Português: Análise da cena 3 do ato III de Hamlet

terça-feira, 16 de julho de 2024

Análise da cena 3 do ato III de Hamlet

    Nesta cena, Hamlet parece disposto a, finalmente, concretizar o seu desejo de vingança. O jovem mostra-se satisfeito por a peça e o excerto que nela enxertou terem provado a culpabilidade do tio. Quando este reza, fica-se com a certeza de que Cláudio assassinou o irmão. De facto, trata-se uma confissão absoluta e espontânea, mesmo que ninguém mais a ouça.
    Cláudio e Polónio urdiram um plano para espiar Hamlet e desvendar o que está a acontecer exatamente com o príncipe, o que significa que o seu comportamento errático os confundiu. Por outro lado, ironicamente é o próprio Hamlet quem acaba por observar secretamente o tio, embora não tenha ouvido o solilóquio de Cláudio, pois somente o vê ajoelhado a rezar. Convém ter presente que o solilóquio é um recurso muito importante na peça, dado que muitas personagens escondem frequentemente os seus pensamentos, sentimentos e motivações, agindo de forma enganosa, de forma a tentar enganar os demais. Esses momentos de confissão constituem os únicos momentos em que o público tem a oportunidade de conhecer as verdadeiras intenções das personagens.
    Podemos considerar que o momento fundamental da cena é a reação de Cláudio à encenação que reproduz o assassinato do rei Hamlet, que confirma, de facto, a sua culpabilidade. Se dúvidas ainda houvesse, porém, o solilóquio posterior acaba com as mesmas: Cláudio assassinou o seu irmão. Está, pois, aberto o caminho para o príncipe concretizar a sua vingança, contudo ele coloca o seu ato na perspetiva da moralidade. Por um lado, o seu intuito ultrapassa os limites da moralidade cristã, pois deseja matar o tio e, ao mesmo tempo, condenar a sua alma. Com efeito, a sua decisão de não consumar o assassinato quando o tio está ajoelhado a rezar prende-se com o seu medo de que esse ato enviasse a alma de Cláudio para o céu, em vez do inferno, o que confirma que as motivações de Hamlet giram em torno do sentimento de vingança. Por outro lado, pode encarar-se esta atitude como mais uma desculpa para adiar a morte do tio, apesar de ter a certeza da sua culpabilidade. No fundo, estamos perante uma questão de justiça: o velho rei fora assassinado sem ter tido a oportunidade de purificar a sua alma através de orações ou confissões, por isso o seu assassino deveria padecer a mesma condenação.
    Noutra perspetiva, podemos observar que, quando Hamlet decide não assassinar Cláudio enquanto este reza, está a desejar comportar-se e atuar de modo honrado. Simultaneamente, demonstra grande respeito pelos valores religiosos, considerando um assassinato um pecado mortal, enquanto a vítima se encontra a orar. Ao deixar passar esta oportunidade privilegiada de consumar a sua vingança, Hamlet torna claro que os seus valores morais e religiosos têm influência nos seus comportamentos e atos, tanto ou mais que o desejo de vingar o pai. É possível que a noção de que executar alguém a sangue frio é um ato desumano que ele não consegue concretizar.
    No que diz respeito a Cláudio, a sua tentativa de rezar é muito interessante. Aparentemente, deseja ser perdoado pela morte do irmão, no entanto não está disposto a abdicar dos benefícios que o crime lhe trouxe: a coroa e a rainha. Esta postura escancara a sua corrupção e decadência moral, a sua falta de integridade, traços que, nas palavras ditas anteriormente por Marcelo, quando afirmou que algo estava podre no reino da Dinamarca, se estendeu à sociedade. Assim sendo, podemos concluir que Cláudio é a personificação dessa decadência moral, pois ele reconhece que cometeu um crime, porém decide conscientemente que não irá retificar o seu comportamento pecaminoso, arrependendo-se genuinamente.

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