● A aia
1. Caracterização
2. Crenças – Conceção de vida e
de morte
A aia é
crente, pois acredita na vida depois da morte, o que a ajuda a superar /
aceitar essa perda: “Pertencia, porém, a uma raça que acredita que a vida na
Terra se continua no Céu.” Além disso, para ela o Céu reproduz a estrutura
social existente na Terra, mantendo o rei e os seus súbditos a hierarquia
vivida na Terra: “O rei seu amo, decerto, já estaria agora reinando num outro reino, para além das
nuvens, abundante também em searas e cidades. O seu cavalo de batalha, as suas
armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas. Os seus vassalos, que
fossem morrendo, prontamente iriam nesse reino celeste retomar em torno dele a
sua vassalagem.” Deste modo, a morte do rei não representa um fim definitivo,
mas apenas uma transição para outro reino, onde continuará a reinar, de modo
semelhante ao que fazia em vida, o que reflete a sua crença na vida após a
morte, onde as relações e hierarquias se manteriam intactas.
Deste
modo, quando chegar o dia da sua morte, espera reencontrar o rei, seu senhor, e
continuar a desempenhar o seu papel de serva, retomando o seu trabalho de
fiação e preparação de perfumes, repetindo as ações realizadas em vida. O Céu é
uma continuação idealizada e eterna do que ela já conhece, numa espécie de
servidão eterna: “… e feliz na sua servidão”.
● Linguagem
A
linguagem do parágrafo pertence, em parte, ao domínio do religioso e do
sagrado, para transmitir, desta forma, as suas crenças.
A comparação
“Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto…” enfatiza
o facto de a aia ter chorado copiosa e sentidamente a morte do seu rei, mais do
que qualquer outra pessoa.
O eufemismo
“O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas.” Suaviza a morte dos pajens, o que está de acordo com as crenças da
aia num mundo para além da morte. Por outro lado, traduz a convicção da aia na
vida no céu enquanto réplica da vida na Terra. De facto, para a serva, o céu
reproduz a estrutura social terrena, mantendo o rei e os seus súbditos a hierarquia
vivida na Terra. Esta crença envolvia os próprios animais e os objetos (cavalos
e armas).
Face ao
exposto, é evidente a antítese entre vida e morte, que, neste caso, não
são abordadas como opostos, mas como continuidade, o que anula o contraste. A
morte do rei constitui uma tragédia pessoal e coletiva e é chorada como tal,
porém, para a aia, não constitui um fim definitivo, antes uma transição para
outra forma de existência que, na prática, consiste na continuação da ordem
social e do papel da aia existentes na Terra.
Relativamente
à adjetivação, a presença de adjetivos como “grande [rio]” e “[reino]
celeste” realçam a grandiosidade e o sentido trágico da morte, ao mesmo tempo
que evidenciam a dimensão quase mitológica do evento.
● Elementos simbólicos
O uso de
símbolos é constante ao longo do conto, como sucede também neste parágrafo, no
qual se destacam os seguintes, alguns revisitados:
a) o “grande
rio” onde o rei encontrou a morte simboliza a passagem da vida para a morte;
b) o raio de lua descreve a
ascensão da aia ao céu mágico;
c) o cavalo
de batalha, as armas e os pajens simbolizam o poder do rei e a hierarquia
social existente no reino, que se conservarão no Além.
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