O poema é constituído por três quadras em versos heptassilábicos e rima cruzada, segundo o esquema rimático a b a b.
À semelhança do que faz em "Autopsicografia", Pessoa parte de uma imagem, de uma cena do quotidiano, neste caso um gato a brincar na rua. Além disso, o poema recorda-nos "Tabacaria", nomeadamente o momento em que a sua atenção se centra na rapariga que come chocolates, absorta do resto do mundo. Ora, sucede que é esta ausência de preocupação que o espanta, intriga e lhe desperta a «inveja» que espelha no poema em análise.
O tema do poema é, mais uma vez, a dor de pensar, motivada pela intelectualização do sentir, do qual decorrem outras temáticas caras ao poeta: a felicidade de não pensar; o isolamento do «eu» face às «pedras e gentes»; a inveja sentida pelo sujeito poético relativamente à inconsciência do animal; o desconhecimento, a sensação de estranheza do «eu» em relação a si.
O poema abre com a apresentação da referida situação de um gato que o sujeito poético observa a brincar na rua como se fosse na cama (comparação). Esta circunstância coloca-nos desde logo na presença de um animal feliz (porque está a brincar) e ao mesmo tempo tranquilo, despreocupado, indiferente e inconsceinte do perigo (novamente a comparação «como se brincasse na cama»). Além disso, tem «sorte», a sorte de ser inconsciente dos perigos, de ser irracional e não pensar, por isso cumpre o seu destino sem se lhe opor minimamente, cumprindo assim, no fundo, a ambição de Ricardo Reis, que é a de sentir o destino como algo inevitável. Como não pensa, é o «nada», mas é-o plenamente e é feliz, porque não se conhece, regendo-se pelos seus «instintos gerais». Em suma, é feliz «porque [é] assim», isto é, irracional, inconsciente.
Por seu lado e perante este quadro, o sujeito poético não esconde a sua admiração e inveja relativamente à sorte do gato, ou seja, de ser inconsciente e poder brincar sem pensar em (mais) nada, o que é equivalente a dizer que inveja o gato pela felicidade simples resultante da vivência plena das coisas sem pensar. Pelo contrário, ele tem a consciência plena de que é infeliz, ideia que é acentuada pela observação do gato e do seu comportamento, pois pensa-se, ao contrário do animal, daí que revela também tristeza e desolação por não conseguir abolir o pensamento e, dessa forma, ser igualmente feliz.
Podemos, em suma, afirmar que o sujeito poético inveja o gato por três razões:
1.ª) Tem "instintos gerais" e sente só o que sente, ou seja, não pensa sobre o que está a sentir, limita-se a sentir;
2.ª) É "um bom servo das leis fatais", isto é, não tenta contrariar as etapas inevitáveis da existência: nascimento, crescimento e morte;
3.ª) "Todo o nada que és é teu", ou seja, ao contrário do sujeito poético, o gato não pensa, não se questiona .Assim, esta dor de pensar que o tortura leva-o a desejar ser inconsciente como a ceifeira e como o gato, que não pensam.