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quinta-feira, 9 de maio de 2024

Análise do poema "A violência", de Bruna Beber

    O «eu» poético abre o poema exprimindo o seu desejo insistente e constante de expressar o seu amor profundo pelo «tu»: “vontade constante / de dizer te quero tanto”. Estamos na presença da expressão de um sentimento profundo e intenso.
    Por vezes, o sujeito poético distrai-se dessa vontade, todavia o contacto físico da pessoa amada, o seu abraço, trazem-no de volta ao desejo inicial, evidenciando, assim, a força e o poder desse contacto íntimo. Não podemos descartar a sensação de segurança e carinho que um abraço transporta para a pessoa que o recebe.
    Por outro lado, esse gesto de afeto tem um enorme efeito no «eu» poético, configurando um momento de transcendência. De facto, a presença física e o contacto com a pessoa amada são tão importantes e poderosos que o mundo desaparece, nada mais importa. O facto de, nessa ocasião, “o mundo não tem [ter] membros superiores” sugere que há um desapego desse mundo físico, que, sem eles, não pode intervir ou interferir.
    É, então, que se atinge o clímax da relação entre o «eu» e o «tu», concretamente através do beijo: “e então me beija.” É o ápice da união física e emocional entre ambos, o momento supremo. Segue-se a alusão a uma possibilidade ou hipótese: o «eu», se quisesse, poderia cometer os atos mais violentos (“matar”) sob a influência do amor intenso. A antítese entre o afeto expresso nos versos anteriores e estes dois últimos pode traduzir, na esteira, por exemplo, de Petrarca ou Camões (“Amor é um fogo que arde sem se ver”), os efeitos contraditórios do amor, ou ser o símbolo de um amor tão intenso que pode destruir.
    Enigmaticamente, o sujeito declara-se possuidor de muito ar, sugerindo talvez ima sensação de plenitude, o resultado da intensidade emocional experimentada. Subitamente, ele sente “na ponta dos dedos / a coragem de dizê-la”, ou seja, encontra coragem para, finalmente, expressar a vontade manifestada inicialmente, o seu amor, através da “ponta dos dedos” (da escrita?).
    O título – “A violência” – parece, pois, apontar para violência, a intensidade, do sentimento amoroso, bem como para a luta interna do «eu» travada entre a vontade de expressar sentimentos e emoções intensos e o receio de o fazer, isto é, para o impacto que aqueles / aquelas têm em si, tanto física como emocionalmente. O amor, recorrendo novamente a Camões, é um sentimento intenso e contraditório, mas, ainda assim, desejado pelos corações humanos.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Contexto de O Fantasma de Canterville

    A ação de O Fantasma de Canterville decorre em plena época vitoriana. Nesse tempo, o império britânico continuava a usufruir de grande poder, porém, em contramão, o poder tradicional da monarquia em Inglaterra estava em contração, perante a ascensão do poder parlamentar, cujos representantes eram eleitos democraticamente.
    Durante o reinado da rainha Vitória, a Inglaterra transitou para uma monarquia constitucional, um sistema em que a monarquia operava sob mandatos estabelecidos por uma constituição. A partir de 1832, o Parlamento inglês começou a aprovar uma série de leis de reforma que, entre outras coisas, conferiam direito de voto a um número crescente de cidadãos, de tal modo que, na época em que O Fantasma de Canterville foi publicado, meio século depois, o número de homens britânicos que podiam votar tinha passado de quinhentos mil para mais de cinco milhões. Quanto às mulheres, só teriam direito de voto a partir de 1918 e apenas se fossem proprietárias de imóveis com mais de trinta anos. Com esta alteração na estrutura do poder, proporcionado ao homem comum, e a subsequente ascensão da classe média, a aristocracia – juntamente com o seu poder e riqueza – começou a diminuir. É neste momento social e político crucial que a família norte-americana Otis, no conto, decide comprar uma propriedade que pertencera durante seculos a aristocratas.
    Convém não esquecer que a obra foi publicada e provavelmente ambientada por volta de 1887. A ação desenrola-se em Canterville Chase, uma antiga mansão fictícia algures na Inglaterra, anteriormente pertença da família Canterville. A mansão localiza-se na zona rural do país. A propriedade contém um grande parque, no qual o Sr. Otis permite que grupos de ciganos acampem ocasionalmente e, como Sir Simon refere a Virgínia, possui igualmente uma floresta de pinheiros e um cemitério de família. A certa altura, quando Virgínia desaparece, o Sr. Otis e o jovem namorado da rapariga tem de cavalgar quilómetros para chegar à estação de caminho de ferro, o que evidencia a distância a que a propriedade distava de qualquer vilarejo.
    Por outro lado, Canterville Chase tem pelo menos trezentos anos, conclusão a que se pode chegar a partir da informação de Lady Eleanore Canterville foi assassinada em 1575 e que a casa é assombrada desde 1584. Tal como sucede com várias outras propriedades ancestrais em Inglaterra, Canterville Chase possui armaduras antigas, vitrais com brasões de família e uma sala secreta com um esqueleto.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Caracterização de William Hale

