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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Análise de "O Operário em Construção", de Vinicius de Moraes


            Esta composição de Vinicius de Moraes foi publicada inicialmente em 1959 no livro Novos Poemas II e foi divulgada, em 1962, na coletânea de poemas engajados Violão de Rua, e pode ser lida como uma metáfora para a construção da consciência de um trabalhador.

            O poema é antecedido de uma epígrafe, extraída do Evangelho de São Lucas (Lc 5, 5-8), um trecho parafraseado por Vinicius para compor a estrutura do poema e proporcionar a sua leitura. A passagem bíblica corresponde à tentação sofrida por Jesus no deserto. Nela, este elevado pelo Diabo ao alto de um monte e é aí tentado a adorar o seu opositor. O texto de Vinicius retoma essa ideia claramente através de uma estrofe em que o operário é desafiado a abandonar a sua ética em troca de favores do seu patrão, após este compreender que nem por meio da violência o convenceria:

De sorte que o foi levando

Ao alto da construção

E num momento de tempo

Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário

Fez-lhe esta declaração:

– Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

            A escolha desta passagem para iniciar um poema que retrata o operário contribui para o entendimento do poema e encontra justificação nas bases sociais de meados do século XX. A epígrafe funciona como um pequeno roteiro para o desenvolvimento do poema, que vai da descoberta do sofrimento até à negação do tentador.

            O título do poema contém a ideia de um operário que não constrói somente o mundo ao seu redor, mas que vai dando conta da ampliação de si mesmo e da grandiosidade do seu trabalho de maneira poética e crítica, quando já não aceita a sua condição de operário, isto é, é um operário em construção de si mesmo.

            O poema inicia-se com a narrativa em trono de um operário da construção civil e do seu quotidiano, sem que ele consiga perceber a importância do seu trabalho para a sociedade, que o ato de construir uma casa tinha um grande significado para os que iriam morar nela. De facto, a abertura da composição faz-se com a apresentação do papel do trabalhador na construção das 6coisas e o desconhecimento do significado e impacto da sua profissão, traduzido pela alienação verificada na multidão que empilha os tijolos com suor e cimento.

            A comparação com “um pássaro sem asas” reflete a condição de artífice do operário, que, sem grandes expectativas, alcançava as alturas com o suor do seu trabalho. Apesar de o operário desconhecer a importância do seu trabalho, a sua ação não só é mais importante que a coisa construída, mas também faz o trabalhador ser e fazer mais, de maneira reflexiva: “Mas ele desconhecia, / Esse fato extraordinário, / Que o operário faz a coisa, / E a coisa faz o operário”. Estes versos conceituam a capacidade transformadora do trabalho em relação ao produto do seu trabalho. O vocábulo «coisa» aponta para a ideia da alienação e coisificação do trabalho, sendo o trabalhador alienado e coisificado transformado em «coisa» pelo sistema de produção. Por seu turno, o paradoxo «liberdade» e «escravidão» significa que o produto do seu trabalho deveria garantir liberdade ao operário, contudo tal não sucede, pelo contrário transforma-o num escravo.

            Em contraste com a alienação inicial, o funcionário é tomado por uma súbita revelação e a tomada de consciência de que tudo à sua volta é fruto do seu trabalho. Essa tomada de consciência dá-se num momento simples do seu quotidiano, o momento de uma refeição: “À mesa, ao cortar o pão / O operário foi tomado / De uma súbita emoção / Ao constatar assombrado / Que tudo naquela mesa / – Garrafa, prato, facão – / Era ele quem os fazia / Ele, um humilde operário, / Um operário em construção.”. A imagem do trabalhador sentado à mesa, cortando o pão (note-se que estes versos podem ser entendidos como o simples ato de alguém se alimentar, mas também como uma alusão ao partir do pão feito por Jesus), é o ponto de partida para a “súbita emoção” que o assalta e o leva a compreender a relação do seu trabalho com o que é produzido por esse mesmo trabalho. É isso que nos mostra a extensão enumeração: “Olhou em torno: gamela / Banco, enxerga, caldeirão / Vidro, parede, janela / Casa, cidade, nação! / Tudo, tudo o que existia / Era ele quem o fazia”.

            De seguida, o «eu» poético dirige-se aos “homens de pensamento”, afirmando que lhes é impossível compreender o que o humilde operário soube naquele momento. Isto constitui uma conceção anti-intelectual que contrapõe a noção de homens de pensamento ao humilde operário. A tomada de consciência do operário prossegue quando ele olha as suas mãos e compreende que são elas que tornam possível toda a sua obra: “O operário emocionado / Olhou sua própria mão / […] / E olhando bem para ela / Teve um segundo a impressão / De que não havia no mundo / Coisa que fosse mais bela.”. Esta constatação evidencia a descoberta que o trabalhador fez sobre si mesmo, a sua ação iluminada pela sua capacidade de construir aquilo que a sua mente pensa que é capaz.

            O operário, quando olha para a sua mão, tem a impressão de que não há coisa mais bela. Note-se que a mão simboliza o trabalho e, em simultâneo, é uma parte do corpo modificado pelo próprio trabalho, enquanto o adjetivo «rude» evidencia o sofrimento do corpo do trabalhador. Por outro lado, o “instante de compreensão” é solitário (“Foi dentro da compreensão / Desse instante solitário”), valorizando-se, assim, o indivíduo e não o coletivo. Encontrado esse sentido, o operário encontra a dimensão do poético que há no seu trabalho: “O operário adquiriu / Uma nova dimensão: / A dimensão da poesia.”, dimensão que causou a mudança de atitude que trouxe ao operário outras possibilidades de entender e viver no mundo. Os versos “Cresceu em alto e profundo / Em largo e no coração” revelam que essa dimensão poética tem as suas raízes no discurso emocional e é a partir dela que um operário «dizia» e o outro «escutava», aprendendo a dizer «não». Ou seja, o trabalhador consegue agora perceber a beleza que existe naquilo que constrói e reconhecer-se a si mesmo nos produtos que cria. Ele vai-se libertando, gradualmente, do jogo do patrão e incentivando os outros operários a fazerem o mesmo, a tomarem consciência da sua força, do seu poder de construção. Esta consciencialização opera-se por estas vias, ignorando as construções coletivas de luta, como os sindicatos, e através de um método retórico contrário ao racional. Em suma, a tomada de consciência social parte da sua função produtiva na sociedade e alcança dimensões mais amplas, primeiro adquirindo uma conceção estética, da beleza das suas rudes mãos, até à transformação das suas experiências de vida em poesia. O trecho em que o operário contempla a sua mão e considera que é a coisa mais bela do mundo pode parecer contraditório, visto que, de modo geral, a mão de um operário da construção civil tende a ser grossa, rude e cheia de calos. Deste modo, como pode ser considerada bela? A beleza que ele vislumbra situa-se além das aparências; percebe que tem nas suas mãos o poder de transformar o mundo.

