Toda a história
é uma analepse, pois, em 1953, quando Germa evoca a sua tia, já toda a família
desapareceu, a Vessada está abandonada e tudo o que a rodeia sugere
degenerescência e ruína. A evocação de Quina – seu nascimento e infância, sua
adolescência, maturidade, velhice e morte – é constantemente cortada por
digressões analépticas, antecipações, comentários e juízos de valor do narrador
ou da personagem narradora (Germa), de tal modo que acaba por constituir uma
história de três gerações que se complexifica e aprofunda à medida que se
desenvolve, sugerindo, no final, a sua pretensão de "esclarecer o homem e
trazer-lhe a solução de si próprio".
Da existência
de dois narradores e do facto de o narrador de 1.º nível retomar a voz de
Germa, narradora de 2.º nível, para intervir, comentar, aprofundar e conduzir a
narrativa à sua maneira, estilhaçando a ordem cronológica com o recurso à
analepse e à prolepse, etc., resulta um discurso fragmentado, descontínuo,
digressivo.
Eis alguns
exemplos de analepses, prolepses, elipses e sumários:
- grande analepse: nascimento
de Quina (p. 9, 3 períodos);
- analepse dentro dessa
analepse: primeiro encontro entre os pais de Quina (pp. 9-11);
- prolepse dentro da segunda analepse:
11 anos depois, dá-se o casamento quase inexplicavelmente secreto dos pais de
Quina, que continuam a viver separados (pp. 11-12);
- episódio seguinte, dentro da segunda
analepse: Maria foge para casa do marido (pp. 12-13);
- outro episódio dentro da
mesma analepse: o pai de Quina liga-se a uma amante, Isidra (p. 13);
- analepse do episódio
anterior: história da mãe e da infância de Isidra (pp. 13-14);
- analepse do mesmo episódio,
mas posterior à anterior analepse: descrição das circunstâncias em que Isidra
conheceu o pai de Quina (pp. 15-17);
- regresso à vida conjugal
entre os pais de Quina (pp. );
- nova analepse: o incêndio na
casa dos pais de Quina (pp. 18-19);
- grande prolepse: a mãe de Quina
enviuvou há 40 anos, está velha, tonta e confunde um seu filho com o falecido
marido;
- elipses: "Onze anos
depois, casavam." (p. 11);
- sumários: "(...) As
mulheres perseguiam-no, vigiavam-no, confiando no ciúme umas das outras para o
privar duma preferência fatal que lhes arrebatasse as esperanças para sempre.
Os seus amores com Maria passaram despercebidos, tanto ele temia o escândalo
das rivais, mais pelas suas lágrimas que pelas suas ameaças." (p. 11).
Também
encontramos vários exemplos de silepses, entre as páginas 103 e 108: fala-se da
vaidade que Quina tem nos seus dons miraculosos; passa-se à agonia de um
velhote; passa-se depois a falar de Domingas, uma amortalhadeira que anda
sempre a falar das qualidades que o marido tem, e dos maridos que teve, e que
aliás mais tarde se sabe ser ela quem os envenenou; e a seguir, a pretexto do
velório, fala-se do pároco da terra e das complicadas relações sociais que ele
mantém com Quina e com a mãe de Quina. Em suma: são quatro sequências narrativas
simplesmente justapostas num espaço de seis páginas apenas.