A viagem constitui a ação central da obra. Iniciando-se no capítulo I e
terminando no capítulo XLIX; constitui o nível em que de imediato se vai cumprindo
o projeto de "crónica" anunciado pelo narrador. Trata-se, pois, de um
percurso seguido por um viajante e pelos seus companheiros de jornada, percurso
balizado, do ponto de vista temporal e espacial, pelo narrador da seguinte
forma: em termos temporais, a viagem decorre desde 17 de julho de 1843, uma
segunda-feira, sensivelmente até sábado; em termos espaciais, os marcos
fundamentais da viagem serão Lisboa e Santarém, com regresso a Lisboa e com uma
dupla paragem no Vale de Santarém. E já aqui a viagem começa a revelar-se algo
mais do que um simples trajeto geográfico: é que o narrador segue até certo
ponto o exemplo de Xavier de Maistre, mencionado logo no primeiro parágrafo,
depois de ter sido citado nesse lugar estratégico que é a epígrafe, mas tende a
superar esse exemplo, indo mais longe e refletindo em profundidade. A
"circularidade" da viagem de X. de Maistre cumpre-se também, mas de
forma mais alargada: ir a Santarém e regressar ao ponto de partida é levar a
cabo um movimento circular, todavia muito mais amplo do que o permitido pelo
espaço apertado de um quarto, assim se conferindo uma outra dimensão às alusões
simbólicas que a circularidade pode sugerir (acabamento, perfeição,
completude). Ao longo desta viagem, Garrett revela um grande amor pelas coisas
nacionais e uma profunda angústia perante a degradação do património cultural
às mãos de uma sociedade materialista insensível aos valores do espírito.
Há uma certa descontinuidade na apresentação dos vários locais de passagem
(Alhandra, Vila Franca, Vila Nova da Rainha, Azambuja, Cartaxo, Charneca, Vale
de Santarém e Santarém), que são descritos muito sumariamente ou apenas
referidos. As primeiras localidades referidas são a Azambuja (a estalagem e o
pinhal) e o Cartaxo (o café). Todavia, nenhum destes espaços é objeto de uma
descrição pormenorizada e sistemática; são apenas genericamente esboçados e
servem os objetivos de intervenção crítica de Garrett: através da descrição da
estalagem (cap. III), denuncia o convencionalismo da literatura romântica da
época; o desencanto da chegada ao pinhal da Azambuja (cap. V) vai motivar uma
vigorosa crítica à falta de originalidade da literatura contemporânea e uma
chamada de atenção para o estado de abandono em que se encontra aquele monumento
nacional; a paragem no café do Cartaxo (cap. VII) é pretexto para criticar a
autossuficiência e a tacanhez dos lisboetas, que não viajam, "cuidando que
todas as praças deste mundo são como a do Terreiro do Paço, todas as ruas como
a Rua Augusta, todos os cafés como o do Marrare".
No capítulo VIII, entra-se na charneca ribatejana, aproveitando o autor
para reconstituir a beleza clássica de "uma jovem seara do Ribatejo nos
primeiros dias de abril" e de "um campo minhoto de milho" em agosto,
contrapor-lhe a solenidade romântica de "um bosque antigo e copado" e
exprimir a sua emoção perante a charneca. Todavia, Garrett não se detém na
contemplação do exterior; a paisagem é para ele, como para os românticos, a
ponte para o sonho, o devaneio ou a meditação.
No final do capítulo IX, o narrador atinge o Vale de Santarém que,
patrioticamente, considera "um dos mais lindos e deliciosos sítios da
terra". A descrição da paisagem aparece logo no início do capítulo X, que
funciona como prólogo da novela. Garrett começa por dar uma visão geral da
beleza edénica da paisagem, para de seguida ir particularizando, parágrafo a
parágrafo, até chegar à reconstituição de "um vulto feminino que viesse
sentar-se" ao "balcão" da "janela meio aberta de uma
habitação antiga", situada num "maciço de verdura", à esquerda
do Vale.
A idealização da paisagem do Vale, em que se acentuam o caráter primitivo e
a "harmonia suavíssima e perfeita", serve de enquadramento adequado à
apresentação de Joaninha, a heroína da novela. Dir-se-ia que a inocência e a
pureza ideais de Joaninha ditaram a idealização da paisagem.
A introdução do 1.º ato da novela interrompe a narrativa da viagem, que só
é retomada no capítulo XXVII, com a chegada às proximidades de Santarém,
aproveitando Garrett para novamente se insurgir contra o estado de abandono do
património, representado pelos olivais de Santarém.