            O que leva o operário a dizer «não» e a «se fazer forte na sua resolução» é a perceção das suas condições de vida, a diferença de condições de vida entre os trabalhadores e os patrões, ou seja, a oposição entre a pobreza dos primeiros e a riqueza dos segundos, através de várias metáforas, que o levam a questionar determinadas situações: “Notou que sua marmita / Era o prato do patrão / Que sua cerveja preta / Era o uísque do patrão / Que seu macacão de zuarte / Era o terno do patrão / Que o casebre onde morava / Era a mansão do patrão / Que seus dois pés andarilhos / Eram as rodas do patrão / Que a dureza do seu dia / Era a noite do patrão / Que sua imensa fadiga / Era amiga do patrão”. Este patrão é comparado, mais à frente, ao diabo tentando Jesus. Assim sendo, existe um momento de diabolização da riqueza e de transformar a pobreza em virtude, o que constitui uma forma simplista de abordar a luta de classes. Este ato de contestação não é um processo individual, passando o operário a compartilhar a insatisfação com os seus colegas de trabalho.

            Esta ação tem duas consequências. A primeira é a violência exercida sobre o operário, praticada pelos delatores, que, através de uma sugestão cifrada do patrão, o agridem. Assim, vê o seu rosto cuspido e o braço partido, agressões semelhantes às sofridas por Jesus Cristo: “Pois será entregue aos gentios, e escarnecido, injuriado e cuspido” (Lucas, cap. 18, versículo 32). A segunda consequência relaciona-se com a ineficiência das agressões. De facto, o operário, apesar de delatado por colegas e apesar de agredido repetidas vezes, continua a resistir e a dizer «não», mesmo sabendo que não seria fácil conviver com a sua própria verdade: “E todo o seu sofrimento / Misturava-se ao cimento / Da construção que crescia”. O patrão, percebendo a recusa do funcionário, tenta suborná-lo, oferecendo-lhe poder, tempo de lazer e mulheres, com a condição de que abandone o «não», no entanto o operário não reconhece naquilo que vê o poder do patrão, mas sim o trabalho de quem o construiu: “Um dia tentou o patrão / Dobrá-lo de modo vário. / De sorte que o foi levando / Ao alto da construção / E num momento de tempo / Mostrou-lhe toda a região / E apontando-a ao operário / Fez-lhe esta declaração: / – Dar-te-ei todo esse poder / […] / Será teu se ma adorares / E, ainda mais, se abandonares / O que te faz dizer não. / […] / Mas o que via o operário / Que olhava e refletia / Mas o que via o operário / O patrão nunca veria. / O operário via as casas / E dentro das estruturas / Via coisas, objetos / Produtos manufaturas. / Via tudo o que fazia / O lucro do seu patrão / E em cada coisa que via / Misteriosamente havia / A marca de sua mão. / E o operário disse: Não!”. Assim sendo, podemos concluir que o subordinado tem uma visão que o patrão jamais será capaz de compreender: o patrão não lhe podia dar nada daquilo, visto que fora ele, operário, e os seus companheiros que tinham construído tudo o que havia. Por outro lado, o operário observa a ampla região em volta da construção e vê o que o seu patrão não consegue ver: o trabalhador vê casas e muitos objetos, enquanto a visita do seu patrão se limita ao lucro.

            Este passo, em que o operário é desafiado a abandonar a sua ética em troca de favores do seu patrão, após este tomar consciência de que nem mesmo a violência o faria mudar de opinião, constitui uma paráfrase da epígrafe bíblica do poema: o patrão tenta subornar o operário, tal como Satanás tentara Jesus. No entanto, aquele não compreende, de facto, a recusa do seu funcionário, que é claro e revela a sua tomada de consciência: “ – Mentira! – disse o operário / Não podes dar-me o que é meu.”. Da discussão com o patrão, resulta o silêncio, o vácuo, o eco de tempos passados, de familiares que se foram.

            A sensação que se extrai do final do poema remete para a luta, a dor e o sofrimento, mas também a superação, quando “Uma esperança sincera / Cresceu no seu coração / E dentro da tarde mansa / Agigantou.se a razão / De um homem pobre e esquecido / Razão porém que fizera / Em operário construído / O operário em construção”. Os versos finais são carregados de uma troca contínua entre aquele que faz e o que é feito, ou seja, o operário constrói-se na medida em que constrói os seus sonhos, as suas habilidades refletem quem ele é. Um operário em construção constrói-se a si próprio, espelha-se no que faz para continuar a realizar um bom trabalho, tal como um poeta ou um artesão.

            Em suma, o poema procura expor o processo histórico de formação da classe operária e a consciencialização social, a partir da perceção da sua função produtiva no campo económico e da construção de uma nova forma de perceção do mundo, que inclui a dimensão estética, a ação coletiva e a necessidade de adoção de um posicionamento político, que sustenta o «não» do operário ao patrão. Note-se que toda a composição poética assenta na metonímia, pois o poeta não foca um trabalhador e um patrão específicos, mas de duas classes que se situam e vivem em campos opostos: “Via tudo que fazia / O lucro do seu patrão / E em cada coisa que via / Misteriosamente havia / A marca de sua mão.”

