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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Resultados e Médias das Provas Finais do 9.º Ano 2025

Modelos / Minutas do JNE

Provas Finais e Exames Finais Nacionais 2025

Modelo 16-A – Alegação justificativa de reclamação de prova

Modelo 16 – Requerimento para reclamação de prova

Modelo 15 – Requerimento para reclamação de prova final

Modelo 12-A – Alegação justificativa de reapreciação de prova

Modelo 12 – Requerimento para reapreciação de prova

Modelo 11 – Requerimento para reapreciação não automática de prova final 

Modelo 10 – Requerimento para retificação das cotações

Modelo 09 – Requerimento para consulta da prova

Modelo 02 – Requerimento para Alteração de Escola

Anexo III – Confirmação para a realização de provas e exames em época especial (exclusivo para aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional que realizou na 2.ª Fase provas e ou exames como se da 1.ª Fase se tratasse)

Anexo II – Requerimento para realização de provas e ou exames em escola diferente da frequentada por Aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional

Anexo I  – Requerimento para realização de provas e ou exames em época especial por Aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional

Análise do poema "Amor, que o gesto humano n’alma escreve", de Camões

O assunto do soneto é simples: o sujeito poético, certo dia, viu a mulher amada a chorar, por isso ele mesmo subitamente começou também a verter lágrimas. Logo após esta descrição, que ocupa as duas quadras, no primeiro terceto, interpreta o pranto da mulher como uma manifestação de benevolência para com ele próprio, todavia não tem a coragem de acreditar nisso, visto que, se se provasse ser verdade, correria o risco de enlouquecer. No segundo terceto, o poeta, dissociando-se do sujeito lírico, chama a atenção do leitor (“Olhai”) para o poder sobrenatural de Amor, dado que é capaz de gerar lágrimas a partir de lágrimas. No primeiro caso, o choro é apenas sinal de compaixão, enquanto, no segundo, é sinónimo de uma felicidade tanto imortal quanto ilusória.

