Português: O estilo de Admirável Mundo Novo

sábado, 7 de setembro de 2019

O estilo de Admirável Mundo Novo


            A obra é escrita num estilo detalhado e sem emoção, fazendo as tecnologias parecerem plausíveis e as personagens lamentáveis. Embora a maioria da trama se concentre num punhado de personagens, o livro começa com uma explicação detalhada dos processos de incubação e fertilização do Estado Mundial, com pouca descrição das próprias personagens. O diretor, que descreve o mundo em que estamos prestes a entrar, continua a ser uma figura vaga: “Velho? Jovem? ... Era difícil dizer ... não lhe ocorreu perguntar.”. Huxley raramente inclui descrições físicas das personagens, reforçando a sua permutabilidade e falta de identidade pessoal. Quando detalha a aparência de uma personagem, a sua aparência é geralmente desagradável: Bernard é baixo, fraco e pouco atraente; Lenina tem olhos e gengivas roxas, e Linda é "monstruosa". Esse estilo de descrição desapegado e levemente repugnado faz com que as personagens pareçam patéticas e mina o sentido de Estado Mundial como um lugar agradável para se viver.
            Huxley saltita entre cenas e repete frases para destacar o contraste entre o que as personagens pensariam se tivessem livre-arbítrio e o que elas são condicionadas a pensar pelo Estado Mundial. Nos primeiros capítulos, ele justapõe cenas de Lenina e Fanny discutindo as suas vidas sexuais com frases curtas que descrevem a história do Novo Mundo e os seus avanços científicos. Isso lembra ao leitor que o Estado Mundial, apesar de parecer um monólito de progresso, é composto por indivíduos que ainda mantêm algum relacionamento com pessoas reais. Huxley também inclui muitas das frases programáticas que os cidadãos do Novo Mundo ouviram durante o sono, um processo chamado hipnopédia. Ditos como “um grama é melhor que um maldito” (“a gramme is better than a damn”), “terminar é melhor que remendar” e a letra da música “Abraça-me até me drogares, querida” são repetidos ao longo do livro, imitando a maneira como esses slogans penetram no cérebro das personagens. As frases têm uma qualidade de canção que lembram as rimas infantis que os leitores já conhecem. A suavização de conceitos sinistros, como lavagem cerebral e engenharia genética, talvez seja melhor vista na frase "orgy-porgy", que Huxley inventa para descrever uma orgia literal que combina adoração religiosa com promiscuidade sexual.
            O romance também contém muitas referências a Shakespeare, incluindo citações de várias peças, comparando as preocupações futuristas das personagens do livro e as lutas humanas atemporais retratadas pelo dramaturgo séculos atrás. O romance vai buscar o título à linha de A Tempestade, onde Miranda, que foi protegida dos outros seres humanos, diz: “Ó admirável mundo novo, que tem pessoas assim!”. Huxley modelou Admirável Mundo Novo por A Tempestade, e cita essa obra ao longo do livro, bem como Macbeth, Hamlet e Otelo. A certa altura, John lê o poema de Shakespeare "A Fénix e a Tartaruga" a Helmholtz, que desespera por escrever poesia com significado e emoção reais. As muitas referências a Shakespeare servem para sublinhar a falta de sentido da linguagem para transmitir emoções reais no Estado Mundial. As palavras e frases do Estado Mundial são propaganda, na medida em que não contêm verdade real, e são ferramentas de repressão ao invés de iluminação. Shakespeare, por outro lado, representa o maior potencial de comunicação da experiência humana. Bernard não consegue identificar a diferença entre o jargão de Shakespeare e o Novo Mundo – "É apenas um hino de serviço de solidariedade", diz ele, depois de John recitar o poema – marcando-o como menos sensível à sua própria humanidade do que John ou Helmholtz.

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