            Neste poema, dá-se conta da busca do autoconhecimento e do reconhecimento de quem se é e do que faz. Muitas vezes, não há uma relação direta entre o construído e aquele que o fez, pois, quando a construção está terminada, no exemplo do texto, ela não pertence, de facto, a quem a fez. No poema, a revolta dá-se quando o operário toma consciência da sua condição e, ao alcançar a dimensão da poesia, consegue poetizar a sua existência, tornando-se dono da sua própria vida, mesmo que de maneira figurativa.


terça-feira, 30 de agosto de 2022

A escola do século XIX em imagens – VI


Paul des Amoignes - Na sala de aula (1886)

    Este quadro constitui um exemplar da pintura naturalista francesa. Nesta observação cirúrgica e quase fotográfica da sala de aula, a figura de um pequeno estudante destaca-se pelo olhar intenso e penetrante, certamente dirigido à figura do professor.

    Alguns colegas escrevem aplicadamente, outros mostram-se apáticos, distraídos ou aborrecidos. Mas só este rapaz levanta o lápis do caderno para prestar atenção ao professor. É uma realidade de todos os tempos e de todas as escolas: nem todos os alunos têm o mesmo interesse, a mesma capacidade de concentração, a mesma facilidade em aprender. Mas o desafio de dar a todos a sua oportunidade, razão de ser da escola, em especial da escola pública, é hoje ainda mais pertinente do que há um ou dois séculos.

    A técnica do pintor é primorosa, não só no traço e na ambiência naturalista, mas também na forma como os rostos à volta do protagonista se apresentam desfocados – algo que na técnica fotográfica se consegue reduzindo a profundidade de campo – reforçando o impacto e o dramatismo da imagem. E atraindo o nosso olhar, irresistivelmente, para o aluno que quer aprender.

 Fonte: Escola Portuguesa.

Faleceu Mikhail Gorbatchov


1931 - 30.08.2022

 

Análise do quadro "O Tempo – Passado e Presente"



            “O Tempo – Passado e Presente” é uma pintura de Paula Rego, datado de 1990, a segunda realizada pela pintora enquanto Artista Associada da National Gallery, um acrílico sobre papel colado em tela, 183 cm x 183 cm.

            O título encontra eco nas duas personagens centrais – um homem velho e uma menina, provavelmente avô e neta – e também no par mulher/criança que comunica na porta ao fundo aberta. Os quadros nas paredes contêm outras personagens, são uma espécie de janelas que se abrem para outras narrativas e até os bonecos sobre o móvel e os azulejos nas paredes são figuras que podem contar-nos histórias, a nós e ao bebé que nos olha da direita do quadro.

            Ao centro, a figura masculina domina a composição. A idade já avançada sulca-lhe o rosto, pinta-lhe o cabelo de cinzento, estagna-lhe o olhar. É a presença que dialoga com a rapariga, pequena e andrógina, que está sentada à esquerda, debruçada sobre a folha em branco que se esforça por esconder. Sobre o aparador, vemos uma caravela, um hipopótamo e uma estatueta de contornos femininos, que as vestes acentuam. Estes objetos remetem para a memória do tempo passado, tal como os objetos e pinturas que povoam as paredes definidoras do espaço interior onde a cena se desenvolve. É um espaço fechado, iluminado pela claridade que entra pela porta que, ao fundo, se abre para o mar. Essa mesma porta mostra-nos uma mulher idosa, de saia azul, e uma menina, de saia amarela, que se encontra no exterior. Todas as personagens parecem alheadas do bebé envolto no seu casulo verde, confiado ao anjo, que encima o berço, a sua proteção. É esta figura a única que nos olha.

            A figura do bebé, que Paula Rego afirmou constituir uma alusão ao nascimento da sua neta Lola, é, pois, encimada por um anjo fundido com a parede-biombo onde se insere. À esquerda do quadro encontramos uma alusão ao mar que funde elementos relacionados com a História de Portugal (a caravela, por exemplo, é um símbolo dos Descobrimentos), a atividade de marinheiro de Keith Sutton e as viagens de S. Jerónimo, enquanto o centro da composição alude à pintura produzida num contexto de encomenda e fruição religiosa, da mesma forma que a imagem do anjo e a figura do bebé estabelecem com o observador uma relação de familiaridade que remete para a cultura tradicional – constituindo estas três camadas sociais uma crítica subtil à retórica propagandística do Estado Novo. Neste contexto, merece destaque a capa azul de pescador que marca a divisão de planos e o traje escolar, característico dos rapazes da Mocidade Portuguesa, com que é representada a adolescente – vestes que acentuam a robustez das formas desenhadas e se sobrepõem aos traços de feminilidade.

            Outras recorrências, como os azulejos bicromáticos em azul e branco onde estão representados jogos infantis, a extremidade da moldura do quadro apócrifo acima do aparador que remete para os beirais da casa portuguesa de Raul Lino, ou o mar que a porta aberta ao fundo deixa adivinhar como horizonte, remetem à infância da pintora (serão memórias convocadas da quinta dos seus avós na Ericeira).

            Neste quadro, podemos encontrar influências de outras obras, como, por exemplo, “S. Jerónimo na sua cela” (c. 1475), de Antonello de Messina, embora haja diferenças significativas entre os dois quadros. Assim, a relação interior/exterior é invertida: em da Messina o espaço encontra-se “fechado”, o tempo petrificado, e o observador é apenas convidado a observar; em Paula Rego, o observador encontra-se no interior do espaço onde se desenrola a ação da pintura, assumindo o lugar de espectador; a ilusão do espaço, em perspetiva, é-nos sugerida em Antonello pelo padrão geométrico do chão e pela arcaria à direita; em Paula Rego, são as ortogonais marcadas pela parede lateral esquerda e pela sobreposição de planos à direita que fecham o espaço e conduzem o olhar através da pintura. Para a construção das figuras do primeiro plano, o quadro recorre ao jogo realidade-ficção, fazendo coincidir em cada personagem a representação de alguém do seu mundo real com uma imagem retirada de uma obra da National. Desta forma, a figura masculina, não sendo a representação de S. Jerónimo mas um retrato de Keith Sutton, encontra-se na mesma posição mantendo a atitude pensativa e introspetiva que a figura do “S. Jerónimo numa paisagem” (c. 1440), de Bono da Ferrara; a figura da menina a desenhar («retrato» da artista quando jovem) coincide com a imagem do leão na pintura de Bono da Ferrara, ao nível da relação espacial que este estabelece coma figura de “S. Jerónimo” e do posicionamento do corpo. No que concerne ao bebé, existem semelhanças com o leão representado por Domenichino em “A visão de S. Jerónimo” (a. 1603). Do mesmo modo, a relação entre o par leão/anjo em Domenichino é assumida em “O Tempo…” pela dupla bebé/anjo. Assim, ao jogo realidade-ficção sobrepõe-se a injunção profano-religioso.

