Nesta cena,
Hamlet parece disposto a, finalmente, concretizar o seu desejo de vingança. O
jovem mostra-se satisfeito por a peça e o excerto que nela enxertou terem
provado a culpabilidade do tio. Quando este reza, fica-se com a certeza de que Cláudio
assassinou o irmão. De facto, trata-se uma confissão absoluta e espontânea,
mesmo que ninguém mais a ouça.
Cláudio e
Polónio urdiram um plano para espiar Hamlet e desvendar o que está a acontecer
exatamente com o príncipe, o que significa que
o seu comportamento errático os confundiu. Por outro lado, ironicamente é o
próprio Hamlet quem acaba por observar secretamente o tio, embora não tenha ouvido
o solilóquio de Cláudio, pois somente o vê ajoelhado a rezar. Convém ter
presente que o solilóquio é um recurso muito importante na peça, dado que
muitas personagens escondem frequentemente os seus pensamentos, sentimentos e
motivações, agindo de forma enganosa, de forma a tentar enganar os demais.
Esses momentos de confissão constituem os únicos momentos em que o público tem
a oportunidade de conhecer as verdadeiras intenções das personagens.
Podemos
considerar que o momento fundamental da cena é a reação de Cláudio à encenação
que reproduz o assassinato do rei Hamlet, que confirma, de facto, a sua
culpabilidade. Se dúvidas ainda houvesse, porém, o solilóquio posterior acaba
com as mesmas: Cláudio assassinou o seu irmão. Está, pois, aberto o caminho
para o príncipe concretizar a sua vingança, contudo ele coloca o seu ato na
perspetiva da moralidade. Por um lado, o seu intuito ultrapassa os limites da
moralidade cristã, pois deseja matar o tio e, ao mesmo tempo, condenar a sua
alma. Com efeito, a sua decisão de não consumar o assassinato quando o tio está
ajoelhado a rezar prende-se com o seu medo de que esse ato enviasse a alma de
Cláudio para o céu, em vez do inferno, o que confirma que as motivações de
Hamlet giram em torno do sentimento de vingança. Por outro lado, pode encarar-se
esta atitude como mais uma desculpa para adiar a morte do tio, apesar de ter a
certeza da sua culpabilidade. No fundo, estamos perante uma questão de justiça:
o velho rei fora assassinado sem ter tido a oportunidade de purificar a sua
alma através de orações ou confissões, por isso o seu assassino deveria padecer
a mesma condenação.
Noutra
perspetiva, podemos observar que, quando Hamlet decide não assassinar Cláudio enquanto
este reza, está a desejar comportar-se e atuar de modo honrado. Simultaneamente,
demonstra grande respeito pelos valores religiosos, considerando um assassinato
um pecado mortal, enquanto a vítima se encontra a orar. Ao deixar passar esta
oportunidade privilegiada de consumar a sua vingança, Hamlet torna claro que os
seus valores morais e religiosos têm influência nos seus comportamentos e atos,
tanto ou mais que o desejo de vingar o pai. É possível que a noção de que
executar alguém a sangue frio é um ato desumano que ele não consegue concretizar.
No que diz respeito
a Cláudio, a sua tentativa de rezar é muito interessante. Aparentemente, deseja
ser perdoado pela morte do irmão, no entanto não está disposto a abdicar dos
benefícios que o crime lhe trouxe: a coroa e a rainha. Esta postura escancara a
sua corrupção e decadência moral, a sua falta de integridade, traços que, nas
palavras ditas anteriormente por Marcelo, quando afirmou que algo estava podre
no reino da Dinamarca, se estendeu à sociedade. Assim sendo, podemos concluir
que Cláudio é a personificação dessa decadência moral, pois ele reconhece que
cometeu um crime, porém decide conscientemente que não irá retificar o seu
comportamento pecaminoso, arrependendo-se genuinamente.