● Assunto: chegada de Manuel de Sousa com a decisão de partir,
com a família, para o palácio de D. João, em virtude de os governadores castelhanos
quererem hospedar-se no seu palácio.
● Estrutura
interna da cena
▪ 1.ª parte – Chegada de Manuel de Sousa decidido a abandonar
o seu palácio.
A chegada de Manuel de Sousa não seria, só por si,
um acontecimento imprevisto, se não fossem certas circunstâncias presentes (as
desta cena até ao final do ato) e passadas, como, por exemplo, a sua demora em
Lisboa para além do que prometera a D. Madalena: «prometeu de vir antes de
véspera e não veio; que é quási noite, e que já não estou contente com a
tardança” (I, 3). A hora de véspera correspondia às seis horas da tarde; “quási
noite”, em agosto, seria pelas nove. D. Madalena presume a ocorrência de
impedimentos graves, para Manuel de Sousa faltar à palavra dada. Manda, por
isso, chamar Frei Jorge, o qual a põe ao corrente do que lhe “mandaram dizer em
muito segredo de Lisboa”: os governadores, para fugirem à peste, resolveram vir
para Almada e escolheram o palácio de Manuel de Sousa para “aposentadoria”.
▪ Caracterização
de Manuel de Sousa:
. nobre;
. agitado e nervoso: mover-se em várias direções e dá
ordens a diferentes personagens;
. autoritário: “Façam o que lhes disse”;
. decidido e determinado: “nós forçosamente havemos
de sair antes de eles entrarem”;
. caráter inflexível;
. precipitado;
. audaz e corajoso;
. culto, de acordo com o seu estatuto social: o uso
do latim «mea culpa» e «pecavi»;
. belo e nobre, qualidades que, aliadas à
inteligência e à cultura universitária, o tornam invejado pelos poderosos.
Manuel de Sousa informa as outras personagens da sua
decisão de saírem daquela casa, naquela mesma noite, antes da chegada dos
governadores. Tenso e inquieto, mostra-se revoltado e indignado porque os
governadores ao serviço de Espanha querem hospedar-se no seu palácio e ele,
como patriota, opõe-se a esse propósito. A resolução imperativa e irremediável está
presente nesta fala: «É preciso sair desta casa, Madalena”. Ora, a
expressão «é preciso» marca a fatalidade, combinada com a irreversível
imediatez do advérbio: «sair já».
Por outro lado, a casa é o edifício, mas também o símbolo da família, a
própria família. Parece que o Destino fala pela boca de Manuel de Sousa, que
lhe vai pegar na palavra, a ele que pensa agir apenas pelo patriotismo e na
qualidade de senhor da sua própria casa, para o empurrar, numa autêntica
reviravolta da Fortuna, para uma situação equívoca, em casa alheia.
▪ Tempo
Partindo das informações contidas na cena, podemos
concluir que a ação decorre pelas oito horas do dia 28 de julho de 1599, de
noite: “É noite fechada.”; “são oito horas”.
A mudança do «fim da tarde» para «noite fechada»
está de acordo com o que vai acontecer, quer na família, quer no palácio;
neste, permite um final espetacular e simbólico.
▪ 2.ª parte – Reações das personagens à decisão de Manuel de
Sousa.
. Madalena:
- inquieta;
- receosa;
- preocupada;
- pressente desgraças;
- procura chamar o
marido à razão e demovê-lo, temendo a vingança dos governadores.
. Maria:
- orgulhosa;
- contente;
- vibrante;
- apoia totalmente o pai.
. Frei Jorge:
- mediador de
conflito (concordando com D. Madalena, aconselha prudência; concordando com
Manuel, aceita a mudança de morada;
- assume a função
de coro, aconselhando as personagens.
▪ 3.ª parte – Decisão de mudar a família para o palácio de
D. João de Portugal.
Esta mudança é absolutamente necessária ao
desenrolar dos acontecimentos, dadas as circunstâncias. A Fatalidade parece
falar pela boca de Manuel (“… a única parte para onde poderemos ir…”): aquela
era, de facto, a única saída, a única alternativa, perante o aperto em que as
personagens parecem encurraladas.
▪ Postura
e retrato de Manuel de Sousa
Ao longo da cena, a postura e o estado emocional de Manuel de Sousa alteram-se. Inicialmente,
mostra-se agitado e nervoso, mas, à medida que a cena se desenrola, vai ganhando
tranquilidade, para não assustar a mulher e a filha, mas mantém a decisão e a
determinação de agir e com rapidez.
Manuel de Sousa, quer no discurso quer nas ações,
mostra-se um homem honrado, patriota, valente e corajoso, ao enfrentar e
insurgir-se contra o poder espanhol, pretendendo dar-lhe uma lição exemplar (a
eles e a “este escravo deste povo que os sofre”), pois essa rebeldia poderia
acarretar uma punição severa. Assim sendo, essa coragem vive de mãos dadas com
o patriotismo e a defesa da liberdade. De facto, quando se recusa a acatar as
ordens dos governadores, mostra que não aceita o domínio filipino e a união com
Espanha. Como não pode agir a nível nacional, decide fazê-lo a título
particular, a nível da sua casa.
▪ Reação
das personagens
A reação das personagens é novamente diferenciada:
- Maria: exulta com
a decisão do pai, que apoia, elogiando o seu patriotismo;
- Frei Jorge: apoia
também a decisão, mas aconselha o irmão a ser prudente;
- D. Madalena: a
reação desta personagem varia ao longo da cena. Assim, no início mostra-se
inquieta com a decisão do marido, alertando-o para as consequências de atos
imoderados, temendo a reação dos governadores. Porém, quando fica a saber que
Manuel de Sousa quer mudar a família para o palácio de D. João, fica apavorada,
como se pode constatar pela sua linguagem repleta de reticências, pausas,
interrupções, hesitações, repetições (“Ouve… ouve…”) e no pedido para ficar só
com o marido na tentativa de o demover. De facto, inicialmente, controla o
pânico, com dificuldade, para não atemorizar a filha, por isso espera que esta
saia para reagir. As razões dos eu terror são óbvias e plenamente justificadas.
▪ Dimensão simbólica da atitude de Manuel
de Sousa
As atitudes de Manuel de Sousa são de antipoder.
Tendo em conta que, em 1844, ano da publicação de Frei Luís de Sousa,
Portugal era governado pela ditadura de Costa Cabral, o gesto de revolta da
personagem pode simbolizar (e assim foi entendido na época, por isso o poder
vigente proibiu a representação da peça) a revolta contra esse governo
cabralista.
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