            Por outro lado, as pinturas de santos reproduzidas no fundo do quadro são reproduções fiéis ao “S. Francisco em Meditação” (c. 1636-9), de Francisco de Zurbaran, ao “S. Sebastiºao” (c. 1623), de Gerrit van Honthorst, e ao São Cristóvão, no reverso do volante esquerdo, do “Tríptico de Donne” (c. 1478), de Hans Memling. Deste modo, Paula Rego presta homenagem aos mestres do passado.

            É possível identificar na pintura duas narrativas paralelas: uma personificada pela própria artista que se autorrepresenta em três tempos diferentes (coincidentes com o bebé, a menina ao fundo e a adolescente) de cariz autobiográfico; outra historicista, que consiste na pintura enquanto disciplina artística. Neste contexto, é interessante registar a relação de “O Tempo…” e “As Meninas”, de Diego Velázquez, havendo diversas semelhanças entre as duas obras: a porta que se abre ao fundo para onde converge a obliquidade da construção espacial assinalando o ponto de fuga; a profusão de figuras; a convocação de obras de pintores precedentes e, no caso de Velázquez, também seus contemporâneos; a elisão do sujeito. É, no entanto, através da autorrepresentação – com a suspensão do gesto de Velázquez e a folha em branco em Paula Rego, com o facto de os pintores integrarem não só a pintura, mas também o seu tempo e contexto histórico de produção (para Velázquez a corte e para Paula Rego a instituição museu).

            Podemos considerar “O Tempo – Passado e Presente” como uma alegoria, por conter a representação simbólica de ideias abstratas através de figuras, grupos de figuras ou atributos. Neste caso, a arte do presente deve permitir estabelecer relações por antecipação (visão do futuro) e por retornos (conhecimento do passado). Nesta obra de Paula Rego, a existência dessa visão do futuro e conhecimento do passado estimula a continuidade transformativa que determina a inovação. Assim, no quadro, perspetivado como uma alusão à história da pintura que tem no tempo histórico o tema e na pintura o motivo, o que motiva a pintora é a combinação de formas múltiplas da história da pintura e da arte, a desconstrução e reformulação do real, a afirmação da linguagem pictórica e, através dela, da injunção da arte com a vida. Ou seja, “O Tempo – Passado e Presente” constitui uma alegoria da história da pintura.

 
Bibliografia:

C Paula Rego: O Tempo – Passado e Presente ou a Pequena História da História da Pintura.

C GREER, Germaine. 1992. “A Olhar para Paula Rego”, in Paula Rego: Histórias da National Gallery.

 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Os arquivos secretos de Donald Trump


David Cavalinho

Análise do quadro "Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808", de Goya



             O quadro “O 3 de maio de 1808”, ou “Os fuzilamentos da montanha do Príncipe Pio”, ou “Os fuzilamentos de 3 de maio”, foi pintado por Francisco Goya (1746-1828) em 1814, seis anos após a dramática situação que narra um dos momentos mais simbólicos da resistência espanhola à invasão das tropas de Napoleão. A este quadro liga-se um outro, “O 2 de maio de 1808” (pintado igualmente em 1814), que relata o primeiro episódio deste acontecimento, ocorrido na véspera, e presumivelmente presenciado pelo pintor.

            Um acontecimento histórico trágico serviu, portanto, de motivo a este quadro. Os exércitos de Napoleão Bonaparte ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808 os cidadãos de Madrid revoltaram-se contra essa ocupação das tropas napoleónicas. Na sequência dessa revolta, os franceses concretizaram uma terrível vingança, levando a cabo um massacre, fuzilando centenas de patriotas espanhóis e muitas outras pessoas que eram meras espectadoras. Goya só conseguiu registar estes factos alguns anos depois, quando o rei D. Fernando VII foi reconduzido ao trono espanhol.

            Numa poça de sangue, jazem três cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a descarga, dos quais se aproxima outra fila de condenados que vão ser mortos.

            O grupo das vítimas tem no centro um homem que abre os braços, um condenado de camisa branca, um Cristo simbólico e inocente, cujo gesto se repete na figura caída em primeiro plano, que desafia os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira. Este grupo de militares, situado à direita, significativamente de costas, empunha com violência as armas que dispara à queima-roupa. Os restantes elementos do grupo das vítimas caminham aterrorizados para a morte. Um frade reza e as restantes pessoas fazem gestos de desespero (cabeças baixas, mãos cobrindo o rosto).

            Assim sendo, pode concluir-se que a pintura constitui a denúncia da arbitrariedade do poder e da guerra que escolhe as suas vítimas entre os menores poderosos: o povo inocente. Por outro lado, configura um grito silencioso de revolta contra a opressão, em defesa do patriotismo e da liberdade, princípios muito caros aos românticos.

            No que diz respeito às cores e à luz, predominam os ocres da terra violada da Pátria e dos fatos pobres do povo. O negro representa a noite, tempo em que a ação se localiza; contra o céu escuro recorta-se o perfil da cidade-capital e, em primeiro plano, rodeado de luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, dá-se a execução brutal e impiedosa. O branco (símbolo da pureza e da paz) da camisa contrasta com o vermelho do sangue brutal e injustamente derramado, aqui e ali salpicados por leves tonalidades de azul, verde e amarelo. A luz, por sua vez, nasce da grande lanterna, no entanto, na verdade, é do homem da camisa branca que ela irradia, transformando o seu sacrifício anónimo um poderoso e digno foco dramático.

            Por último, no que diz respeito aos contornos, a pincelada é dramática, com menos contornos nos inocentes que nos carrascos. Aqueles parecem em comunhão com a terra.


