segunda-feira, 5 de junho de 2023
Amor de Perdição - Introdução, Capítulos I e X
Análise do poema "Quando, Lídia, vier o nosso outono", de Ricardo Reis
Ao
gosto horaciano, Ricardo Reis usa o plural «nosso» e o vocativo para se dirigir
a uma interlocutora presente em vários dos seus poemas, a sua amada Lídia. O
outono que se aproxima, com tudo o que transporta já de inverno, e esquecido já
do verão, indicia o acentuar da decadência e a proximidade da morte, em
decorrência da passagem inexorável do tempo.
Deste
modo, o amarelecer das folhas tem ainda o tom dourado da vida; já é já o estio,
mas também não é ainda o inverno, a morte. Neste contexto, é preciso aproveitar
cada momento (carpe diem), mesmo que seja o último. O outono simboliza a
decadência, a velhice; o inverno, a morte, e a primavera, o recomeço ou a
renovação. Como esta última já passou, logo não lhe pertence (“… é de outrem” –
v. 4), e o inverno (a morte) se aproxima, o sujeito poético assume que é
necessário que tanto ele como a sua amada reservem “um pensamento (…) para o
que fica do que passa – o amarelo atual”. É visível aqui o autodomínio, a
contenção, o contentamento com o prazer relativo tão característicos da poesia
de Ricardo Reis.
domingo, 4 de junho de 2023
Análise do poema "Segredo", de Miguel Torga
Começando
a análise pelo título, o nome «segredo» remete para algo que não é
divulgado, que é do conhecimento de apenas um ou poucos indivíduos. No caso do
poema, o segredo em questão é aquilo que a personagem – presumivelmente uma
criança – guarda só para si, que apenas ela conhece: a descoberta de um ninho
com um ovo dentro, do qual nascerá um passarinho de quem pretende ser amigo.
É
exatamente isso que anuncia o primeiro verso: “Sei um ninho.” O menino
«descobriu» um ninho, conhece (“Sei”) – atenta-se na diferença entre «sei um
ninho» e «sei de um ninho» – a sua localização, e essa informação é exclusiva
dele. Os versos seguintes expandem a informação relativa a esse segredo: o
ninho contém um ovo, redondinho (o diminutivo sugere a sua beleza e a
perfeição), que, por sua vez, encerra dentro de si um passarinho (de novo o
recurso ao diminutivo afetivo).
O que
torna o ninho tão importante para o sujeito lírico é precisamente o facto de
conter um ovo com uma ave no seu interior. É essa expectativa de uma nova vida
que está prestes a nascer que o entusiasma e desperta em si sentimentos de
carinho, de ternura, de afetividade, indiciados – repita-se – pelo uso do
diminutivo («redondinho», «passarinho»).
A
segunda estrofe mostra-nos a determinação do «eu» em, «egoisticamente», guardar
o segredo só para si, mesmo que alguém, aparentemente, insista com ele para o
revelar: “Mas escusam de me atentar: / Nem o tiro, nem o ensino”. Assim sendo,
vai resistir à pressão para desvendar aos outros o seu segredo e tirar o
ninho, ou seja, resistindo à tentação de retirar o ninho do local onde se
encontra e de revelar a sua localização. De seguida, esclarece os motivos
que estão na base dessa sua decisão. De facto, afirma querer ser «um bom
menino», isto é, deseja agir corretamente, não revelando o ninho e a sua
localização, para o proteger, porque receia que os «outros» lhe façam mal, lhe
mexam, o perturbem, e quer ser amigo do passarinho que vai nascer. É fácil
imaginar que, se o «eu» revelasse o seu segredo, todos a quem o revelasse seriam
picados pela curiosidade de acorrer ao local e «perturbar« o ninho e a avezinha
quando esta nascesse. Por outro lado, o passarinho deixaria de ser o seu amigo
em exclusivo.