Chegado ao alto da vila, inicia-se a enumeração, mais ou menos descritiva,
dos monumentos de Santarém (conventos, mosteiros, palácios, ruas mouriscas,
casas senhoriais, etc.), que o narrador reencontra, na sua maioria descaraterizados
por sucessivos restauros e transformações, no caminho para a Igreja de Santa
Maria da Alcáçova, junto da qual mora Passos Manuel. São esses "reparos e
transformações" que fazem com que só consiga identificar aquela velha
igreja quando lha mostram.
Chega, finalmente, aos "palácios de D. Afonso Henriques",
habitados pelo chefe do partido progressista, Passos Manuel. Ao jantar
discute-se política, literatura, Santarém, "sobretudo das suas ruínas, da
sua grandeza antiga, da sua desgraça presente".
Na manhã seguinte, acordado pelos sinos da Alcáçova, o narrador vem à
janela e observa, extasiado, a paisagem do Tejo e povoações ribeirinhas
(Almeirim, Alpiarça).
No capítulo XXIX, o narrador revela que "os sublimes espetáculos da
natureza" o fazem "sonhar acordado" (característica romântica),
aproveitando para novamente definir o âmbito, a natureza e os objetivos da
obra. A metáfora "Santarém é um livro de pedra" constitui uma síntese
de quanto Garrett admirava o seu património arquitetónico. Todavia, o seu
estado atual merece-lhe violentas críticas às autoridades que, há mais de um
século, têm permitido autênticas profanações.
Ao almoço recordam-se as grandes figuras da História de Portugal
relacionadas com Santarém e, por fim, a "madrinha e padroeira desta
terra", Santa Iria ou Santa Irene. A inserção da lenda ou romance desta
santa, que teria dado o nome à vila, constitui uma interrupção da viagem; na
parte final do capítulo XXIX, cita-se a versão popular, em trovas, e no
capítulo XXX sintetiza-se a "História de Santa Iria" segundo os
cronistas e procede-se à sua comparação com o romance.
No capítulo XXXI, inicia-se a visita "de relíquias, templos e
monumentos" de Santarém: junto da igreja da Alcáçova, que já está fechada,
o narrador interessa-se por algumas portas e janelas trabalhadas ao gosto
moçárabe; mais adiante depara com um nicho que contém um antiquíssimo busto
degradado de D. Afonso Henriques; chega depois às Portas do Sol, um miradouro
"triste" sobre o Tejo. E é junto da muralha ali existente que o
narrador prepara a transição para a "história da Menina dos
Rouxinóis", cujo 3.º acto decorrerá entre os capítulos XXXII e XXXV, numa
cela do convento de S. Francisco.
No início do capítulo XXXVI, o narrador interroga o companheiro de viagem
sobre o destino das personagens da novela, com especial incidência em Carlos.
Promete-se o fim da "história da menina dos olhos verdes" para o dia
seguinte e prossegue a viagem:
. passagem
pela porta de Atamarma, franqueada por D. Afonso Henriques, quando conquistou
Santarém, já muito descaracterizada por inúmeras reparações e que alguns já
pensaram destruir, facto que é mordazmente
ironizado como uma ideia "digna da época";
. observação
do exterior da capelinha de Nossa Senhora da Vitória, fundada pelo primeiro rei de Portugal, e entrada para lamentar a destruição
da "solenidade do antigo";
. observação do "arrendado e elegante frontispício gótico" da
Igreja e Convento da Graça, na impossibilidade de entrar para visitar o túmulo
de Pedro Álvares Cabral e outras antiguidades, por não ter sido encontrada a
pessoa que guardava as respetivas chaves;
. visita à
Igreja do Santo Milagre, para admirar "quatro medalhões de pedra lavrada
com bustos de homens e mulheres em relevo (...), relíquias da primitiva Igreja
do Santo Milagre", que vários
"melhoramentos" transformaram num
"desgraçado e desgracioso templo";
. visita à Capela do Santo Milagre,
em estilo filipino, local de "grande veneração", onde se terá operado
o Santo Milagre de Santarém havido com os restos mortais da infanta D. Maria da
Assunção, filha do rei D. João VI, e que hoje se encontra abandonada e em
graves ruínas.
O narrador regressa à Alcáçova (casa de Passos Manuel) para
"jantar" (= almoçar), continuando a sua visita de tarde, já no
capítulo XXXVIII. Acabado o almoço, continua a viagem a cavalo para uma visita
à Ribeira, um "subúrbio
democrático", a "única parte viva de Santarém", em busca
infrutífera da "tenda do Alfageme".
À noite, na alta de Santarém (Marvila), a elegância civilizada do chá em
casa da Baronesa de Almeirim fá-lo-á esquecer o desconforto das ruínas
suburbanas. A conversa será um pretexto para reflexões sobre a sociedade
portuguesa dum modo geral, a "secante" vida na capital do "nosso
pobre reino":
. espetáculos enfadonhos
de S. Carlos;
. espetáculos da Rua dos
Condes e o dramalhão romântico;
. o contraste com a
província, onde "não há tal fastio".