    William Hale é um criador de gado que está por trás de muitos dos assassinatos ocorridos no seio dos Osage. Trata-se de um homem que evolui da pobreza para a riqueza e que, com o seu rosto gentil, consegue ganhar a confiança da tribo, no entanto, como a investigação liderada por White demonstrará, dirige uma rede criminosa dedicada a enganar, roubar e assassinar o povo nativo. Por causa destes crimes, acaba por ser julgado e condenado por assassínio, passando duas décadas preso.
    Aparentemente, William Hale encarna os ideais americanos tradicionais. De facto, através do trabalho árduo e da sua determinação, sai da pobreza até chegar a uma posição de destaque na região. No início da sua carreira, sofre um revés que o poderia ter levado a desistir (o fracasso do primeiro empreendimento), porém a sua determinação e persistência conduzem-no ao sucesso. Ascende socialmente, casa com uma professora, de quem uma filha que lhe é profundamente devota. Por outro lado, é bastante generoso com a sua família, ajudando, por exemplo, os sobrinhos, Ernest e Bryan, e apoiando, aparentemente, os Osage. Por exemplo, quando Anna Brown é assassinada, promete ajudar Mollie a resolver o crime e chega mesmo a contratar detetives privados para o investigarem.
    Contudo, tudo isto não passa de uma monumental fachada para encobrir a sua atividade criminosa, no sentido de usufruir da riqueza dos Osage, através do mero roubo, da manipulação e do assassinato, em última análise. Hale faz acordos com um contrabandista local para envenenar bebidas alcoólicas, uma das formas preferenciais para assassinar pessoas. Anna Brown, com quem poderia ter tido um relacionamento amoroso, foi morta por ordem sua. Assim sendo, a promessa feita a Mollie e a contratação de detetives privados para investigar esse crime evidenciam todo o seu cinismo e maquiavelismo. Além disso, tenta encontrar repetidamente alguém disposto a fazer explodir a casa de Rita e Bill Smith. Outro exemplo: Henry Roan crê que Hale é o seu melhor amigo, porém este planeja cuidadosamente a sua morte, para, tal como sucede com os outros assassinatos, lucrar com ela. Todos estas casos demonstram que é um homem violento e cruel, em suma, um indivíduo mau. A confirmar estes dados, já depois de preso, Hale escreve uma carta aos Osage, na qual se afirma grande amigo da tribo, uma mentira macabra.
    Ocasionalmente, William Hale é chamado «Rei» do Condado de Osage, um epíteto que releva outro traço do seu caráter: não tem qualquer compromisso real com os princípios da justiça e da democracia. Quando é preso, mostra-se arrogante e confiante na sua não condenação. Graças à sua vastíssima rede de influência pessoal, está convicto de que não será condenado. Aparentemente, tem razão, pois o seu primeiro julgamento resulta num impasse. O seu longo braço chega até ao Senado dos Estados Unidos: o senador William Pine, do estado do Oklahoma, pressiona o Bureau of Investigation para despedir White e a sua equipa, sob a acusação falsa de terem torturados os réus durante os interrogatórios. Por tudo isto, a surpresa de Hale é enorme quando é considerado culpado e condenado, pois os jurados ficam convencidos pelo depoimento de Ernest. Porém, isto não significa que a sua influência tenha terminado: ele pode ter sido punido por todos os seus crimes, porém os Osage continuam a sentir na pele os efeitos nefastos e persistentes das suas ações. De facto, no museu tribal, a figura de Hale foi recortada de uma imagem da época. Com efeito, tinha ficado no centro da mesma e foi removido porque, para os nativos americanos, se trata da encarnação do Mal.

