Português: 08/01/2025 - 09/01/2025

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Resumo do conto "A lenda das cruzes caiadas"

     O conto fala do avô Tonho, que morou sozinho na sua casa durante quase meio século. Quando morreu, há mais de vinte anos, cortaram a eletricidade, trancaram a moradia, que se foi deteriorando com a passagem do tempo e o abandono, ficando cheio de poeira e humidade. Antes, a casa era vibrante, cheia de filhos (dez) e vida, o que contrasta com o presente, em que se encontra em ruínas, tomada pelos espíritos de quem nunca a deixou.
    Quando o último filho saiu de casa e Tonho ficou sozinho, os aldeãos tentaram atemorizá-lo para que fosse viver com os filhos, porque estavam preocupados com ele, com o facto de viver sozinho,porém o avô sempre contestou que não havia lugar para si além daquela casa.
    O tempo passou, o povoado foi ficando deserto e o avô Tonho foi ficando tristonho e, um dia, pintou uma cruz branca na porta da casa e aconselhou a vizinhança a fazer o mesmo. Três dias depois, o seu corpo foi encontrado à porta da casa de Ramiro, o bêbado, com uma cruz branca pintada no peito. De igual modo, todas as casas ostentavam uma cruz branca pintada nas portas.
    Os herdeiros cortaram a luz e fecharam a casa, até que um dia de verão voltaram à residência e encontraram um caderno, oculto numa frinca da parede granítica: era o diário do avô. O livro continha histórias escritas pelo pinho do defunto, episódios da sua vida ou produto da sua imaginação..
    Apenas uma das histórias o tinha protagonista: num dia de outono, perto do regato dos salgueiros, sentiu um sopro frio na cara. Pouco depois, começou a chover copiosamente e de repente instalou-se a escuridão. Desatou a correr para casa e, quando chegou a um vinhedo, ouviu vozes misteriosas. Recordou então um antiga lenda que dizia que a cada setenta anos, na noite de 31 de outubro, "demónios negros, nascidos das sombras, cercavam o povoado e sugavam as almas de quem não caiasse uma cruz na porta de casa". Por isso, mal chegou a casa, desatou a pintar cruzes nas portas das casas.

Análise da cantiga "Bispo, senhor, eu dou a Deus bom grado", de Estêvão da Guarda

