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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O tamparué


Espaço físico de A Sibila

            O espaço físico é relativamente limitado. Centra-se na Quinta da Vessada e zonas limítrofes: Morouços (residência de Estina após o casamento), Água-Levada (residência da tia Balbina e palacete de Elisa Aida), Folgozinho (propriedade do tio José), com algumas incursões ou referências, sempre irónicas, à cidade: casa de João (pp. 122, 193), residência do tio José e das primas (pp. 46-47).
            O ambiente citadino e a forma de vida da burguesia urbana são detestados por Quina. Na cidade habitam os "traidores da ruralidade" – os filhos dos lavradores que tiraram um curso superior e se reconverteram na "raça de proletários que distinguem por si só uma época" (p. 213) e "viviam mais ou menos dos expedientes das suas carreiras" (p. 214).
            O espaço privilegiado é, pois, a Quinta da Vessada, localizada numa aldeia entre Douro e Minho, cenário da vida de Francisco e Maria e, mais tarde, de Quina. E, dentro da Quinta, é a casa, nos sentidos de habitação e património familiar, que domina a história. Cada um dos elementos desse ambiente rural e familiar tem um significado simbólico premeditado. Vejamos como a ação se distribui pelos vários compartimentos da casa:
            Inicialmente, há uma certa dispersão mas, à medida que a ação se desenvolve, o espaço físico sofre uma redução/concentração dramática:
            De notar a antítese permanente entre o espaço rural centrado na Quinta da Vessada, garantia da tradição agrária e familiar, e o espaço urbano para onde emigram os filhos dos abastados lavradores para estudarem e passarem "a viver mais ou menos dos expedientes das suas carreiras". Quina privilegia naturalmente o espaço rural e repudia o espaço urbano, no que parece estar de acordo com o ponto de vista do narrador omnisciente (a autora).

Composição das personagens de A Sibila

. Personagens modeladas:
- Quina;
- Germa.

. Personagens planas:
- Bernardo Sanches;
- Maria da Encarnação;
- Francisco Teixeira;
- Estina;
- Custódio (existe nele, todavia, algo de personagem modelada: não é apenas o tipo do jovem ocioso e marginal,  manifesta  também e inesperadamente uma certa insensibilidade humana);
- a Condessa de Monteros (Elisa Aida Fatonni);
- os irmãos de Quina (Abílio, João e Abel).

Retrato dos irmãos de Quina

            Abílio, João e Abel são vistos pela narradora como o prolongamento do pai. Não é, portanto, de estranhar que as primeiras referências que lhe são feitas sejam negativas e os descrevam em oposição a Quina: fracos, como todos os homens, egoístas e irresponsáveis.

a) -» ABÍLIO:
- loiro;
- muito bonito;
- emigrou para o Brasil com apenas 13 anos, mas regressou rapidamente, doente, "talvez com uma broncopneumonia", acabando por morrer.

b) -» JOÃO:
- caçador;
- não gostava de trabalhar;
- não era gastador;
- casou com uma mulher burguesa, proprietária com pretensões fidalgas, feia e bronca que desagradou muito a Maria da Encarnação;
- vende a parte dos seus bens a Quina e parte para a cidade;
- a sua saída do campo equivale e sair do clã, a renegar a família;
- por outro lado, este ato e a troca dos bens rurais por dinheiro traduzem o seu aburguesamento;
- a vida na cidade é medíocre e João arrepende-se do negócio;
- vive numa situação económica débil;
- torna-se invejoso e ofendido com Quina, por ver enriquecer a irmã e se reconhecer pobre, sentindo-se ludibriado;
- "fraco, conciliador e liberal na fartura";
- carácter sofredor;
- alimenta o seu pessimismo com leituras românticas;
- não tendo filhos legítimos [a mulher era, simbolicamente, estéril, uma espécie de castigo da terra (= fecundidade), traduz o artificialismo e a falta de autenticidade da vida burguesa citadina], em consonância com as suas leituras "românticas", teve dois bastardos de uma criada;
- acaba por ser dominado pela mulher, intelectualmente medíocre, pretensiosa e ridícula, que o torna ainda mais amorfo e irresponsável.