Cartoon

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Enredo / Resumo da ação de O Fantasma dos Canterville

    Hirsham B. Otis, um ministro americano, muda-se com a família para Inglaterra, onde acaba de comprar uma velha propriedade – Canterville Chase – que pertencia há séculos aos Canterville, uma velha família inglesa aristocrática. Porém, a aquisição não está isenta de problemas, visto que o próprio Lorde Canterville adverte o Sr. Otis para não a comprar, afirmando que é assombrada pelo fantasma do seu antepassado, Sir Simon, desde o século XVI. No entanto, o americano, que diz vir de um país moderno demais para acreditar em fantasmas, não crê na história e declara que esta não passa de uma superstição europeia.
    Algumas semanas depois, em julho, o Sr. Otis e a família, composta pela esposa – a Sr. Otis – e pelos quatro filhos – Washington, Virgínia e os gémeos – mudam-se para a casa. A viagem entre a estação de caminho de ferro e a propriedade é demorada e, à medida que se aproximam dela, acontecem alguns fenómenos estranhos, levando a que aquela bela noite de verão se torne desagradável, com o céu coberto de nuvens e algumas gotas grossas de chuva a caírem. À chegada, a família é recebida pela Sr. Umney, a governanta. Na biblioteca, deparam com uma mancha de sangue no chão, junto à lareira. Questionada, a governanta informa-os que a mancha não pode ser removida e que se tornou uma atração turística, pois está ali desde que Sir Simon assassinou a esposa três séculos atrás, mais concretamente desde 1575. O marido assassino desapareceu pouco tempo depois do crime e, embora o seu corpo nunca tenha sido encontrado, o seu fantasma assombra Canterville Chase desde essa época.
    A família reage ao relato da Sr. Umney com a mesma descrença que o Sr. Otis evidenciou inicialmente quando Lorde Canterville lhe falou pela primeira vez no espectro. Washington, o filho mais velho do casal, não se impressiona com a mancha e rapidamente a elimina, usando produtos de limpeza modernos.
    No dia seguinte, contudo, a mancha reaparece, facto que se repete todas as manhãs, apesar da sua diligente e diária remoção por parte de Washington. Estranhamente, a mancha muda constantemente de cor. Assim, a família começa a acreditar na existência do fantasma, mas sem nunca revelar medo. Certa noite, o espectro aparece: o Sr. Otis ouve-o passar diante do seu quarto e oferece-se-lhe algo para lubrificar as correntes que lhe prendem os membros, o Lubrificante Tammany Rising Sun, de modo a parar o rangido produzido por aquelas e permitir que a família durma em paz. O fantasma, cuja aparição tinha como objetivo assustar os Otis, fica indignado, quebra a garrafa do lubrificante e prossegue o seu caminho, porém, logo de seguida, é abordado pelos gémeos, que lhe atiram um travesseiro à cara. Sir Simon esconde-se no seu esconderijo secreto, uma câmara escondida numa ala da casa, completamente chocado e escandalizado. Para se acalmar, recorda o seu maior sucesso, a maneira como aterrorizou a família Canterville e os seus amigos, deleitando-se com os sustos que infligiu a diversos aristocratas ingleses do passado. Essa memória deixa-o mais confuso e intrigado sobre a reação daquela família estrangeira e jura a si mesmo vingar-se dela.
    Durante alguns dias, Sir Simon limita-se a fazer a mancha reaparecer todas as manhãs e mantém-se afastado da família, enquanto magica uma forma de a assustar. Assim, decide vestir a sua velha armadura e passear-se pela casa com ela. Uma noite, espera que os Otis adormeçam, para pôr em prática o seu plano, no entanto acaba por despertar a atenção da família quando deixa cair a armadura enquanto a tenta vestir. Rapidamente, vê-se rodeado pelos Otis e os gémeos atacam-no com as suas zarabatanas de brincar, enquanto o pai lhe aponta uma arma verdadeira, como se o espectro fosse um simples ladrão. Sir Simon tenta ainda assustá-los com o seu riso maléfico, contudo a Sr. Otis, pensando que está doente, surpreende-o sugerindo-lhe que tome um remédio para a indigestão. Todas estas humilhações deixam-no doente, pelo que ele se retira para o seu esconderijo e nele permanece durante algum tempo, para recuperar a coragem e restaurar a saúde.
    A terceira tentativa de intimidação é a mais elaborada de todas: decide vestir o seu traje mais assustador e oferecer um tratamento individual a cada membro da família, à exceção de Virgínia, pois esta nunca o insultou e é naturalmente gentil. No entanto, a família tem outros planos e, quando ele se prepara para lançar o seu ataque, envergando o traje mais assustador, complementado por uma velha adaga enferrujada, depara, no corredor, com um espectro aterrorizador montado pelos Otis (um fantasma falso constituído por uma vassoura, um lençol e um nabo oco), que o assusta terrivelmente. O pobre Sir Simon esconde-se novamente e não ousa regressar para observar melhor esse outro fantasma antes de amanhecer. Quando, finalmente, o faz, descobre que não passava de um mero boneco criado pelos gémeos para troçar dele.