    No primeiro verso, o sujeito poético afirma que o Amor desenha e imprime na alma a imagem do rosto humano, algo que remete para uma teoria de Aristóteles que foi desenvolvida por Marsilio Ficino, segundo a qual a memória guarda a imagem que viu uma vez, sendo capaz, a partir daí, de a evocar. Ora, este incipit constitui uma variação do soneto V de Garcilaso de la Veja, cuja primeira quadra reza o seguinte:
Escrito ‘stá en mi alma vuestro gesto,
y cuanto yo escribir de vos deseo:
vos sola lo escribistes; yo lo leo,
tan solo, que aun de vos me guardo en esto.
Estes versos sugerem que o «eu» poético contempla a imagem da sua amada na solidão, porém, apesar de o ser amado estar ausente, aquele está perturbado, como se a mulher estivesse diante de si.
    O verso inicial do soneto de Camões é retomado e enriquecido, nos seguintes, por uma sequência metafórica de cariz petrarquista: as “vivas faíscas” são os olhos da mulher amada, o “puro cristal [que] se derretia” representa as lágrimas, as “vivas rosas” e a “alva neve” aludem às cores da sua face (às maçãs do rosto e ao tom da pele). Este conjunto de metáforas de sabor petrarquista mostram uma mulher a chorar. As rosas e a neve (noutros poemas e com outros autores, encontramos lírios, flores brancas, leite) representam as cores das faces, enquanto o cristal assinala, inicialmente, a brancura da tez e, posteriormente, depois do processo de liquidificação, passa a designar, metaforicamente, a água das lágrimas derramadas pelos olhos, numa espécie de transformação alquímica. Ou seja, o cristal situa-se acima dos olhos, que são o fogo, que, por meio da arte da destilação, o destila e faz cair nos vidros (os olhos), nas rosas e nos lírios das faces.
    Começa a revelar-se aqui o modo como este soneto indicia o enorme êxito que teve na época a literatura dos emblemas, iniciada por Andrea Alciato, cuja obra Emblemata foi publicada em 1534, em Paris. Pouco depois, obteve grande eco na Península Ibérica e, no início do século XVII, as recolhas de emblemas na Europa atingem o auge com Daniël Hensius e Othoni Vaenius. Um emblema é formado por uma imagem visual, por cima da qual se lê uma divisa, normalmente uma frase curta, por baixo da qual existe um pequeno texto explicativo. Inserindo-se dentro desta corrente, este soneto camoniano pode ser analisado como uma glosa a colocar sob um emblema virtual. No caso, tratar-se-ia muito provavelmente de um alambique, uma figuração que o encontramos também no emblema n.º 95 de Vaenius, que representa Cupido a chorar, ajoelhado perante um alambique em cima de uma fogueira.
    O verso 5, na esteira da doutrina neoplatónica, segundo a qual o amor se transforma no ser amado, com ele se identificando, afirma que o sujeito poético não se atreve a olhar-se a si próprio. Ora, seguindo a teoria platónica, tal significa que contemplar a mulher amada é a mesma coisa que contemplar-se a si próprio, algo que, além de ser psicologicamente  difícil, acarreta o risco de cegueira, porque, de acordo com o petrarquismo, a mulher amada é identificada com o sol. A mulher, no esplendor da sua beleza, refulge como um sol, daí que o «eu» não ouse olhá-la.
    Apesar de, normalmente, não se atrever a olhar a mulher amada, o sujeito lírico acaba por o fazer “por se certificar do que ali via” (v. 6), ou seja, para se certificar dos bons fundamentos da sua própria visão, mas, quando se apercebe que ela está a chorar, os seus próprios olhos convertem-se em fonte de lágrimas, sofrendo uma metamorfose que também encontramos em Petrarca. É exatamente o que acontece a quem procura olhar o sol, uma comparação recorrente em Petrarca. Assim, o «eu» poético começa a chorar de repente, o que lhe serve de desabafo, visto que as lágrimas aliviam a dor, tornando-a mais suportável.
    No primeiro terceto, o sujeito poético interroga-se qual seria a causa do pranto da mulher amada. O seu próprio sentimento de amador diz-lhe que as lágrimas dela seriam um sinal da sua benevolência para com ele. Se aquele que ama acreditar nessa explicação, arrisca-se a enlouquecer por excesso de felicidade (é o “imortal contentamento” – v. 14). O “primeiro efeito” referido no verso 11 são as lágrimas da mulher, que precedem as do amador.
    O segundo terceto corresponde à conclusão de um silogismo. Nas palavras de Faria e Sousa, a figura feminina, ao chorar, por piedade amorosa e não por uma amor desprovido do decoro da honestidade, derrama lágrimas de grande contentamento para o amante, pois eram um favor vindo dela, proveniente de um amor honesto e piedoso. Perante o processo de liquefação do cristal e, sobretudo, a origem paradoxal da dupla corrente de lágrimas que é derramada, o autor dirige-se ao leitor, apelando para a sua capacidade de se deslumbrar (através do imperativo “Olhai”: vede, pois, que espetáculo). Atente-se num estratagema literário usado por Camões: o poeta não é responsável por aquilo que escreve, mas é Amor que redige em vez dele, ao mesmo tempo que grava na sua alma o rosto da amada. Este motivo literário tem a sua origem em Ovídio (“[Amor] Ille Mihi primo dubitanti scribere dixit: ‘Scribe [...]”); reaparece em Petrarca (“Più volte Amor m’avea già detto: Scrivi, / scrivi quel che vedesti in lettre d’oro”), retomado por Boscán (“Gran tiempo ha que amor me dice: escrive, / escrive lo que’n ti yo tengo ‘scrito / de letra que jamás será borrada” e nas Rime de Petro Bembo. Este estabelece um diálogo com Amor em pessoa, que, no final do soneto, o manda escrever o que encontrará gravado no seu próprio coração, bem como o que poderá ler nos olhos da sua amada.
    Este conceito retomado por Petro Bembo foi definido filosoficamente por Platão, para o qual o efeito produzido pelas sensações na nossa memória pode comparar-se com a ação de alguém que escreve na nossa alma, onde existe uma placa de cera pronta para receber as impressões produzidas por tudo aquilo que vimos, ouvimos ou pensámos. A mesma noção é explanada por Aristóteles: quando os sentidos percebem um objeto (por exemplo, uma rosa) o sentido comum agrupava todas as sensações (cheiro, cor, etc.) numa sensação composta. A rosa deixa uma “impressão” nos nossos sentidos, que Aristóteles comparava com um selo que se imprimia sobre uma tábua de cera, deixando marcada a sua forma, mas não a sua matéria. A imaginação recebe essa sensação composta, a partir da qual forma uma imagem ou «fantasma». A imaginação (chamada “o olho da alma”) é capaz de reviver essa imagem quando o objeto percebido está ausente. Esta faculdade não é somente reprodutora, mas também criadora ou “pintora de imagens”, mesmo que possa produzir intencionalmente imagens de coisas inexistentes ou que nunca sucederam. Levado pelo desejo violento do objeto amado, o sujeito fica com a sua forma gravada na fantasia, que permanece na memória, assim dela se recordando continuamente. Destes dois fenómenos decorre um terceiro, visto que do desejo violento e da recordação, à qual o pensamento continuamente regressa, nasce o impulso passional.
    Em suma, dissociado do «eu» poético, o autor chama a atenção de leitor para o poder sobrenatural de Amor (personificação), pois é capaz de gerar lágrimas a partir de lágrimas. Umas são provenientes da mulher e constituirão uma manifestação da sua compaixão (“de lágrimas de honesta piedade” – v. 13) e as outras tradutoras de uma felicidade imortal (“lágrimas de imortal contentamento” – v. 14).
    Este soneto exemplifica uma atitude tipicamente maneirista: primeiro, é descrita uma mulher a desfazer-se em lágrimas, de forma enigmática. Cada detalhe fisionómico está associado a uma metáfora de sabor petrarquista. Depois, no final do soneto, é o próprio autor que assinala, de forma complacente, a singularidade do fenómeno descrito.
    Note-se, a finalizar, que este poeta é atribuído a Luís de Camões, no entanto subsistem dúvidas acerca da sua autoria.
 
