São Luís do
Maranhão foi tomado aos franceses em 1615. O seu território estendia-se pelas
duas margens do Amazonas, até às indefinidas fronteiras do Peru. O estado do
Maranhão, independente do do Brasil, foi oficialmente criado em 1621. Integrava
duas grandes capitanias-gerais: a do
Pará, com sede em Belém do Pará, e a de São Luís do Maranhão, que era a capital
de todo o estado.
Ainda em 1662,
depois da partida do Padre Vieira, apenas algumas centenas de portugueses,
menos de um milhar, povoavam essa imensa região. Todos eles viviam do trabalho
dos índios, em grandes fazendas auto-suficientes. Algumas produções, sobretudo
o açúcar e o tabaco, constituíam o grosso das exportações para a metrópole,
que, em troca, enviava artigos manufacturados. O tecido de algodão era a moeda
corrente.
Exploravam-se os
índios como trabalhadores “livres” ou como escravos. No primeiro caso, eles
dependiam das autoridades reais; no segundo, eram, na sua maior parte, propriedade
privada dos colonos ou moradores. Geravam-se conflitos, por vezes sangrentos,
entre os moradores e os funcionários do rei, já que ambos os campos pretendiam
apoderar-se do maior número possível de índios. O rei devia arbitrar esses
conflitos tendo em conta que o auxílio e a boa vontade dos índios eram
indispensáveis à defesa da soberania portuguesa contra os holandeses, que
continuavam a dominar ao norte do Brasil, e ainda à expansão em direcção ao
Peru.
Para esta tarefa,
o rei contava com o precioso apoio das ordens religiosas. Depois de uma breve
experiência dos jesuítas, em 1642 as missões são confiadas, em todo o
território, aos franciscanos. Estes deparam, por volta de 1636, com o seu próprio
fracasso, em boa parte devido ao facto de, não querendo ou não podendo explorar
o trabalho dos índios, terem de se contentar com uma doação real que, além do
mais, não lhes era entregue com a devida regularidade. Defrontavam, ainda, como
adversários, alguns dos jesuítas que se tinham deixado ficar sob a direcção do
Padre Luís Figueira.
Depois do
fracasso dos franciscanos, os jesuítas preparam uma grande investida missionária
e obtêm, em 1643, a exclusividade das missões do Maranhão. Segue de Lisboa uma
missão, dirigida pelo Padre Figueira, mas a maior parte dos seus elementos
perecem num naufrágio na costa da ilha de Morajó.
No que respeita
ao estatuto jurídico dos índios em todo o Brasil, sucediam-se leis
contraditórias, num movimento pendular, desde a de 1570, que havia proibido a escravidão
dos índios. Mais recentemente, a lei de 30 de junho de 1607 estabelecera a
igualdade de direitos entre os índios e os portugueses; mas uma outra, de 10 de
setembro de 1611, estabelecera a escravatura dos índios feitos prisioneiros em
guerra “justa”, assim como a dos índios encontrados em vias de serem mortos por
outros índios (índios de corda), sendo o tempo desta última espécie de
escravatura limitado a dez anos. Inspirada pelos jesuítas, a lei de 1609 punha
todos os índios sob a administração e protecção dos padres. Em contrapartida, a
de 1611 colocava as aldeias de índios “livres” sob o governo de administradores
laicos, chamados capitães, que tinham o encargo de repartir pelos colonos a
mão-de-obra índia. Tal era a lei quando o novo estado foi criado.
A lei promulgada,
regulando a liberdade dos índios e suas restrições, foi sofismada até sua quase
completa inutilidade. O Padre Vieira, reconhecendo-a, ineficaz, enquanto não
fosse evitada a intervenção civil na cristianização e civilização dos selvícolas,
pela entrega do seu governo exclusivamente aos seus párocos, procurou obter a
assinatura de todos os principais da cidade de S. Luís, afetos à Companhia,
para uma representação a dirigir ao rei. Logo que os colonos tiveram do caso
conhecimento, houve celeuma breve, e é em tal momento que a pugnacidade de
Vieira atira do alto do púlpito, contra os inimigos da sua política indígena,
os dardos tão brilhantes como percucientes desta sátira. A causticidade da
ironia, a expressividade dos símbolos, o poder de observação no descritivo, com
trechos de imperecível beleza clássica, o relevo, o brilho, a graça da
linguagem, até a própria orgânica do sermão – primeiro a alegoria da vida
colonial em conjunto, depois as várias alegorias representando em várias
espécies de peixes os vários tipos de colonos mais susceptíveis de caricatura,
tudo na peça é de novidade impressionante.
Em suma, é dentro
do contexto das lutas que opõem os jesuítas e os colonos, por causa da exploração
desumana dos indígenas, que Vieira , defensor dos seus direitos e da abolição
das leis que os tornavam cativos, profere este discurso. Tentou comunicar, por
cartas, a D. João IV a situação que se vivia no Brasil, à qual se seguiram
outras. Foi por não ver sucesso nesta sua empresa que embarcou para Lisboa a 14
de junho de 1654, para colocar o rei ao corrente de tudo. Aproveitando o facto
de 13 de junho ser, no calendário litúrgico, o dia de Santo António, pronunciou
o Sermão de Santo António aos Peixes, que deixou enraivecidos os
colonos.
Em Lisboa, após
uma viagem atribulada, tentou alterar as leis, de forma a limitar o poder dos
colonos sobre a exploração dos índios.
Finalmente, em abril
de 1655, conseguiu que fosse dada a «exclusividade da faina das missões» aos
jesuítas. Daí que uma das temáticas do Sermão de Santo António seja a denúncia
das atrocidades que os índios sofriam às mãos dos colonos portugueses.
Toda a crítica assenta na utilização da alegoria,
pois os símbolos simbolizam os vícios dos homens.
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