    Diminuído por mais uma humilhação, Sir Simon permanece no seu esconderijo e nem sequer se preocupa em fazer reaparecer a mancha de sangue. Limita-se a sair de vez em quando para continuar a assombrar a casa – e até começa a usar o óleo lubrificante para impedir que as correntes façam barulho e, assim, os gémeos as ouçam –, mas procura permanecer o mais discreto possível. No entanto, apesar desta nova postura, não consegue evitar as partidas preparadas por membros da família. Depois de escorregar num pedaço de manteiga deixado pelos gémeos, magica uma nova vingança: veste um disfarce que não usa há setenta anos – Reckless Rupert ou Headless Earl – e prepara-se para assustar a família, no entanto os gémeos estão prontos para ele. Assim, mal entra no cómodo dos miúdos, aciona uma armadilha que lhe prepararam e um balde de água colocado por cima da porta cai sobre si. Humilhado pela quarta vez, foge de novo para o seu quarto, simultaneamente assustado, derrotado e indignado. O impacto físico deste último fracasso é tão grande e ele fica tão debilitado que não sai da cama durante semanas e desiste de assustar a família para sempre.
    Como deixou de ver o fantasma, a família Otis acredita que desapareceu. Quando recebem a visita da família do jovem Duque de Cheshire, pretendente à mão de Virgínia, por quem está apaixonado, a qual já se cruzou com o espectro no passado, este decide visá-lo, contudo está com tanto medo dos gémeos que decide nada fazer.
    Alguns dias depois, Virgínia encontra o fantasma por acaso, que está tão desesperado que não lhe presta atenção. A jovem fica tocada pelo seu sofrimento e procura confortá-lo. Em simultâneo, repreende-o por ter assassinado a esposa e por ter roubado as suas tintas para renovar a mancha no chão da biblioteca (o que explica as mudanças de cor) e a impossibilitou de pintar o que desejava. Além disso, garante-lhe que os gémeos regressarão à escola no outono, o que lhe trará algum alívio. Sir Simon conta-lhe que os irmãos da sua esposa o puniram com a morte por inanição e que foi amaldiçoado a errar sem descanso por séculos. Acrescenta ainda que, de acordo com uma profecia, a sua maldição será quebrada pelas lágrimas e orações de uma jovem por si. Além disso, declara que os habitantes de Canterville Chase saberão que o seu martírio terá terminado quando a amendoeira da propriedade, há muito tempo estéril, florescer de novo. Como Virgínia é jovem e boa, Sir Simon acredita que ela será a rapariga predita pela profecia e pergunta-lhe se o irá ajudar. Ela, corajosamente, aceita rezar pelo descanso dele e ajudá-lo a escapar à maldição. Assim, segue o fantasma e os dois desaparecem numa área secreta da casa.
    Rapidamente, a família nota a ausência de Virgínia, fica preocupada e procura-a pela casa e pelo jardim. Como não a encontram, começam a desconfiar de um grupo de ciganos que tinha, com o seu consentimento, acampar na propriedade. Decidem, então, prosseguir as buscas no dia seguinte, porém, à meia-noite, quando todos estão prestes a retirar-se para os seus aposentos, ouve-se um barulho terrível na casa e Virgínia aparece por detrás de um painel no cimo da escada. A jovem está exausta e transporta consigo um estranho cofre contendo as joias com que Sir Simon a tinha presenteado. De seguida, conduz a família até a um esconderijo, onde Sir Simon foi morto de fome pelos seus cunhados e onde o seu corpo se encontra, acorrentado à parede com um prato de comida e um jarro de água colocados à sua frente, mas fora do seu alcance. Esta foi a forma encontrada pelos irmãos da sua esposa para vingarem o seu assassinato. Deste modo, o fantasma, com a ajuda de Virgínia, parece ter encontrado a paz, o que é confirmado quando os gémeos observam a amendoeira em flor.
    A família Canterville é notificada dos últimos acontecimentos e o corpo de Sir Simon é sepultado no pequeno cemitério. O Sr. Otis manifesta a vontade de devolver as joias dadas a Virgínia pelo fantasma, pois parecem ser muito valiosas, porém Lorde Canterville recusa, considerando o extraordinário serviço que a jovem prestou ao seu antepassado e que o fantasma fazia parte da venda / compra da casa.
    No final da obra, ficamos a saber que, muito tempo depois, Virgínia se casou com o Duque de Cheshire. Após a lua de mel, o casal presta homenagem a Sir Simon colocando flores no seu túmulo. O marido pergunta-lhe o que fez para libertar o fantasma, mas a jovem responde-lhe que prefere manter isso em segredo, decisão que o Duque aceita, certo do amor da esposa. Quanto às joias, Virgínia usa-as quando conhece a rainha de Inglaterra.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Resumo do capítulo I de "O Fantasma de Canterville"