c) -» ABEL:
- não gostava de trabalhar;
- gastador;
- instável;
- amante do luxo e da aventura;
- gostava de frequentar ambientes requintados;
- o gosto pela aventura e pelo luxo, a superficialidade aproximavam-no do pai e, talvez por isso, da simpatia da mãe;
- volúvel e perdulário como o pai, abandonava os seus projetos grandiosos e partia para nova aventura (p. 62);
- casou rico e não era muito exigente com Quina relativamente à quota que esta anualmente lhe devia pagar pela exploração dos bens;
- mantinha na vida e nos negócios o espírito do jogo de azar, como seu pai (p. 88);
- materialista e calculista, dado que Quina não tinha descendentes, duma forma perspicaz e oportunista, induz Germa a ser agradável à tia e ele próprio age de forma que considera adequada (p. 123);
- o seu materialismo, o seu oportunismo e a sua ambição (sinal disso é a caça à herança em que se lança e procura lançar Germa) contrastam com a forma de ser da filha (p. 142);
- preocupado com a herança, inquieta-se com a presença de Custódio, a ponto de discutir com a irmã;
- a sua situação familiar e económica é diferente da de João;
-» em suma, Abel é o mesmo tipo de galante incorrigível, como o pai, mas mais oportunista (pp. 52, 61-62, 88, 123).

Abreviatura de "versos"

(vvv. 30, 31 e 32)
      Seguindo o raciocínio do(a) aluno(a), sempre que queremos abreviar as palavras «verso» ou «versos», deveremos adotar a seguinte regra:
  • 1 verso: v.
  • 2 versos: vv.
  • 3 versos: vvv.
  • 4 versos: vvvv.
     E assim sucessivamente.

Retrato da Condessa de Monteros

CONDESSA de MONTEROS:
* afilhada de Maria da Encarnação;
* casou aos 14 anos com um tio rico regressado do Tucumán onde enriquecera como plantador de cana de açúcar e se fez conde com o título de Fatonni;
* o dinheiro do marido transforma-a numa fidalga:
- viaja (Itália e Constantinopla);
- aprende piano;
- veste bem;
- torna-se bonita;
- vive rodeada de grande luxo;
* adaptada ao luxo e artificialismo da sociedade burguesa, mantém grande simpatia e admiração pelas coisas e pessoas do campo;
* depois da morte do marido, leva uma vida muito recatada:
- passa a viver na província;
- passa muito tempo em casa;
- abandona o brilho e o luxo de outrora;
- torna-se mais humana e natural;
- gosta de falar com Quina e recebe-a frequentemente – é ela que lhe dá o nome de sibila;
* demonstra sempre um desequilíbrio, provavelmente resultante do facto de ser uma pessoa do campo que, repentina  e precocemente, é projetada para uma vida de aristocrata rica (um dos sinais desse desequilíbrio é o facto de insistir muito com Quina para que a visite, para ouvir o seu conselho de sibila,  apesar de nunca a considerar sua igual, marcando sempre as distâncias;
* não volta a casar, possivelmente para poder manter a sua individualidade e independência;
* a vida da cidade desagradava-lhe e finaliza a sua vida rodeada de servidores e de gatos, num isolamento crescente.

As Misteriosas Cidades de Ouro - Episódio 8: "O Novo Mundo"

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Retrato de Custódio

CUSTÓDIO:
* filho do escudeiro da condessa de Monteros e de uma prostituta;
* criado pela condessa, passou, depois da morte desta, para o cuidado de Quina;
* anormal;
* marginalizado pela sociedade;
* violento (gostava de caçar rãs);
* selvagem uma espécie de "bicho do mato";
* na adolescência, torna-se um marginal e delinquente, integrando o bando do Morte, um bando de assaltantes, e chega a roubar a própria Quina;
* possuidor de uma animalidade irracional;
* tende para o isolamento;
* escassa capacidade intelectual;
* manifesta, todavia, alguma sensibilidade:
. quando o Morte e o seu bando são julgados, tendo ele permanecido na obscuridade graças aos companheiros de banditismo, chorou e não comeu durante dois dias;
. o episódio do pombal;
* desempenha uma função importante relativamente a Quina: desperta a sua ternura e o carinho recalcados durante grande parte da sua vida.