Análise de "Border Patrol with Lila, Reflection and Ana", de Paula Rego



            Esta pintura de Paula Rego foi pintada em 2004 d constitui um autorretrato da pintora, assente numa espécie de jogo de espelhos.

            O plano central da obra é ocupado por uma mulher – Paula Rego –, sentada de perfil numa cadeira, com a cabeça desafiadoramente levantada. Ela veste um colete verde, com bolsos para colocar granadas, e calções da mesma cor que a cobrem sensivelmente até aos joelhos. Entre as suas pernas encontram-se as costas da cadeira, no cimo da qual tem as mãos, que seguram um pano verde em forma de boneco, possível representação de Víctor Willing, um pintor britânico conhecido pelos seus estudos originais de nus e ex-marido da pintora, falecido em 1988.

            Atrás dessa figura feminina está um espelho de pé, colocado na diagonal, onde é visível o corpo robusto de Ana, que sustém nas mãos um espelho onde surge o reflexo de Lila Nunes, que é a representante de Paula Rego no “teatro de guerra”, a modelo das suas heroínas, por meio da qual a pintora é todos e todas.

             Com este quadro, Paula Rego apresenta-se através do seu reflexo e neste consta o retrato de outra mulher: Lila Nunes, o Outro da artista. A missão da pintora é combater os mecanismos negativos que se impõem à humanidade, levando-a ao ato perverso de deglutir os próprios filhos, nomeadamente na guerra. Nesta obra, a artista está entrincheirada, opondo-se com as suas armas aos avanços e recuos de um inimigo que, na sociedade portuguesa, corresponde ao medo. Deste modo, parece que estamos na presença de uma verdadeira “operação militar, o patrulhamento das fronteiras do próprio eu, como que para ilustrar aquela iluminada afirmação de Freud de que o ego é uma criatura de fronteira. Onde acaba Lila e começa Paula?” (ROSENGARTHEN, Ruth, in Paula Rego…). Lila é Paula na tela, na qual projeta a sociedade portuguesa, assumindo-se como a encenadora que coloca no palco os elementos que a levam a questionar a realidade para fomentar a solidariedade.

domingo, 28 de agosto de 2022

"Eu te amo você", Mariana Aydar

Correção do questionário do conto «Asclépio, o "Caçador de Eclipses"»


 1. e – b – g – a – d – h – c – f.
 
2.
a. V
b. V
c. F – O pai de Asclépio ocupava esse cargo: “o Comandante Lupino decidiu-se, pois, em virtude do acidente acima descrito, a ir morar com o irmão, à data Governador-Geral de Colónia”.
d. F – “Pio, como desde petiz era conhecido entre familiares e amigos (…). Com os pais e as suas sete irmãs, vivia”.
e. F – “O Doutor Lupino, tio de Asclépio, morava também, havia meia-dúzia de anos, com a prestigiada família Euclides Semedo e fora ele o «culpado» da verdadeira paixão do sobrinho pelas «coisas da ciência»”.
f. V
g. F – “Estava-se em 1968, o país travava-se de razões com o segundo grande eclipse solar do século”.
h. F – “quando chegou à idade universitária, já em Coimbra”; “Terminado o curso, o então já Doutor Asclépio percorreu o mundo”; “Em Moçambique, onde regressava regularmente”.
i. V
j. V
k. V
l. V
 
3.
A – Primeiro parágrafo.
B – Desde o início do segundo parágrafo até “o primeiro eclipse total do Sol em terras de Moçambique”.
C – Desde “O fenómeno dos eclipses” até ao final do mesmo parágrafo.
D – Desde “Foi esse dia o espoletar de uma paixão” até ao final do mesmo parágrafo.
E – Desde “Em Moçambique, onde regressava regularmente” até ao final do mesmo parágrafo.
F – Desde “No dia do eclipse” até ao final do mesmo parágrafo.
G – Último parágrafo.
 
4.1. Asclépio é «especialista em eclipses”, divertido/bem-disposto (“O Doutor Euclides brinca.”) e experiente (“a sua experiência na matéria”).
 
4.2. A ação decorre em 1968.
 
4.3. “Certo, muito certo, mas a Dr.ª Catarata enganava-se”; “o professor Asclépio Euclides, mal-grado toda a sua experiência na matéria, que inclusive lhe valera o cognome de ‘caçador de eclipses’, teria ainda muito com que se espantar.”
 
5.1. A analepse consiste num recuo temporal, marcado no texto pelas passagens “Pio, (…) começou a interessar-se por acontecimentos raros, fenómenos científicos e afins, teria aí os seus cinco, seis anos.” e sobretudo “vivia nesses tempos do princípio do século”, entendidas como retrocessos temporais depois de se ter marcado o início da ação, no parágrafo anterior, com a expressão “Estava-se em 1968”.
 
5.1.1. O recurso à analepse prende-se com a necessidade de o narrador dar a conhecer mais profundamente, nas suas características e fatores que as motivaram, a personagem principal, Asclépio, mas também os acontecimentos anteriores ao presente da ação que contribuem para o seu entendimento mais cabal.
 
5.2. As aspas aplicadas ao adjetivo marcam não apenas a reprodução de uma palavra de Thomás Euclides Semedo, mas assinalam um sentido suavizado do vocábulo. Embora surja habitualmente como sinónimo de «criminoso», o adjetivo «culpado» realça, neste contexto, apenas a conceção que a família, nomeadamente o pai de Asclépio, tinha da influência de Lupino sobre a criança, vista como algo diferente e inabitual para a sua idade.
 
5.3. As palavras do narrador na última frase do segundo parágrafo indiciam o conhecimento de acontecimentos futuros relativamente aos apresentados, que serão expostos num momento posterior.
 
5.4.1. O uso do pretérito mais-que-perfeito, simples e composto, do indicativo (“servira”, “tinha envolvido”, “caíra”, “passara”) surge ao serviço do relato dos acontecimentos da vida passada do Tio Lupino anteriores ao momento em que se instalou em casa da família do irmão. Deste modo, confirma-se o valor semântico-funcional do tempo verbal, destinado a relatar fatos passados anteriores a outros também verificados em momentos precedentes ao presente da narração.
 