Bibliografia:
. Rita Marnoto;
. Maurizio Perugi.

 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Análise do poema "Fui criança, indo por um carreiro, a caminho do mar", de Fiama Hasse Pais Brandão

    O poema, da autoria de Fiama Hasse Pais Brandão, é constituído por uma única estrofe, constituída por 13 versos livres, brancos ou soltos, e aborda a temática da infância, convocando a memória para a rememoração desse tempo e do impacto que teve na formação espiritual e emocional do sujeito poético. De facto, a experiência sensorial da Natureza molda-o-

    O sujeito lírico recorda um passado distante – o da infância –, daí o recurso ao pretérito perfeito do indicativo (“Fui criança.”). Metaforicamente, retrata-o como um carreiro, que simboliza o percurso dessa fase da vida, uma passagem inicial, rodeada pela Natureza. Esse carreiro desagua no mar, um espaço que remete para a ideia de vastidão, de descoberta, de aventura. O mar, de facto, simboliza a vastidão da vida, a liberdade e o desconhecido – o destino para onde a criança caminha, representando a passagem para um mundo mais amplo e complexo – o da adultez. Durante o percurso, o «eu» poético vai de mão dada (supostamente com alguém), um gesto que representa afeto, proteção e cumplicidade: a criança não está sozinha, há quem a acompanhe e guie (talvez um adulto – um pai, uma mãe) através da Natureza – “entre árvores, pedras, insetos e aves” (esta enumeração de elementos naturais caracteriza-se pela diversidade e vida exuberante e evidencia a atenção que o «eu» infantil dedica ao que o rodeia – a Natureza funciona, assim, como companhia e cenário). Resumidamente, o carreiro simboliza o caminho estreito e inicial da infância, o percurso inicial, ainda protegido e embalado pela Natureza, rumo ao mar (a descoberta / a maturidade), em direção à maturidade.

    O verso 4 recorda a poesia de Cesário Verde e Alberto Caeiro: “Toda a Natureza me coube nas pupilas”. O sujeito poético capta o mundo por meio dos sentidos, das sensações, nomeadamente, no caso do verso citado, da visão. Além das sensações visuais, nele ocorre uma hipérbole: toda a Natureza «caber» nos olhos do «eu» sugere a sua capacidade de maravilhamento, característica da infância. O verso seguinte personifica-a como mestra, isto é, como «algo» que ensina, e apresenta-se a si mesmo como «discípula», ou seja, como alguém que aprende a lição que a professora ministra. Note-se que o uso do feminino clarifica que o «eu» poético é uma mulher. Quer isto dizer que a infância é uma fase de aprendizagem, concretizada através da experiência sensorial do mundo. A Natureza é, em síntese, representada como uma mestra viva e sensível, que educa o «eu» através do que os sentidos conseguem captar. Através dos seus elementos (som, cor, movimento, etc.) e das suas ausências (silêncio, distância), ela ensina o sujeito lírico a sentir emoções como o prazer, a perda, a dor e a pertença. Neste contexto, as pupilas constituem uma espécie de portal sensorial através do qual a criança absorve o mundo – trata-se de uma espécie de abertura, de aprendizagem. A criança que o «eu» foi é, portanto, a discípula da Natureza, alguém que absorve o mundo com total abertura sensorial e emocional, conduzido e protegido pela mão de um adulto.