Retrato de Estina

ESTINA:
* a primeira filha do casamento era, ao contrário de Quina, bonita;
* teve uma educação cuidada;
* foi poupada à dureza dos trabalhos agrícolas e domésticos;
* preguiçosa;
* frustrada amorosamente por não ter casado com o mestre-escola Luís Romão por insuficiência de dote;
* aceita resignada a situação;
* casa, mais tarde e por conveniência, com Inácio Lucas;
* infeliz conjugalmente, dada a crueldade e violência do marido, que não ama, manter-se-á, todavia, sempre fiel;
* extremamente infeliz e sofredora, por causa das difíceis relações com o marido, da morte dos filhos e da mãe;
* séria;
* pouco comunicativa;
* tem grandes semelhanças com a mãe e a irmã;
* conserva o espírito de clã P. 81);
* não abandona a casa e o marido, não obstante a sua brutalidade e a sua crueldade, culpado da morte de dois filhos, e a opinião da mãe;
* estoica e fria perante a morte.


Retrato de Francisco Teixeira

FRANCISCO TEIXEIRA:
* marido de Maria da Encarnação, "o maior conquistador da comarca", é um homem sedutor e egoísta;
* pouco trabalhador;
* boémio e irresponsável;
* leva a casa à ruína em virtude da vida que tem;
* apesar da sua coragem física e habilidade no manejo do pau, do seu "muito nervo", é psicologicamente um fraco: cede facilmente às lágrimas, aos sorrisos e carinhos de Quina (e de outras mulheres), ao ascendente espiritual de Maria;
* ficará para sempre como o chefe querido e respeitado da família;
-» representa o tipo do romântico sedutor, do homem boémio e irresponsável, a quem nunca sobra tempo para se dedicar ao governo da casa.
            A sua morte, muito chorada por toda a família, ocorreu num momento crítico, em que estava iminente a perda da casa da Vessada. O facto de ainda ser possível evitar essa perda grave do património familiar contribuiu para que, apesar de todos os seus defeitos, Francisco Teixeira ficasse, para sempre, como o chefe querido e respeitado da família.
            O seu comportamento, fazendo da casa apenas pousada e da esposa apenas a mãe dos seus filhos legítimos, irá ter efeitos negativos em Quina:
-» a aversão aos homens, como fonte de ruína económica da família, que leva:
. ao exercício de um poder matriarcal;
. à vaidade;
. à ânsia de prestígio;
-» a frustração do seu casamento com Adão por falta de dote.

Retrato de Maria da Encarnação

MARIA da ENCARNAÇÃO:
- originária de uma família de gente trabalhadora e honesta;
- bela;
- de estatura e temperamento marcadamente femininos;
- dotada de grande força interior, esperança;
- generosa;
- boa dona de casa;
- séria e trabalhadora;
- paciente com as loucuras do marido;
- assume a condução da administração da casa e o trabalho, face à estroinice do marido;
- fiel, recusa sempre culpar  o marido pela vida de boémia e pela ruína a que conduz a casa da Vessada;
- autoritária, destina os trabalhos mais difíceis a Quina, nutrindo uma predileção especial por Estina;
- trata carinhosa e desveladamente Quina durante a doença desta;
- desaprova o casamento de João com uma mulher sem personalidade, que "nem é carne nem é peixe";
- com o envelhecimento, torna-se extremamente ríspida, mas age sempre de acordo com os seus princípios.

