Português: Retrato de Quina

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Retrato de Quina

            Esta personagem é apresentada em três fases sucessivas e contrastantes.
            Quina é a personagem central de uma família de uma aldeia do norte do país. Nascida numa família onde o relacionamento dos pais era conflituoso, dadas as frequentes aventuras extraconjugais do pai, teve uma infância pouco sadia. Obrigada pela mãe aos trabalhos mais difíceis e duros da casa e das terras, encontrava no pai o seu refúgio, com quem, aliás, estabeleceu mesmo uma espécie de aliança secreta.
            Uma misteriosa e prolongada doença aos 15 anos alterou por completo a sua vida. Rodeada de todas as atenções, de todos os cuidados, inclusive da própria mãe, Quina apercebe-se da alteração e decide tirar todo o partido da situação, desse facto. Por outro lado, o isolamento prolongado da doença permitiu-lhe descobrir as suas capacidades. Curada, é uma personalidade diferente, forte, decidida, empenhada numa dupla missão: reconstruir a casa da Vessada, destruída pelas estroinices do pai e conquistar o prestígio espiritual na sua aldeia. Interpretando a noção do povo sobre a propriedade, dedicou-se por inteiro à tarefa de refazer a casa da Vessada, usando, para tal, toda a sua habilidade, apanhando obliquamente a herança dos irmãos, feirando, comprando e vendendo, enriquecendo rapidamente.
            Não lhe foi difícil, numa aldeia simples, destacar-se e rapidamente alcançar o estatuto espiritual de vidente, conselheira e sibila. Dotada de uma vaidade insaciável, regozijava de satisfação ao ser convidada para a casa dos ricos ou recebendo em sua casa pessoas que lhe pediam conselhos.
            Aos 58 anos de idade, recebe em sua casa Custódio, um menino filho de um escudeiro de Elisa Aida, a personagem que a apelidou pela primeira vez de sibila e que a consultava frequentemente, e de uma prostituta. A adoção de Custódio desperta o seu lado afetivo, adormecido e recalcado. Dedica-se a essa criança, dá-lhe o carinho que não teve, mas rapidamente se deixa dominar por ela. O narrador desnuda-nos, então, a sua alma, os escaninhos da sua consciência, apresentando-nos uma pessoa vulnerável, interesseira, solitária, fiel à noção de propriedade. Continua com o seu forte poder intuitivo, comungando os segredos da natureza. Na sua lenta agonia, Quina vai ouvindo compreensivamente as súplicas de Custódio, apesar do seu primitivismo, rudeza, anormalidade, Revela-se muito tolerante para com a sua instintiva sinceridade, as suas súplicas desajeitadas, a sua caça ao dote. Várias razões se podem encontrar para este comportamento benévolo de Quina:
-» a sensação agradável de se sentir adorada, numa posição de mando, de ter alguém dependente da sua decisão, especialmente naqueles últimos dias de vida;
-» o prazer em sentir-se rogada por um homem, provável compensação para frustração que constituiu o facto de ter sido preterida por Adão em favor de outra rapariga com melhor dote.
            Todavia, as lágrimas e súplicas não a demovem nem a fazem perder a noção do "sangue".
            A sua morte é apresentada como uma entrada triunfal no cosmos. Morre serenamente, não obstante as lágrimas e rogos de Custódio, a insuficiência dos cuidados de Libória, da indiferença da família. Desprende-se do seu comportamento no leito de morte uma sugestão de humanidade, autossatisfação, consciência do dever cumprido e toda a sua vida foi um combate cheio de astúcias e mediocridades, mesquinhez e baixezas, sonhos e frustrações, algumas derrotas e muitas vitórias.

            Mas Quina não foi uma verdadeira sibila, apesar de possuir traços comuns com as sibilas de Apolo:
- o facto de ser a guardiã da sua casa;
- o facto de ter por herói o pai, o seu Apolo;
- o facto de possuir um discurso sentencioso e sibilino;
- o facto de possuir um poder medianeiro, interferindo na vida e ações das pessoas e captando os segredos da existência;
- o facto de entrar, por vezes, em êxtase.

            Mas porque é que não foi uma autêntica sibilina? O narrador apresenta-nos frequentemente as razões:
* o apego ao triunfo imediato, às coisas terrenas (o materialismo);
* a sua insaciável vaidade;
* as suas intrigas mesquinhas.

            Outra das questões interessantes é o facto de Quina não ter casado. As razões de tal ato são também claras:
- a ideia negativa dos homens, tomando como exemplo o comportamento do pai;
- reservando um intenso carinho e amor pelo pai, mantém com ele uma aliança secreta;
- gostava muito mais de ser admirada do que de servir;
- o casamento limitaria o seu desígnio de aumento do património e da riqueza;
- embora sendo uma mulher e ligada ao clã feminino da casa, age como um homem, recalcando a sua feminilidade;
- considera-se superior ao homem, um ser inferior, e, portanto, não poderia jamais submeter-se-lhe.

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