5.5. A expressão é a seguinte: “a prestigiada família Euclides Semedo”.
 
5.6.1. Após uma vida dedicada ao serviço militar, o Comandante Lupino Euclides Semedo sofreu um acidente durante uma operação de salvamento, o que lhe deixou mazelas ao nível da memória. Tal facto determinou o seu afastamento quase compulsivo do exército, atenuado apenas pela atribuição de um louvor em nome das altas patentes militares e da própria rainha portuguesa D. Maria Pia. Não sendo casado, após o abandono da vida de combatente resolveu passar a residir com o irmão e respetiva família.
 
5.7. Lupino Euclides Semedo é apresentado como comandante pronto e “célere”, caracterizado pelos seus “brios e valentia insuperáveis” e “louvável filantropia”.
 
5.8.1. Juntos, iam “inventariando fauna e flora” e dedicavam-se “a catalogar os espécimes apanhados” e a organizar uma coleção apelidada pela família de “Museu de História Natural”.
 
5.8.2. b
 
5.9.
1. d
2. f
3. a
4. e
5. b
6. c
 
5.10. A expressão é “na realidade”.
 
5.10.1. O mecanismo é a coesão interfásica.
 
5.11. Para Asclépio, os eclipses constituiriam verdadeiros “milagres” naturais, pelo que lhe despertavam grande “ansiedade”. No dia do fenómeno, ele e o tio “deslumbravam-se” com o acontecimento. Os restantes habitantes da região sentiam-se “desprevenidos e temerosos” face à ocorrência.
 
5.12. Os dois vocábulos são “desatino” e “pandemónio”.
 
5.13.1. Enquanto na segunda oração o verbo é usado no seu sentido mais comum, o de ‘dizer orações, orar’, na primeira ele surge com uma aceção menos vulgar, que remete para a ação de ‘narrar, referir’.
 
5.14. A enumeração, entendia com um sentido gradativo, especifica os sentimentos e as atitudes daqueles que, receando o eclipse, começavam por se lamentar, passando, depois, a solicitar auxílio num crescendo de intensidade que culmina no entendimento do fenómeno como um castigo de que se procuram libertar, solicitando perdão pela razão que o possa ter determinado.
 
5.15. Uma vez que o eclipse era entendido pela população moçambicana em geral como manifestação de entidades superiores (“deuses”), o narrador comenta, ironicamente, que seria compreensível que todos os agentes dedicados às ciências ocultas se mantivessem disponíveis para assistir as pessoas nos seus “medos e crendices”.
 
5.16. A ação decorre em plena época de colonialismo português em Moçambique, pelo que a metrópole constituía o recurso das famílias de estatuto social elevado para suprir a falta de meios que se sentia na colónia.
 
5.17. A oração desempenha a função sintática de complemento direto.
 
5.18. O processo morfológico é a derivação por sufixação.
 
5.19.1. A sequência inicia-se com o regresso ao momento do presente da ação, já apresentado no início do conto: “ano de 1968”.
 
5.20.1. A frase é a seguinte: “As pessoas saíram confiantes, gargalhando os medos e os temores.”
 
5.20.2. O gerúndio da forma “gargalhando” coloca em destaque a duração da ação (aspeto lexical imperfetivo), dando a entender que durante largos momentos e com persistência as pessoas, “confiantes”, superaram os seus “medos” e “temores”.
 
5.21.1. Considerando o número da perfeição, o três remete para a completude e a inteireza. Prepara-se o eclipse para que se complete, no céu, a ordem, ao terceiro dia. O homem, Asclépio, será o intermediário entre a terra e o céu, ligando-os. Note-se que o eclipse durou “três minutos”, associando-se esta referência também à simbologia do número.
 
5.21.2. O conector transmite uma ideia de conclusão relativamente à descrição das consequências do eclipse anteriormente discutida.
 
5.22.1. A sequência descritiva inicia-se no começo do parágrafo e prolonga-se até à primeira oração da frase “Aguardavam expectantes, e quando o Sol começou a vestir-se de negro uma onda de suspiros ressoou no silêncio instalado”. A segunda oração da mesma frase marca o início da sequência narrativa.
 
5.22.2. Na descrição predominam as formas verbais no pretérito imperfeito (“reinava”, “encontrava-se”, “sentiam”, “Aguardavam”), enquanto na narração predomina o pretérito perfeito (“começou”, “ressoou”, “foram”, “reparou”).
 
5.23.1. O verdadeiro prodígio do dia foi o “desaparecer como se por magia” do Dr. Asclépio Euclides, depois de ter sido envolvido por “uma densa sombra negra” e de se ter incinerado. Deste modo, as aceções 3., 4. e 5. do verbete serão as mais adequadas, remetendo para o obscurecimento e posterior desaparecimento da personagem.
 
5.23.2. O eclipse de Asclépio, provocando inicialmente um enorme “espanto”, fez ressurgir o “corrupio” da população.
 
5.24. c
 
5.24.1. À palavra solo, que está na origem, foram acrescentados simultaneamente um prefixo e um sufixo, fundamentais para a existência do vocábulo.
 
6.1.1. O sufixo diminutivo, usado com valor depreciativo, retira valor à figura representada pela estátua e ironicamente remete para o objetivo mesquinho da sua construção, destinada essencialmente a atingir fins eleitoralistas.
 
6.1.2. O escultor conseguiu reproduzir na própria estátua de Asclépio o fenómeno do eclipse que levara ao seu desaparecimento, alternando fases de escuridão sob a luz solar e de luminosidade à noite. Como se por magia, Asclépio eclipsara-se e, também com alguma magia, se recordava a sua figura através desta estátua.
 

Ligações:
    👉 Texto.
    👉 Questionário.

Tesla e Edison


 

sábado, 27 de agosto de 2022

Estudo húngaro alerta contra elevado nível de instrução das mulheres

    A elevada presença das mulheres no ensino superior pode causar problemas demográficos, dificultando a procura de um parceiro”, defende-se no documento, citado pelo diário digital Hvg.

    O Instituto Nacional de Estatística da Hungria alertou hoje para os riscos económicos e demográficos que teria para o país um número elevado de mulheres com formação universitária, num estudo criticado como “machista”.