Os dois
últimos versos remetem para a liberdade: a avezinha voará pelos céus, espaço
amplo, infindável e sem portões, limites, barreiras, e aí poderá fazer o pino, exatamente
porque será livre para fazer o que quiser, incluindo virar-se de pernas para o
ar.
Este
poema relaciona-se com outro texto da autoria de Miguel Torga, concretamente o
conto “Jesus”: o assunto é o mesmo, isto é, a revelação de uma descoberta por
parte de um menino – um ninho – e a sua atitude de respeito para com o ovo que
contém e a avezinha que irá nascer.
O conto
narra a história de um menino que subiu a um enorme cedro e descobriu nela um
ninho que tinha um ovo. De seguida, deu um beijo no ovo, que, de imediato, estalou
e do seu interior saiu um passarinho. Este texto viu a luz do dia em 1940.
Quinze anos depois, em 1955, nasceu Clara Crabbé Rocha, filha de Miguel Torga,
que escreveu o poema “Segredo”, lembrando-se do conto: o primeiro verso (“Sei
um ninho.”) é uma repetição exata da frase que o menino do conto solta durante
a ceia com os pais.
Ora, o
ninho do poema, numa leitura biográfica, é o lar do escritor, e o ovo com o seu
passarinho é a nova vida que nele existe: a filha. O ovo é redondinho, como a
barriga de uma mulher em adiantado estado de gravidez. E, nos primeiros anos de
vida, os pais são os melhores amigos dos seus filhos, aqueles a quem estes
confidenciam os seus segredos e sonhos. Este pai, por sua vez, deseja a criar a
sua filha em liberdade, fornecendo-lhe asas que lhe permitam voar e fazer o
pino no ar.
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Análise do capítulo II de Os Maias
domingo, 28 de maio de 2023
domingo, 21 de maio de 2023
quinta-feira, 18 de maio de 2023
Tribunal da Relação considera ilegais serviços mínimos aplicados às greves dos professores
terça-feira, 9 de maio de 2023
«”Albertina” ou “O inseto-insulto” ou “O quotidiano recebido como mosca”», de Alexandre O'Neill
Este poema é constituído por oito estrofes: uma oitava, três tercetos, duas quadras e dois monósticos, com rima emparelhada e cruzada e métrica irregular.
O seu tema é a arte poética,
dando-nos conta de um sujeito poético que é poeta e discorre sobre o processo
de criação poética, a inspiração para escrever. Se observarmos o título,
bastante extenso para o que é usual em textos poéticos, observamos que se
relaciona inequivocamente com o tema da composição: a criação poética e a inspiração.
O sujeito poético abre o poema
apresentando-nos o poeta – de forma humorística – sozinho (atente-se na
reiteração da ideia) e à espera. De quê? O «eu» espera por “um minuto que seja
de beleza” (v. 7), isto é, aguarda inspiração (para escrever). Essa espera está
associada a uma certa expectativa, como é visível pela sua postura: “em
abstração” (atente-se na alusão ao nariz e ao ato de dele tirar algo), com os
cotovelos apoiados no tampo da mesa, com a cabeça voltada para baixo. A
metáfora do verso 6 (“Onde o poeta é todo cotovelos”) intensifica a expectativa
em que o «eu» poético está imerso e a demora em encontrar inspiração, um motivo
para escrever, demora essa destacada pela referência ao nome “minutos”
(repetido duas vezes). O último verso da primeira estrofe, uma metáfora (“o
poeta é aos novelos”), iniciado pela conjunção coordenativa adversativa «mas»,
que exprime uma ideia de contraste com o que foi afirmado anteriormente,
anuncia a insegurança e a indefinição que o caracterizam. Essa noção é
desenvolvida na segunda estrofe, novamente anunciada pela mesma conjunção: o
sujeito lírico sente-se inseguro e incapaz de dominar a «musa» (v. 10) que
tantas vezes o inspirou de forma avassaladora: “aquela / Que tantas vezes
arrastou pelos cabelos…” (metáfora). Recordemos que a musa era a divindade que,
de acordo com a mitologia, presidia às artes e às letras, sendo a responsável
pela inspiração dos poetas.