    Hirsham B. Otis, um ministro norte-americano, acaba de comprar a propriedade Canterville Chase a Lord Canterville, contrariando quem o avisa de que aquele local está assombrado e que, portanto, está a cometer um erro. Lord Canterville explica-lhe que a casa é o lar da família Canterville há várias gerações e informa-o que está totalmente mobilada, mas inclui também um fantasma que a assombra há três séculos, o que deixa os habitantes da propriedade muito desconfortáveis. Atualmente, esta ato pode parecer uma simples transação comercial, porém, na época, a aristocracia simplesmente não vendia as suas propriedades, o que mostra estarmos a entrar numa era de algumas mudanças. O dono da casa acrescenta que a duquesa viúva de Bolton teve um ataque de medo quando um esqueleto colocou as suas mãos no ombro da senhora enquanto ela se vestia e explica que outras pessoas viram o fantasma. No entanto, o Sr. Otis ri das crenças de Lord Canterville, afirmando que a sua família vem dos Estados Unidos, um país moderno onde ninguém acredita nessas coisas. Se existissem fantasmas, diz, o assunto seria tratado nos jornais e ele saberia disso, além de serem colocados em museus. Assim sendo, efetiva a compra da propriedade.
    Em julho, a família Otis (pai, mãe e quatro filhos) muda-se para Canterville Chase. Ao aproximarem-se da casa, alguns fenómenos sucedem: o céu fica subitamente coberto de nuvens, a atmosfera enche-se de uma quietude estranha, um grande bando de gralhas passa silenciosamente sobre as suas cabeças e algumas gotas grossas de chuva caem. Eles são recebidos à porta pela governanta, a Sr.ª Umney, que se apresenta envergando um vestido preto.
    Quando a família se prepara para tomar chá na biblioteca da nova residência, a Sr.ª Otis nota uma mancha vermelha no chão, junto à lareira. A Sr.ª Umney esclarece que se trata de uma mancha de sangue está ali há três séculos e que é uma verdadeira atração turística, já que marca o local onde Sir Simon de Canterville assassinou a sua esposa em 1575, e é impossível eliminá-la. A governanta acrescenta que o próprio Sir Simon desapareceu da casa em circunstâncias misteriosas e desconhecidas nove anos depois do crime, nunca o seu corpo tendo sido encontrado. O seu fantasma, porém, tem assombrado a moradia desde então.
    O filho mais velho, Washington, não  se mostra impressionado com a narrativa da Sr.ª Umney e procura, de imediato, remover a mancha de sangue do chão, usando o “Super Tira-nódoas Pinkerton e o Detergente Paragon”. A nódoa centenária desaparece, todavia de imediato um relâmpago ilumina a sala e a governanta desmaia. O casal dialoga sobre a forma como lidar com a senhora desmaiada, sugerindo o Sr. Otis que eles deduzam do seu salário o tempo despendido em desmaios, algo que ele crê ter como efeito acabar com esses achaques. Quando desperta, a mulher  avisa a família que coisas mas irão suceder, porém os Otis tranquilizam-na e a mulher vai deitar-se.