    Sob o título “Fenómeno de educação cor-de-rosa na Hungria?”, o estudo elaborado pelo INE húngaro e hoje classificado na imprensa local como “sexista” e “machista” manifesta-se, entre outras coisas, contra a desvalorização dos “atributos masculinos”.

    “A elevada presença das mulheres no ensino superior pode causar problemas demográficos, dificultando a procura de um parceiro”, defende-se no documento, citado pelo diário digital Hvg.

    Por outro lado, o estudo sustenta que, nas escolas, são consideradas mais importantes as “qualidades femininas”, entre as quais aponta “maturidade emocional e social, empenho, obediência, tolerância da monotonia [e] boa expressão oral e escrita”.


    A notícia pode ser encontrada no "Jornal Económico" on-line [ligação].
    Um conselho aos húngaros que pensam assim: tranquem as vossas mulheres em casa e deitem a chave fora, depois de lhes fazerem filhos até mais não, de preferência machos, para dotarem o país de mão de obra bruta e bronca.

Questionário sobre o conto «Asclépio, o "Caçador de Eclipses"»

 1. Ordene cronologicamente os acontecimentos relatados no texto.
a. Primeiro eclipse total do Sol em Moçambique.
b. Mudança de Lupino Euclides Semedo para casa da família de Asclépio.
c. Palestra de Asclépio e Letícia Catarata.
d. Vida académica de Asclépio em Coimbra.
e. Campanhas militares do Comandante Lupino Euclides Semedo em Lourenço Marques.
f. Eclipse solar em 1968.
g. “Expedições científicas” de Lupino e Asclépio, durante a infância deste.
h. Périplo de Asclépio pelo mundo, dedicado ao estudo de eclipses.
 
2. Após uma primeira leitura do conto, classifique como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações que se seguem, corrigindo devidamente as que considerar inexatas.
a. A ação do conto decorre em Moçambique.
b. O protagonista, Asclépio Euclides, é perito particularmente em eclipses solares.
c. Lupino Semedo, tio de Asclépio, ocupava o cargo de Governador-Geral de Colónia.
d. Asclépio era filho único e conhecido entre as pessoas mais próximas como Pio.
e. O protagonista despertou para os fenómenos científicos por influência paterna.
f. Asclépio frequentou, na universidade, o curso de Direito.
g. A ação principal desenrola-se em torno do único eclipse solar do século XX.
h. Asclépio viveu toda a vida no seu país natal.
i. Na época em que decorrem os acontecimentos relatados no conto, os eclipses eram entendidos pela generalidade da população como prodígios naturais ameaçadores.
k. O narrador do conto é heterodiegético.
l. As sequências alusivas à infância e juventude são encaixadas na narrativa principal.
 
3. Delimite no texto as suas sete sequências narrativas, considerando os seguintes momentos:
 

Introdução

A

Apresentação do protagonista e da situação inicial: preparação para o eclipse solar.

Desenvolvimento

B

Primeiro momento

Descrição, em analepse, da vida do Tio Lupino e das vivências partilhadas com Asclépio durante a sua infância.

C

Segundo momento

Explicação do surgimento do fascínio de Asclépio por eclipses.

D

Terceiro momento

Relato do percurso académico e profissional de Asclépio

E

Quarto momento

Narração do regresso de Asclépio a Moçambique e dos preparativos para o eclipse.

F

Quinto momento

Apresentação dos acontecimentos do dia do eclipse.

Conclusão

G

Exposição das consequências do eclipse.

 
4. Atente na Introdução do conto.
 
4.1. Mencione as três características da personalidade de Asclépio Euclides apresentadas.
 
4.2. Identifique o tempo cronológico em que decorre a ação.
 
4.3. No final do primeiro parágrafo, o narrador antecipa acontecimentos futuros, posteriormente narrados. Comprove.
 
5. Atente no Desenvolvimento do texto.
 
PRIMEIRO MOMENTO
5.1. Prove, a partir de elementos textuais, que o início do desenvolvimento corresponde a uma analepse que se prolongará até ao final do terceiro momento desta parte.
 
5.1.1. Refira a importância deste recurso narrativo de apresentação temporal no contexto do conto.
 
5.2. Destaque o valor das aspas no adjetivo «culpado», referente ao Tio Lupino.
 
5.3. A última frase do segundo parágrafo funciona como breve analepse no contexto da narrativa. Justifique a afirmação.
 
5.4. «O Doutor Lupino, tio de Asclépio, morava também, havia meia-dúzia de anos, com a prestigiada família Euclides Semedo (…)».
 
5.4.1. Tendo em conta que o terceiro parágrafo do texto surge na sequência da frase acima transcrita, explicite o valor da utilização do pretérito mais-que-perfeito nesse trecho da narração.
 
5.5. Transcreva a expressão que remete para o espaço social em que se movimentavam os elementos da família Euclides Semedo.
 
5.6. «Solteirão dos quatro costados, o Comandante Lupino decidiu-se, pois, em virtude do acidente acima descrito, a ir morar com o irmão (…)».
 
5.6.1. Resuma os acontecimentos que determinaram a mudança do Tio Lupino para a casa da família Euclides Semedo.
 
5.7. Proceda à caracterização direta de Lupino Euclides Semedo a partir do documento de louvor lavrado em relação à sua pessoa.
 
5.8. No parágrafo final desta sequência, o narrador procede à exposição das atividades a que se dedicavam tio e sobrinho, «investidos em verdadeiros cientistas, biólogos, botânicos, geógrafos, geólogos e até astrónomos, num crescendo de aprendizagem ‘in loco’ (…)».
 
5.8.1. Enumere essas atividades.
 
5.8.2. Partindo contexto em que surge, assinale o significado da expressão latina «in loco».
a. no limite.       b. no próprio lugar.    c. naquele tempo.      d. por inteiro.
 
5.9. Faça corresponder a cada uma das frases iniciadas na coluna A uma terminação da coluna B, de modo a obteres afirmações verdadeiras.
 