A terceira estrofe coloca-nos perante
uma nova figura: a mosca Albertina. Quem ou o que é ela? A mosca Albertina é um
“inseto-insulto” (v. 13), isto é, algo que o atormenta, que compromete a já
fraca inspiração do poeta. Antes, este tinha-a domesticada, ou seja, a
inspiração surgia-lhe habitual e facilmente, porém, no presente, surge por sua
iniciativa, “como um inseto-insulto, / Mas fingindo que o poeta a esperava…”
(vv. 13-14). Recordemos que o nome Albertina, feminino de Alberto, deriva do
vocábulo germânico “Adalbert”, resultado da junção de “adal” (nobre” e “berth”
(ilustre, brilhante),que significava, portanto, “nobre ilustre, brilhante”.
Por outro lado, Albertina possui uma
dupla faceta: é inseto – mosca – e (quase) mulher. Na qualidade de mosca, ela
incomoda o poeta, como os insetos incomodam os humanos, perturba-o, compromete
a sua inspiração. “Albertina quer o poeta para si, / Quer sem versos o poeta.”
(vv. 16-17). Enquanto mulher, ela sedu-lo, o que quer dizer que, em simultâneo,
Albertina o afronta e seduz. E, apesar do apelo do sujeito poético para que ela
o deixe em paz e, assim, permita que ele se inspire e escreva, mesmo que de
forma imperfeita (“Que eu falhe neste papel” – v. 20), no “papel tão branco e
insolente” – personificação, onde o poeta sabe que existe um verso belo que
está, porém e de momento, ausente, pois falta-lhe a inspiração. O papel está “tão
branco” (atente-se na intensificação sugerida pelo advérbio «tão»), porque a
criatividade e a inspiração não surgem, logo o «eu» não cria, não escreve, e é “insolente”
(personificação), ou seja, o papel é atrevido e desafia-o a escrever.
O apelo intensifica-se no monóstico
correspondente ao verso 22: “ – Albertina! eu quero um verso que não há!...”.
No entanto, o inseto fica-lhe indiferente e, em vez de o inspirar, “Conjugal,
provocante, moreno e azulado”, levanta voo, esvoaça por ali e aterra
insultuosamente na folha de papel em branco. Atente-se na expressividade da
quádrupla adjetivação do verso 23, que acentua a atitude provocatória de
Albertina e sugere a existência de uma relação entre ambos marcada pela
conjugalidade.
Como consequência dessa atitude, que
o leva a abstrair-se ainda mais da criação poética, o poeta “sai de chofre” (v.
27), isto é, repentinamente, e sente-se “desalmado”, ou seja, desinspirado, “por
uns tempos” (v. 27).
À semelhança do que sucede com
vários outros poetas contemporâneos, Alexandre O’Neill reflete, neste poema,
sobre a arte poética, só que neste caso estamos na presença de uma arte poética
invulgar, dado que o ato de criação poética é aparentemente banalizado e
vulgarizado, através do recurso a um tom humorístico que percorre todo o poema,
da atitude do poeta e da forma como encara a inspiração.
Deste modo, Alexandre O’Neill
desconstrói humoristicamente, a imagem do poeta inspirado, desprovido das suas
faculdades de criação poética e nega, em simultâneo, a ideia do poeta como um
ser eleito, inspirado por natureza e produtor infindável e incansável de
poesia.
O processo é descrito num poema que
podemos dividir em três momentos. O primeiro situa-se entre os versos 1 e 11,
no qual o «eu» lírico retrata o poeta que reflete sobre o que escrever,
esperando a inspiração, que tarda. O segundo abrange os versos 12 a 26 e neles
é apresentada e caracterizada a mosca Albertina, que perturba o poeta, que a
tenta repelir, em vão. O terceiro momento diz respeito ao último verso e
retrata a “desistência” temporária do poeta, que abandona o espaço em que se
encontra, desmotivado.