domingo, 28 de abril de 2024

Análise do poema "Água suja", de Bruna Beber

    O título do poema aponta, desde logo, para algo desagradável. De facto, o grupo nominal «água suja», nomeadamente o adjetivo, sugere sujidade, impureza, poluição, uma imagem visualmente desagradável que constitui uma metáfora da degradação da vida e/ou do ambiente. Note-se que a água, tradicionalmente, representa a pureza ou a purificação. Basta pensar no simbolismo do batismo cristão ou da lavagem de roupa ou outros objetos. No entanto, nesta composição poética perde esse significado, essa essência.
    Apesar de se tratar de um poema muito breve (o título, seguido de quatro versos), a sua interpretação está longe de ser «fácil». O primeiro verso aponta para o futuro («Ano que vem»), mas com que sentido? Algo que vai acontecer ou que se espera que aconteça? Ou estaremos perante a ideia do adiamento de algo? Ou, ainda, sugerirá a esperança depositada em algo ou alguém?
    O segundo verso não é menos complexo: «fantasia de carne». O nome «fantasia» aponta para a ideia de imaginação, ilusão, mas o que significa aqui o outro nome («carne)? Tratar-se-á de uma imagem representativa do corpo humano? Ou será da realidade crua e visceral? Por outro lado, essa «fantasia de carne» é «de sol temperada». Temperar carne ao sol significa curá-la ou secá-la ao sol. Se assim for, estaremos na presença de uma alusão a uma tradição cultural, algo que não é incomum na poesia de Bruna Beber. Porém, o último verso acrescenta outro tempero: o ódio. Deste modo, temos uma fantasia de carne, temperada de sol com ódio. Ou seja, há aqui um contraste entre o simbolismo do sol – vida, energia, calor – e do ódio, um sentimento carregado de negatividade, porém, a estrela e o sentimento surgem associados. Convém também ter presente que o ódio é um sentimento poderoso e extremamente destrutivo.
    Associando o verso final ao título, podemos inferir que o poema aborda a deterioração de algo que é / era puro, ou que o tempo transforma ou afeta as nossas experiências e perceção das coisas e do mundo que nos rodeiam.

Caracterização de Tom White

    Tom White é o agente responsável pela investigação respeitante aos Osage e, posteriormente, o diretor da penitenciária de Leavenworth. Um investigador cuidadoso e um diretor corajoso e determinado, White é o protagonista da obra e a sua bússola ética, mesmo que a investigação que lidera deixe muitas mortes por solucionar.
    O modo como Graan descreve White aproxima-o da figura de um pistoleiro do Antigo Oeste, um homem do passado. Ele mesmo parece ter consciência disso e é por essa razão que se junta ao Bureau of Investigation em 1917. O romance do Velho Oeste, muitas vezes associado ao caso Osage, é pouco apelativo para o agente, que sabe que a realidade difere imenso dos mitos. Criado no Texas juntamente com três irmãos, o seu pai era o xerife do condado de Travis e, como a família morava nas instalações que compreendiam a prisão, Tom cresceu fazendo perguntas sobre a justiça. Desde bastante jovem, acreditava que a pena capital era um homicídio judicial, o que revela desde logo muito do seu caráter.
    Face ao que foi exposto, é fácil concluir que White não corresponde à imagem de agente ideal do Bureau, porém estamos na presença de um investigador cuidadoso e persistente. Na década de 1920, os agentes não tinham autorização de porte de arma, todavia, familiarizado com os perigos típicos dos condados rurais remotos, White ignorava regularmente essa proibição, não obstante preferir evitar empregar a violência. Do progenitor herdou a noção de que era importante tratar as pessoas com igualdade, o que coloca em prática durante a investigação que lidera, desde logo selecionando uma equipa que inclui um agente nativo americano e trabalhando diligentemente para resolver o caso. Além disso, dá instruções à sua equipa para destrinçar os factos da ficção e procurar evidências que possam sustentar acusações e levar a condenações efetivas. A sua tenacidade e determinação acabam por produzir resultados. Outro traço relevante que mostra o seu caráter é o facto de não ceder ao suborno ou a qualquer forma de corrupção. É um homem íntegro, honesto, sério.
    Estas qualidades acompanham-no quando deixa o Bureau e se torna diretor de prisão, primeiro em Leavenworth, uma penitenciária federal, e depois em La Tuna, no Texas. A atestá-lo estão os depoimentos de presidiários, que o recordam como um homem que procurava o melhor nas pessoas, incluindo os criminosos mais empedernidos, buscando sempre a sua reabilitação e redenção. Isto não significa, porém, que se tratava de um homem mole ou brando: a sua coragem e a sua bravura levaram-no a acalmar sozinho um motim na prisão e, com prejuízo para si mesmo, salvou vários reféns durante uma fuga da penitenciária.
    Além disso, apesar do seu comportamento heroico em diversas situações, não era narcisista ou egocêntrico, evitando chamar a atenção para a sua pessoa. Também não passava informações sobre os presos para a imprensa e empenhou-se em dar destaque aos agentes que trabalharam consigo no caso dos Osage. Quando se deu conta de que os Estados Unidos estavam a esquecer a provação a que a tribo nativa tinha sido sujeita, procurou escrever um livro sobre o problema, no entanto viu-se confrontado com a falta de colaboração de J. Edgar Hoover, que, ao contrário de White, tinha um ego bastante inflado e desejava que a atenção ficasse centrada na própria pessoa ou na agência, por isso não lhe forneceu qualquer material, pelo que a obra ficou na gaveta.