Retrato de Bernardo Sanches

           Bernardo opõe-se a Germa, oposição que resulta da diferença de mentalidades, com formações e contactos diferentes. Em Germa foi decisivo o contacto com a realidade do campo e as mulheres da Vessada, enquanto Bernardo permanece sempre o mesmo burguês intelectual. Eis, em síntese, a sua caracterização:
            - neto de Adriana, primo de Germa;
            - burguês intelectual auto-suficiente;
            - espírito fechado;
            - narcisista;
            - novo-rico;
            - snob;
            - gabarola;
            - loquacidade oca e balofa, medíocre;
-» representa o tipo do novo burguês que foge à terra, atraiçoando os ideais rurais.
            O facto de Germa e Bernardo aparecerem em diálogo no início e no fim da obra realça o contraste entre as duas personagens e chama a atenção para um dos vetores da crítica do romance: a negação dos valores autênticos, a desumanização burguesa, os falsos intelectuais. Quer dizer, este diálogo marca o contraste entre uma aristocracia rural prestes a morrer e a burguesia citadina que traiu os ideais da tradição rural.

Retrato de Germa

            Germa é uma personagem fundamental da narrativa, cumprindo uma dupla função: narradora testemunhal, caucionando, pela observação dos factos, grande parte dos acontecimentos narrados, e detentora temática pela sua complexa relação com Quina.
            Germa cresceu numa aprendizagem da vida e das coisas, num processo sob a forma de espiral: recuando no passado, quando regressa ao presente não é a mesma, porque se transformou num processo de aprendizagem em contacto sobretudo com a tia.
            Germa é a sobrinha e herdeira universal de Quina, sujeito virtual da enunciação endodiegética. Toda a obra constitui uma evocação nostálgica e compreensiva de Quina, resultante de uma grande admiração e carinho que se foram desenvolvendo ao longo do tempo.

As Misteriosas Cidades de Ouro - Episódio 7: "O segredo do Solaris"

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Por todos os motivos e mais alguns

"Por estes motivos e mais alguns retomam assim para o acontecimento final em relação à personagem Maria."

Retrato de Quina

            Esta personagem é apresentada em três fases sucessivas e contrastantes.
            Quina é a personagem central de uma família de uma aldeia do norte do país. Nascida numa família onde o relacionamento dos pais era conflituoso, dadas as frequentes aventuras extraconjugais do pai, teve uma infância pouco sadia. Obrigada pela mãe aos trabalhos mais difíceis e duros da casa e das terras, encontrava no pai o seu refúgio, com quem, aliás, estabeleceu mesmo uma espécie de aliança secreta.
            Uma misteriosa e prolongada doença aos 15 anos alterou por completo a sua vida. Rodeada de todas as atenções, de todos os cuidados, inclusive da própria mãe, Quina apercebe-se da alteração e decide tirar todo o partido da situação, desse facto. Por outro lado, o isolamento prolongado da doença permitiu-lhe descobrir as suas capacidades. Curada, é uma personalidade diferente, forte, decidida, empenhada numa dupla missão: reconstruir a casa da Vessada, destruída pelas estroinices do pai e conquistar o prestígio espiritual na sua aldeia. Interpretando a noção do povo sobre a propriedade, dedicou-se por inteiro à tarefa de refazer a casa da Vessada, usando, para tal, toda a sua habilidade, apanhando obliquamente a herança dos irmãos, feirando, comprando e vendendo, enriquecendo rapidamente.
            Não lhe foi difícil, numa aldeia simples, destacar-se e rapidamente alcançar o estatuto espiritual de vidente, conselheira e sibila. Dotada de uma vaidade insaciável, regozijava de satisfação ao ser convidada para a casa dos ricos ou recebendo em sua casa pessoas que lhe pediam conselhos.
            Aos 58 anos de idade, recebe em sua casa Custódio, um menino filho de um escudeiro de Elisa Aida, a personagem que a apelidou pela primeira vez de sibila e que a consultava frequentemente, e de uma prostituta. A adoção de Custódio desperta o seu lado afetivo, adormecido e recalcado. Dedica-se a essa criança, dá-lhe o carinho que não teve, mas rapidamente se deixa dominar por ela. O narrador desnuda-nos, então, a sua alma, os escaninhos da sua consciência, apresentando-nos uma pessoa vulnerável, interesseira, solitária, fiel à noção de propriedade. Continua com o seu forte poder intuitivo, comungando os segredos da natureza. Na sua lenta agonia, Quina vai ouvindo compreensivamente as súplicas de Custódio, apesar do seu primitivismo, rudeza, anormalidade, Revela-se muito tolerante para com a sua instintiva sinceridade, as suas súplicas desajeitadas, a sua caça ao dote. Várias razões se podem encontrar para este comportamento benévolo de Quina:
-» a sensação agradável de se sentir adorada, numa posição de mando, de ter alguém dependente da sua decisão, especialmente naqueles últimos dias de vida;
-» o prazer em sentir-se rogada por um homem, provável compensação para frustração que constituiu o facto de ter sido preterida por Adão em favor de outra rapariga com melhor dote.
            Todavia, as lágrimas e súplicas não a demovem nem a fazem perder a noção do "sangue".
            A sua morte é apresentada como uma entrada triunfal no cosmos. Morre serenamente, não obstante as lágrimas e rogos de Custódio, a insuficiência dos cuidados de Libória, da indiferença da família. Desprende-se do seu comportamento no leito de morte uma sugestão de humanidade, autossatisfação, consciência do dever cumprido e toda a sua vida foi um combate cheio de astúcias e mediocridades, mesquinhez e baixezas, sonhos e frustrações, algumas derrotas e muitas vitórias.