Na manhã seguinte (capítulo XXXIX), continua a visita a Marvila de Santarém
com passagem pelo Colégio dos Jesuítas,
edifício agora convertido em sede de governo civil e que anteriormente fora
estabelecimento de ensino criado pelo rei para formação dos infantes e da
mocidade do distrito; agora as suas instalações abrigavam o governo dito civil,
cuja tarefa era "corromper a moral do povo, sofismar o sistema
representativo". E o autor aproveita para criticar a concentração de
estabelecimentos de ensino em Lisboa e defender a criação da Casa Pia, Colégio
Militar ou outra grande escola em Santarém.
Seguidamente, prossegue a viagem por Santarém com chegada ao mosteiro de S.
Domingos, templo que tem vindo a servir de palheiro, como era fácil de
verificar pela camada de palha podre e malcheirosa que ainda cobria o lajedo.
Apesar disso, Garrett procura a capela e jazigo de S. Frei Gil de Santarém,
evoca a sua vida lendária, os "negócios" com o Diabo e posterior
salvação pelo arrependimento. Ao deparar com a minúscula e grosseira capela do
Santo, sem quaisquer sinais de antiguidade e com o túmulo vazio de pedra pintada,
fica completamente desiludido. Até o cadáver do santo tinha desaparecido!
No capítulo XL, recorda-se a chegada de três frades ao convento das Claras,
em 1834, trazendo uma espécie de cofre com o corpo de S. Frei Gil, numa altura
em que os liberais acabavam de expulsar do país as ordens religiosas. Esta
evocação é aproveitada para uma chamada de atenção para a necessária tolerância
liberal para com as freiras, socialmente muito úteis, ao contrário dos barões,
social e politicamente parasitas.
No capítulo XLI, o narrador atinge o Convento de São Francisco de Santarém,
de que fosse guardião Frei Dinis, um daqueles frades que tinham
"roubado" o cadáver de Frei Gil para o entregar às freiras do
Convento das Claras, a única forma de poupar os restos mortais do santo. Pouca
atenção é prestada àquele convento, evocam-se as cenas finais da história de
Joaninha que ali se desenrolaram e, depois da frustração face à degradação e
descaracterização do património, decide-se pelo regresso a Lisboa. Mas vai
ainda procurar o túmulo do rei D. Fernando (cap. XLII), sofrendo novo desgosto,
porque o encontra esburacado e quase irreconhecível. Tal situação ilustra o grosseiro
materialismo em que os barões mergulharam o país e leva-o a fazer previsões
pessimistas sobre o destino nacional, restando-lhe somente a esperança do
"povo povo", que ainda não está corrupto. Esta meditação é de extrema
importância para a compreensão do significado global da obra, pois é aqui que,
pela primeira vez, Garrett indica uma saída do impasse, ao contrapor às
corruptoras abstracções da falsa sabedoria dos que detêm o poder, a integridade
potencialmente salvadora de um concreto "povo" capaz "da síntese
transcendente, superior e inspirada pelas grandes e eternas verdades, que se
não demonstram porque se sentem".
Nessa sexta-feira, o narrador decide regressar a Lisboa. Volta a passar
pela casa do Vale e assim se faz a transição para o epílogo da novela. Junto da
casa encontra Fr. Dinis, única e última companhia da avó, que lhe dá a ler a
carta de Carlos, cuja transcrição ocupará os capítulos XLIV a XLVIII.
A viagem é retomada no cap. XLIX, depois de um curto diálogo com Fr. Dinis
a propósito de Carlos. A primeira parte do percurso é feita a cavalo, com
pernoita no Cartaxo, onde o narrador sonha com eles e com barões. Este sonho
está carregado de simbolismo e de ironia. As sugestões de irrealidade
verdadeiramente surrealista ("céu de papel", "noite polar",
e as notas de várias cores como "farrapos de neve"), a ironia e a
hipérbole ("Eram milhões e milhões e milhões...") e a exploração do
contraste com a realidade ("Acordei no outro dia e não vi nada... só uns
pobres que pediam esmola à porta") concretizam, mais uma vez, a crítica do
materialismo da "constelação de barões".
A segunda parte do percurso é feita de barco, com a chegada ao Terreiro do
Paço a ocorrer às cinco horas da tarde.
Terminada a viagem, anuncia Garrett também o final da obra, admitindo-se,
todavia, a possibilidade de novas viagens "por esse Portugal fora"
(narrativa aberta). A obra finaliza com uma referência crítica aos caminhos de
ferro que, por serem de metal e não de papel, os barões jamais construiriam.
Garrett entendia que o caminho de ferro seria um melhoramento que apenas
beneficiaria as classes privilegiadas e traria prejuízos às massas populares.
Ao contrário das estradas "de pedra", cuja construção é vivamente
recomendada.