos, em
fantasmas. Ele encontra-se “sem mais voz” e com o “coração nos dentes oprimido”.
Ora, o coração é o espaço dos sentimentos e das emoções (a revolta, o desejo de
liberdade, a coragem, etc.); estando «oprimido», tal significa que as pessoas
estão silenciadas, não têm liberdade de expressão, não podem dizer o que
sentem; assim sendo, de facto, não têm voz.
A última
estrofe apresenta o nós como um rebanho perseguido pelo medo, indiciando que se
trata de um conjunto que perdeu a individualidade. Por outro lado, essas
pessoas perderam o sentido da vida e, apesar de viverem em comunidade (“já
vivemos tão juntos e tão sós”) cada um sente-se isolado.
Outro
recurso destacado no poema é a anáfora presente nos versos 1, 6 e 9 (“Perfilados
de medo”), que reforça a ideia de que o «nós» vive «sem viver», devido ao medo;
vive de forma mecânica, devido ao medo; vive-se a vida em silêncio, sem
questionar a realidade que se «vive», devido ao medo. Em suma, as pessoas não vivem
plenamente, devido (sempre) ao medo.
A
compreensão da mensagem do poema não pode ser desconectada do contexto em que
foi produzido. Com efeito, ele surgiu pela primeira vez na obra Poemas com
Endereço, publicada em 1962, isto é, em pleno regime ditatorial de Salazar –
o Estado Novo, caracterizado por um ambiente de medo, perseguição e opressão
que se abateu sobre o povo português, que viveu décadas sem liberdade, em
constante medo e oprimido pelo tal regime.
Em suma, o
texto revela a oposição do poeta a uma forma de estar medrosa por parte dos
portugueses, por isso podemos considerar que se trata de um panfleto contra o
espírito conformado dos portugueses, que O’Neill abomina.
Formalmente,
o poema é um soneto constituído por 2 quadras e 2 tercetos, num total de 14
versos, todos decassilábicos. A rima é cruzada e emparelhada (de acordo com o
esquema abab / baba / cdc / dcd), consoante (“loucura”/”segura”), pobre
(“combatemos”/”seremos”) e rica (“voz”/”nós”).
Análise de "O seu santo nome"
O título do poema remete para a Bíblia, que, em determinado passo, adverte o crente para não invocar o santo nome de Deus em vão.
Neste caso,
o «santo nome» em causa refere-se ao amor, apresentado como tão divino quanto o
símbolo do sagrado. Assim sendo, não deve ser pronunciado em vão.
Toda a
composição poética assenta na anáfora, uma anáfora de carácter negativo. De
facto, o advérbio de negação que está presente nos versos 1, 2, 3, 4, 5 e 8 estrutura
esta espécie de lição sobre o amor em termos negativos, dado que o sujeito
poético enumera um conjunto de atitudes que não devem ser tomadas face ao
sentimento amoroso, para que o leitor aprenda o comportamento «correto» a
adotar face ao amor.
O primeiro
verso do texto sugere, desde logo, tratar-se de uma palavra sagrada, daí ser
necessário ter respeito por ela: “Não facilite com a palavra amor”. De seguida,
o «eu» poético sugere que é perigosa, fugidia no que diz respeito ao seu
significado, podendo mesmo gerar ambiguidade e complicações para quem a emprega.
Mais do que usar de forma leviana a palavra «amor», o sujeito lírico defende
claramente que, antes, se deve conhecer o seu valor, ou seja, deve saber-se
primeiramente sentir aquilo para que ela remete.
Note-se que
a negação presente no poema é totalmente irónica. De facto, o «eu» adverte o
leitor/tu sobre os perigos do amor, mas acaba por incitar à sua procura, no
contexto de um mundo sem sentido e insensível. Neste seguimento, o último verso
aponta para a necessidade de sentir. O santo nome do amor não deve ser
pronunciado, mas, antes, sentir-se.