            Mas Quina não foi uma verdadeira sibila, apesar de possuir traços comuns com as sibilas de Apolo:
- o facto de ser a guardiã da sua casa;
- o facto de ter por herói o pai, o seu Apolo;
- o facto de possuir um discurso sentencioso e sibilino;
- o facto de possuir um poder medianeiro, interferindo na vida e ações das pessoas e captando os segredos da existência;
- o facto de entrar, por vezes, em êxtase.

            Mas porque é que não foi uma autêntica sibilina? O narrador apresenta-nos frequentemente as razões:
* o apego ao triunfo imediato, às coisas terrenas (o materialismo);
* a sua insaciável vaidade;
* as suas intrigas mesquinhas.

            Outra das questões interessantes é o facto de Quina não ter casado. As razões de tal ato são também claras:
- a ideia negativa dos homens, tomando como exemplo o comportamento do pai;
- reservando um intenso carinho e amor pelo pai, mantém com ele uma aliança secreta;
- gostava muito mais de ser admirada do que de servir;
- o casamento limitaria o seu desígnio de aumento do património e da riqueza;
- embora sendo uma mulher e ligada ao clã feminino da casa, age como um homem, recalcando a sua feminilidade;
- considera-se superior ao homem, um ser inferior, e, portanto, não poderia jamais submeter-se-lhe.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Delimitação da ação de A Sibila

            Narrativa fechada:
-» Quina, a protagonista, morreu;
-» Germa, encarregada de continuar as tradições familiares, pressente uma grande dificuldade, ou quase impossibilidade, de cumprir a sua missão, sobretudo no que ela tem de legado espiritual;
-» relativamente ao legado material, a casa da Vessada aparece, no final, já em ruínas após a morte de Quina;
-» os membros da família foram morrendo, restando apenas Germa e a sua difícil missão.

            Narrativa aberta:
-» ao concluir-se esta narrativa, podemos imaginar o início de uma nova narrativa, onde Germa e o seu tempo se revelarão: "Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila..." (p. 249).

Estacionamento para mortos


Ações secundárias de A Sibila

            A obra aparece-nos como um conjunto de histórias que se vão acumulando, narradas por alguém que só diz delas o que quer e quando quer. A ação central é continuamente interrompida por uma série de pequenas histórias narradas pelo narrador omnisciente, que servem para caracterizar ambientes e personagens. Estas pequenas histórias surgem desordenadamente, frequentemente fora da sequência lógica do tempo, não se vislumbrando uma estruturação lógica da intriga. A grande atenção da narradora está em transmitir o pormenor quer da paisagem, quer do aspeto e atuação das personagens (seu vestuário, seu modo de vida, suas reações somáticas) de modo a captar o seu universo psicológico. Daí o facto de muitas delas serem interrompidas para voltarem a ser retomadas posteriormente.