A
 
1. Com o recurso ao advérbio com valor modal “diplomaticamente”,

2. Na frase “(…) foi Lupino convencido, ou melhor, convidado a antecipar a reforma da sua valorosa carreira militar (…)”, com a mudança da forma adjetival do particípio passado,

3. Através da anteposição do adjetivo face ao nome qua qualifica na expressão “pequeno génio”,

4. Com a utilização do adjetivo presente na passagem “Enquanto as sete manas se entretinham (…) a dedilhar intermináveis escalas (…)”,

5. Com o uso dos vocábulos “embrenhava-se” e “matas” na descrição das “expedições científicas” de Asclépio e Lupino,

6. Na frase “Mas juntos, (…) sobrinho e tio demoravam-se horas após horas, tardes após tardes, dias após dias, meses e anos sem fim, inventariando fauna e flora que lhes aparecessem pela frente.”,

 

B
 
a. o narrador confere-lhe um valor subjetivo e afetivo.

b. o narrador, recorrendo ao disfemismo, torna mais agreste e selvagem a atividade.

c. o narrador utiliza a gradação com a finalidade de ressaltar o crescente interesse pela ocupação.

d. o narrador destaca a habilidade com que foram tratados os interesses militares.

e. o narrador salienta, ironicamente, o caráter repetitivo da ação.

f. o narrador serve-se de um eufemismo para atenuar a situação apresentada.

 
SEGUNDO MOMENTO
5.10. Indique a expressão que, no início do parágrafo deste segundo momento, recupera e realça a última ideia do segmento narrativo anterior.
 
5.10.1. Refira o mecanismo de coesão que a sua utilização configura.
 
5.11. Comprove com elementos textuais que os sentimentos despertados pelo eclipse junto de Asclépio diferiam grandemente dos da restante população.
 
5.12. Identifique os dois vocábulos utilizados pelo narrador para dar conta da confusão gerada no dia do primeiro eclipse total do Sol em Moçambique.
 
5.13. Na frase «Reza a história – e muito rezou o padre local», surge um trocadilho que explora o valor polissémico do verbo rezar.
 
5.13.1. Esclareça os dois sentidos com que é utilizado na frase.
 
5.14. Refira o valor expressivo da enumeração das reações dos populares ao eclipse: «(…) com gentes de todas as idades (…) gritando ais e ajudas, socorros e clemências aos mais dignos e mesmo aos mais indignos deuses (…)».
 
5.15. Explique o comentário do narrador relativamente ao que se passou nas semanas posteriores ao eclipse: «De plantão, nas semanas seguintes, ficaram igualmente, e como se compreende, todos os curas, curandeiros, adivinhos e sibilas da terra.»
 
TERCEIRO MOMENTO
5.16. Tendo em conta o tempo histórico e o espaço social em que decorre a ação do conto, justifique a referência à “Metrópole”.
 
5.17. Aponte a função sintática desempenhada pela oração infinitiva sublinhada na frase: “Um dia, em entrevista a um programa de rádio, chegou a confidenciar ter perdido a conta ao número de eclipses testemunhados (…)”.
 
5.18. Identifique o processo morfológico de formação de palavras que deu origem aos vocábulos «solares» e «verdadeira».
 
QUARTO MOMENTO
5.19. Esta sequência narrativa retoma o tempo cronológico da ação, identificado na introdução e interrompido pela analepse do início do desenvolvimento.
 
5.19.1. Confirme a afirmação.
 
5.20. Asclépio retorna a Moçambique como convidado para proferir uma palestra sobre eclipses, uma vez que estava para breve a ocorrência de um desses fenómenos.
 
5.20.1. Transcreva a frase que evidencia o impacto das suas palavras no auditório.
 
5.20.2. Refira um dos efeitos de sentido produzidos pela utilização do gerúndio nessa mesma frase.
 
5.21. «Três dias depois se veria, afinal, o que era aquilo de um eclipse total, ou quase, e que efeitos na realidade teria”.
 
5.21.1. Interprete o valor simbólico do número três na alusão ao número de dias de preparação para o eclipse.
 
5.21.2. Mencione a ideia expressa pelo conector «afinal».
 
QUINTO MOMENTO
 
5.22. O relato do «dia do eclipse» começa com um breve trecho descritivo.
 
5.22.1. Demarque o momento em que termina a descrição e principia a narração do fenómeno.
 
5.22.2. Distinga essas duas sequências textuais (descritiva e narrativa) quanto aos tempos verbais dominantes.
 
5.23. Atente no verbete da palavra «eclipse».
 

Eclipse – 1 n.m. ato ou efeito de eclipsar; 2 ASTRONOMIA ocultação total ou parcial de um astro pela interposição de outro entre ele e o observador ou pela entrada daquele astro na sombra de outro; 3 [fig.] obscurecimento; 4 [fig.] desaparecimento; 5 [fig.] ausência; ASTRONOMIA eclipse da Lua ocultação total ou parcial da Lua (…); ASTRONOMIA eclipse do Sol ocultação total ou parcial do Sol (…); PSICOLOGIA eclipse mental desaparecimento extremamente breve da consciência ou, pelo menos, do domínio do pensamento, psicolepsia (Do gr. ékleipsis, «eclipse; ocultação», pelo lat. eclipse-, «idem»)

 
AA. VV., 2004. “Eclipse”, in Grande Dicionário da Língua Portuguesa.
Porto: Porto Editora (texto adaptado e com supressões)
 
5.23.1. Indique qual das aceções do vocábulo s pode aplicar ao verdadeiro e raro «fenómeno» do dia.
 
5.23.2. Aponte as suas consequências.
 
5.24. Consulte num dicionário o significado de «assolar» e, a partir dele, assinale a palavra que lhe está na origem.
a. Sol               b. sola             c. solo              d. solar
 
5.24.1. Trata-se de um vocábulo formado por derivação (parassíntese). Justifique a afirmação.
 
6. Considere, finalmente, a Conclusão da narrativa.
 
6.1. “Com o tempo”, Asclépio foi alvo de homenagens.
 
6.1.1. Os políticos «(…) aproveitaram para encomendar mais uma estatuazita.». Explicite o valor do sufixo diminutivo presente na palavra «estatuazita».
 
6.1.2. Um «escultor da terra» conseguiu uma «forma curiosa e interessante» de cumprir o desígnio dos políticos e manter a lembrança da história de Asclépio, Explique como o conseguiu.
 

Ligações:
    👉 Texto.
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