    Estamos na presença de uma cantiga de escárnio e maldizer que aborda o conflito sucessório entre D. Dinis e seu filho, D. Afonso IV, constituída por três sétimas e uma finda de quatro versos, em cobras singulares. É, além disso, uma cantiga de mestria (isto é, não tem refrão) e atafinda, em versos decassílabos e com rima emparelhada e interpolada, segundo o esquema ABBACCA. As cantigas que aludem ao assunto mencionado foram produzidas maioritariamente após a morte de D. Dinis, na corte do seu filho bastardo, D. Pedro Afonso, o conde de Barcelos, o que significa que constituem dos últimos testemunhos da lírica galego-portuguesa. Além disso, convém ter sempre presente que os trovadores se posicionaram apenas de um lado: o do rei-poeta.
    O ciclo a que nos estamos a referir conta com cinco cantigas de autoria de importantes trovadores, como João de Gaia, Estêvão da Guarda e do próprio conde de Barcelos. Os visados são pessoas que teriam tirado proveito do conflito e, dessa forma, conseguido lugar de destaque na corte de D. Afonso IV, como é o caso de Miguel Vivas, bispo eleito de Viseu, um clérigo provavelmente oriundo de Lisboa e confessor da rainha D. Isabel de Aragão, tornando-se depois uma importante figura da corte, a quem já acompanhava enquanto infante. Em 1325, Miguel Vivas já desempenhava o cargo de clérigo; além disso, foi primeiro vedor da chancelaria real, ocupando depois o cargo de chanceler, posições que ocupou entre 1325 e 1338. As suas ligações privilegiadas com o monarca são atestadas ainda pelo facto de o rei o ter escolhido para padrinho da sua filha, a infanta Leonor. Paralelamente, foi acumulando um vasto número de canonicatos em várias dioceses do reino, ascendendo depois ao cargo de bispo de Viseu em 1329 ou 1330, situações que provavelmente nunca se viu confirmada pelo papa, uma vez que Miguel Vivas surge sempre designado como «eleito» de Viseu. Já antes de subir a esta cátedra, tinha estado envolvido na questão da sucessão da diocese do Porto, sendo o candidato preferido por Afonso IV, porém a sua candidatura acabou por ser preterida pelo papa em favor de D. Vasco Martins em 1327. O último ato público que dele é conhecido data de 1338, pelo que é possível que tenha falecido pouco tempo depois. Na composição, Estêvão da Guarda retrata Miguel Vivas como um bajulador do rei, sem qualidades virtuosas para realmente gozar da sua privança.
    Em suma, o bispo Miguel Vivas oi confessor da rainha D. Isabel e manteve relações estreitas com D. Afonso IV, quando este ainda era infante. Esses laços aprofundaram-se durante os primeiros anos do reinado, tendo o clérigo passado a ter uma série de privilégios de benefícios. Posteriormente e graças a essa relação próxima, foi indicado para bispo de Viseu, embora não tenha assumido a dignidade, pois o Papa João XII sustentava outro candidato, D. Vasco Mariz, escolhido em 1327. São estes acontecimentos que justificam o tratamento que Estêvão da Guarda lhe dá nesta cantiga: “eleito de Viseu”. Além disso, o trovador faz assentar os eu texto na ironia e no duplo sentido entre a privança de que o bispo gozava junto do rei e o facto de ter sido privado do benefício (de ser bispo). Note-se, por outro lado, que o trovador não condena a privança em si, pois ele mesmo ocupou um lugar de prestígio junto de D. Dinis, de quem dizia ser “vassalo e criado”, uma proximidade que muito o beneficiou, pois levou-o a ser um dos nobres mais importantes do reino. Após se ter posicionado a favor do monarca no conflito sucessório, ao assumir o trono, D. Afonso IV manteve-o como conselheiro para assuntos externos. Assim sendo, o ato de o rei indicar um privado para uma dignidade de destaque, como uma diocese, não configurava desvio só por si. A crítica de Estêvão da Guarda incide, justamente, no caráter de Miguel Vivas que, se não fosse privado do rei, não teria o «talam» para essa posição.
    A cantiga não apresenta refrão – cantiga de mestria – e é caracterizada pelo recurso à “atehuda ata a finda”, em que as pausas sintáticas não são as mesmas das pausas estruturadas pelas estrofes, prolongando a leitura do verso final de uma estrofe para o primeiro da seguinte (enjambement) até o final da cantiga. Isto permite ao trovador jogar com a ambiguidade do terno «privado», usando-o ora como nome, ora como particípio passado, prevalecendo este último.
    Na primeira estrofe, o trovador expõe a situação: agradece a Deus a «privança» (confiança, intimidade) com o rei de que Miguel Vivas beneficia. Conhecendo o seu caráter (“porque eu do vosso talam sei”), deseja que seja privado dessas benesses e de tudo o mais (“e porque eu do vosso talam [caráter] sei / qual prol [vantagem, proveito] da vossa privança terrei / rogo eu a Deus que sejades privado / do [pre]bendo e de quant’ al havedes:”). Repare-se que, através do recurso à atafinda, a mensagem da primeira estrofe prossegue na segunda, como se pode constatar pela citação acima feita, que engloba o seu primeiro verso. O «prebendo» era a renda do bispado. O trovador prossegue com a sua ironia: não foi a honra pro altos feitos ou a sabedoria do bispo que o alçaram, tampouco a fidelidade, mas o seu caráter bajulador, exemplificado pelo facto de fazer “sempre quant’a ‘l-rei prouguer” (v. 9).
    Os versos subsequentes da segunda estrofe prosseguem a sátira dirigida ao bispo de Viseu, que o rei deseja para seu privado: “pois que vos el por privad’assi quer”. De seguida e depois de ironizar os altos feitos e a sabedoria de Miguel Vivas (“e pois que vós altos feitos sabedes” – v. 11), o trovador afirma o seguinte: “e quant’em sis’e em conselho jaz, / Varom, senhor, pois desto al rei praz” (vv. 12-13). Nestes versos, há uma repetição semântica na sequência “varão / senhor”, que, se pensada como duplo vocativo, não oferece qualquer acréscimo sintático. No entanto, se o nome «senhor» for apenas um vocativo, o nome «varão» pode apontar para uma suposta inocência do rei por confiar na sensatez e nos conselhos do clérigo.
    Na transição da segunda para a terceira estrofe, voltamos a encontrar a atafinda: o trovador confia que o Papa o privará da nomeação, quando souber que o rei confia mais nele do que noutro varão qualquer: “fio per Deus que privado seredes / per este Papa, quem duvidaria / que nom tiredes gram prol e gram bem / quand’ el souber que, pelo vosso sem, / el-rei de vós mais doutro varom fia”. Nestes versos, por outro lado, o trovador enfatiza a falta de bom senso e a imaturidade do rei ao confiar no bispo. Além disso, a terceira cobla continua a assentar no equívoco, relativamente ao termo «privado», entre o valor substantivado (“sereis conselheiro”) e de particípio passado (“sereis despojado”).
    O desfecho da cantiga, na finda, é taxativo: o trovador afirma que o bispo será privado dos seus benefícios e da sua dignidade, tendo que pagar a “contia” (quantia pré-estipulada paga aos funcionários nobres). O clímax da cantiga é atingido, portanto, na finda, voltada para a realização da justiça: o bispo deve pagar pela sua farsa, uma vez que o seu lugar de «privado» do rei é resulta unicamente da bajulação e os seus conselhos não são ajuizados, visando apenas o benefício próprio egoísta. A professora Graça Videira Lopes propõe uma dupla leitura para a finda, a partir da forma verbal “exalcem”. Assim, a catedrática afirma que os versos finais poderão significar “quem duvidará que vo-lo elogiem grandemente” ou “quem duvidará que vos subam o pagamento” (devido a este cargo, o benefício). Por outro lado, sustenta que Estêvão da Guarda parece, nesta cantiga, felicitar Miguel Vivas pela sua nomeação para o cargo, acrescentando que a composição joga com os dois sentidos da palavra «privado» (nome e particípio passado): se lermos as estrofes encadeadas até à finda, é o segundo sentido da palavra que sobressai.
    Por outro lado, a cantiga não se limita a denunciar o facto de o clérigo se beneficiar da sua proximidade com o rei, pois também realça os danos que tal benefício causam a terceiros. Com efeito, as falhas de caráter do bispo e o desejo pelo poder prejudicam o reino em si ao revelarem a inocência do rei, mas, na realidade, também prejudicam o trovador.
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