            Uma das formas de agrupar as várias ações secundárias é com base na sua funcionalidade.

            a) Ações que se relacionam com Quina, personagem central, desvendando as suas características psicológicas e as suas relações com os outros:

            "Quina tornou-se, então, dum grande interesse para ela, e mandou chamá-la. (...)
            - Ora viva a Sibila! - disse, com mais riso na voz do que nos lábios. (...) Dirigiu-se a Quina como se se tratasse duma velha amiga perante a qual as cerimónias nem lembram e são supérfluas.
            - É maluquice minha, mas eu queria que me dissesse uma coisa: se alguém a ofendesse muito, perdoava, retribuía ou esquecia?
            - Perdoava a uma criança, retribuía a uma mulher; tratando-se de um homem, esquecia.
            - Ah! - Com um certo pasmo, a condessa fitou Quina. Começava a respeitá-la, antes mesmo de a ter entendido.
            - Acha então?! (...)
            - Ah, Joaquina Augusta - disse ela dando-se à canseira de se fingir pensativa -, haverá muita gente assim, pelo mundo? É que diz palavras de iluminada, como se só contasse um chiste.
            - Doutra maneira, quem me ouvia?" (pp. 76-77)


            b) Ações que se relacionam com as personagens secundárias, mostrando a sua caracterização psicológica e o seu comportamento e relacionamento:

            "- Ela já morreu - dizia. - Antes de hoje e há muito tempo que ela estava morta. Já a pariste morta, porque as tuas entranhas são amaldiçoadas. Quando viste os teus filhos estendidos numa tábua em cima da cama, não choraste uma lágrima que enchesse um dedal; porque também tu estás morta, e os teus frutos são uma desgraça. (...)
            Tossia e gritava, e as patadas das tuas botas reboavam pela casa. - Se a menina não aparecer, se ela não vier ter aqui, trazida pelos anjos e pelos diabos, e sem que um pico de tojo lhe tenha arranhado a pele, abro uma cova no quinteiro e enterro-te lá. Ouves?
            - Ela não torna a aparecer - disse Estina, debilmente. (...)
            - Não? - E ele vacilou na sua cólera." (p. 117)


            c) Ações que nos fornecem imagens do ambiente social onde se insere a protagonista:

            " Porque acontecera ser o sétimo rapaz duma família, fora batizado com o nome de Adão, para evitar assim o correr do fado, ou seja, ficar condenado a vadiar de noite, transformado em bácoro, ou cavalo, ou bode, ou toiro, em cujo rasto espolinhado se espojasse. Ah, e então apenas uma labareda, à meia-noite, consumindo-lhe as roupas que abandonou, um espinho ou um chuço ferindo o bicho que corre desabaladamente pelos atalhos, podem quebrar o encanto! Melhor é chamar, pois, Eva às quintas ou sétimas filhas e que Adão sejam os infantes todos que venham perfazer esses fatídicos números." (p. 40)


            d) Ações que contêm elementos temáticos que constituem o substrato ideológico da obra:

            "- Olha que o teu homem dorme com essa moça - prevenira Narcisa Soqueira, avisada como era em intrigas de harém provinciano. (...)
            - Cantês! - disse Maria, com a sua secura habitual. (...)
            Uma tarde, não muito depois disto, quando a merenda já fora servida e a moça se preparava para arrumar as camas que às vezes até à noite se faziam, Maria despediu-a também para o campo. Fazia muito calor. A sala, que era ao mesmo tempo quarto de dormir, tinha aberta as portadas da varanda. Da eira subiam cepas que tinham ganho corcovas, o jeito dos ferros que enlaçavam. Foi um desses pés de videira, cuja casca, já velha, desfibrava, que Francisco usou para trepar, disposto a representar com rigor a cena do balcão. Maria que, inclinada sobre a cama, lançava a ponta da coberta contra a parede, sentiu-se abraçada pela cintura; umas suíças loiras roçavam-lhe o rosto. Ela endireitou-se sem muita pressa, disse, com uma indiferença que era como uma chicotada:
            - Como te enganaste!" (pp. 34-35)

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