sábado, 27 de abril de 2024

Análise das 24.ª, 25.ª e 26.ª partes da crónica 3 de Assassinos da Lua das Flores

    Estes três capítulos, chamemos-lhes assim, estabelecem que a arte da dança – primeiro uma peça tradicional e depois ballet – é um elemento fundamental da cultura osage, algo que já partilharam com o mundo, visto que duas irmãs nativas, Maria e Marjorie Tallchief, foram bailarinas excecionais. De facto, Maria, nascida em 1925, tornou-se a primeira bailarina da Ópera de Paris, bem como a primeira bailarina norte-americana a alcançar o estatuto de estrela internacional, destacando-se pelo seu desempenho excecional em papéis principais de balés clássicos como O Lago dos Cisnes e o Quebra-Nozes. Além disso, foi uma das fundadoras e principal bailarina do New York City Ballet, onde trabalhou de perto com o coreógrafo George Balanchine, que foi seu esposo durante alguns anos.
    Uma das temáticas centrais do final da obra de Graan é a questão de como viver entre culturas, que molda a experiência vivida pelo povo Osage no século XXI, que continua a lutar contra os efeitos do trauma histórico e contra sentimentos de alienação. Ao longo das décadas, a tribo sofreram diversas perdas sobretudo por causa da migração forçada e da destruição de práticas tradicionais, através da eliminação das manadas de búfalos que viviam nas planícies centrais, os desafios contemporâneos pelos Osage são, simultaneamente, semelhantes e diferentes dos que os seus antepassados enfrentaram. Com efeito, atualmente continuam a ter de lutar para proteger e assegurar os seus direitos, como é exemplificado pela ação judicial que colocam à Enel, uma empresa italiana do ramo energético que é acusada de violar a sua soberania tribal, bem como pela ação contra o governo norte-americano, tendente ao ressarcimento dos danos sofridos pelo povo. Profundas mudanças culturais, englobando regulamentação atinente à extração de petróleo, bem como a migração, têm vindo a esvaziar cidades anteriormente prósperas. No entanto, como uma mulher idosa Osage proclama nas derradeiras páginas do livro de Graan, alguns osage continuam ligados à sua terra porque, saturada com o sangue dos seus antepassados, ela ainda grita por justiça.
    Obter justiça para todas as vítimas é impossível, pois o tempo, no seu imparável curso, eliminou evidências e ocultou conexões, desde logo em razão do falecimento de descendentes de testemunhas e criminosos. O autor, afirma nas páginas finais, que a história é implacável, mas também falível, pois depende do ser humano para a construção do seu conteúdo e para a sua continuação. Se anteriormente os assassinatos tinham sido amplamente conhecidos, em pleno século XXI estavam praticamente esquecidos ou perdidos graças à indiferença ou ao preconceito racial, ou simplesmente abafados pela erupção de outros acontecimentos, tidos como mais importantes. Assim sendo, é necessária vigilância para manter a história viva e permitir que ela faça o seu trabalho.
    Outro dos motivos que impede a obtenção de justiça plena pelos crimes cometidos há um século é o desconhecimento do número real de assassinatos. Embora o período do Reinado do Terror tenha sido circunscrito à década de 1920, Graan descobre que há outros crimes, ocorridos na anterior e na subsequente, que se enquadram no padrão dos anos 20. A contagem oficial de vítimas – vinte e quatro – está inequivocamente errada e, muito provavelmente, representa apenas uma pequena percentagem do número real de pessoas mortas, ou deixadas morrer, durante esse período de crime organizado e sistemático. Assim sendo, a figura de William Hale pode ser vista como a vilã central do livro, porém o leitor tem de tomar consciência de que ele é apenas um dos muitos assassinos. Dos outros, alguns eram maridos e esposas que envenenaram lentamente os seus cônjuges ou companheiros; outros eram tutores que negavam cuidados médicos aos doentes. A ambição desmedida que norteou as ações de Hale enquanto orquestrava uma vastíssima conspiração motivou igualmente outras pessoas, cujos crimes talvez não tenham sido tão bem delineados, mas não foram menos letais. A terra do Condado de Osage pode continuar a clamar por justiça e reparação, no entanto o livro conclui tristemente que é improvável que receba uma resposta adequada.

Caracterização de Mollie (Wah-kon-tah-he-um-pah) Burkhart

    Mollie Burkhart é um membro da nação Osage, nascida em 1886. Ela é uma de quatro irmãs e é mãe de três filhos (James ou Cowboy, Elisabeth e Anna) e dona de uma grande fortuna, obtida graças aos direitos sobre terras no Condado de Osage, situado no estado norte-americano do Oklahoma. Embora nativa, é casada com um homem branco – Ernest Burkhart – e fala inglês. Quieta, paciente, mas determinada a bter justiça para as suas irmãs assassinadas, Mollie é uma personagem central da história da sua tribo e do livro de David Graan. Depois do julgamento, divorcia-se de Ernest e casa novamente com James Cobb. Morre de causas naturais em 1937, aos 51 anos.
    De facto, Mollie Burkhart é a protagonista da narrativa sobre os assassinatos de que foi vítima a sua tribo, desde logo porque consegue sobreviver à onda de mortes e porque está diretamente conectada com as vítimas e os vilões da história. Não obstante, não são muitas as informações conhecidas sobre a mulher. Quando Tom White assume a direção do caso, fica surpreendido por os agentes que o antecederam na investigação não tenham interrogado mais profundamente Mollie, visto que muitos dos seus parentes tinham sido vítimas do Reinado do Terror. O silêncio a que ela se submete parece constituir um reflexo do estereótipo do índio norte-americano, porém, na realidade, ele decorre essencialmente dos preconceitos de género e de raça que vigoravam na época. Seja como for, a imagem que se desprende de Mollie é a de uma mulher comprometida com a sua família e as suas tradições culturais. A sua determinação em conseguir justiça para os seus familiares não é mais do que uma extensão desse comprometimento.
    Como foi referido anteriormente, Mollie nasceu em 1886, bem antes do enriquecimento dos Osage, e foi criada de modo tradicional e de acordo com os costumes da sua tribo, até atingir a idade adulta, apesar de ter frequentado durante algum tempo a escola, o que lhe permitiu aprender os costumes norte-americanos e falar inglês. Apesar desse contacto com uma cultura exterior, Molly espera casar-se de acordo com a tradição da sua tribo e tem mesmo um breve casamento juvenil com Henry Roan, porém apaixona-se por Ernest e acaba por desposá-lo, seguindo os seus sentimentos, resultando desse matrimónio três filhos, que ama profundamente. Evidência desse amor é o facto de mandar embora a filha mais nova para o proteger, quando membros da sua família começam a morrer repentinamente e de forma suspeita.
    A imagem com que ficamos de Mollie é a de uma mulher compassiva, carinhosa e atenciosa. Confirmando esta visão, no final do livro de Graan, a sua neta, Margie, compartilha uma lembrança que o seu pai conservava da sua mãe tratando dela quando estava com dores de ouvido. Mesmo tendo consciência de que não é a filha predileta da mãe, Mollie cuida de Lizzie. Outro facto curioso prende-se com o gosto de dar festas que possui, nunca despendendo, todavia, grandes somas de dinheiro para tal, incluindo a receção de parentes do seu marido claramente racistas.
    O amor pelo marido leva-a a não acreditar, de início, nas acusações que o levam a tribunal. De facto, ela continua comprometida com o esposo, mesmo após a sua prisão por conspirar contra a própria família. Num dos poucos momentos em que Mollie se faz ouvir, ela expressa a sua determinação de que os culpados sejam punidos, bem como a convicção profunda de que Ernest não é um deles. Assim, escreve breves cartas consoladoras ao esposo na prisão, porém a sua atitude muda radicalmente quando ele confessa a sua culpa nos crimes. Deste modo, no momento em que é levado após ouvir a sentença, a expressão da mulher é descrita como «fria».
    A vida de Mollie descrita ao longo do livro é marcada pelo sofrimento e pela dor, culminando no momento em que ganha consciência de que o marido é um criminoso que atentou contra membros da sua própria família, contudo, no final, ganha contornos de felicidade, já que se volta a apaixonar e se casa. Além disso, consegue que a sua guardianship seja removido. Quando encontra a morte, em 1937, está livre por completo da teia da conspiração.

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