    Quando o «eu» fechava os olhos e deixava de contemplar a Natureza, esta punia-o “com o silêncio cruel das ondas” (a ausência do som natural – sensação auditiva – é opressiva e dolorosa), com a “mudez imerecida dos insetos” (novamente o silêncio e nova sensação auditiva, representando um castigo injusto e vulnerável) e com a distância das aves, que lhe causava dor. Ou seja, o «eu» lírico relacionava-se com a Natureza, que o deixava maravilhado, através dos sentidos e das sensações, nomeadamente do olhar, o primordial. Fechando os olhos, deixa de poder contemplá-la, de se maravilhar com ela, e isso causa-lhe sofrimento e dor. Como castigo, a Natureza fica em silêncio, impedindo-o de com ela contactar, na ausência de visão, através do sentido seguinte mais abrangente: a audição. Esse sofrimento e essa dor intensificam-se com a distância de outro elemento natural: as aves. Além do corte da visão e do silêncio, a separação física delas – símbolo de liberdade – ampliam a sensação de perda e intensifica, a dor, pois representam a perda da ligação imediata e afetiva com o mundo natural e, simbolicamente, com a liberdade e a inocência da infância.

    Quando abria os olhos e voltava a contemplar a Natureza com o olhar, o mundo regressava, abundante, generoso, acolhedor (o contacto com ela através dos sentidos é essencial para a plenitude), apaziguador e dele(a) (nota-se aqui um sentimento de pertenças forte, uma fusão entre o sujeito poético e o ambiente natural que o rodeia. No entanto, quem o guiava no tempo da infância – a “mão que me trazia a mão” (a repetição do nome «mão» reforça a ideia da ligação entre a infância e o amparo proporcionado pelos adultos, mas também o caminho em direção para uma nova fase da existência) – levava-o além da atitude de contemplação da Natureza, puxava-o – a mão que puxa representa o crescimento inevitável – para o crescimento, para a “luz de cada dia”, isto é, o quotidiano, o amadurecimento inevitável, para o qual é conduzido pelo adulto, experiente, conhecedor da vida e que já enfrentou aquele caminho, aquele processo. Assim sendo, a “luz de cada dia” associar-se-á à consciência, à maturação, à entrada consciente no mundo dos adultos. Por outro lado, essa transição da infância para a adultez constitui um movimento gradual, mas inevitável: o «eu», ligado à Natureza, é conduzido pela mão em direção ao futuro.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Análise de O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos

 I. Vida de José Mauro de Vasconcelos


II. Obras


III. Obra


IV. Época


V. Ação

        1. Resumo

        2. Estrutura

        3. Resumo dos capítulos

                3.1. Primeira parte

                        3.1.1. Primeiro capítulo

                        3.1.2. Segundo capítulo

                        3.1.3. Terceiro capítulo

                        3.1.4. Quarto capítulo

                        3.1.5. Quinto capítulo

                3.2. Segunda parte

                        3.2.1. Primeiro capítulo

                        3.2.2. Segundo capítulo

                        3.2.3. Terceiro capítulo

                        3.2.4. Quarto capítulo

                        3.2.5. Quinto capítulo

                        3.2.6. Sexto capítulo

                        3.2.7. Sétimo capítulo

                        3.2.8. Oitavo capítulo

                        3.2.9. Último capítulo


VI. Análise dos capítulos

        1. Título da 1.ª parte

        2. Capítulo I

                2.1. Título

                2.2. Ação

                2.3. Caracterização das personagens

                        a) Zezé

                        b) Totoca

                        c) Mãe


Caracterização de Totoca (capítulo I da 1.ª parte)

i) Caracterização física
 
É mais velho do que Zezé: tem nove anos.
 
ii) Caracterização psicológica
 
Assume, parcialmente, o papel de ensinar ao irmão mais novo aspetos práticos e essenciais sobre a vida e o mundo dos adultos. Neste capítulo, por exemplo, ensina-lhe o caminho para a escola.
 
Trata Zezé de forma rude, com alguma frieza e até distância: caminha de mão dada com o irmão, ensina-o a atravessar a rua, desdenha das suas fantasias, etc. Aparenta ter já perdido parte da sua ingenuidade e inocência e a sua atitude face a Zezé sugere que esse é um caminho imprescindível na infância.
 
Procura afastá-lo da imaginação e das ilusões, que poderão coloca-lo em perigo ou fazê-lo sofrer.
 
iii) Caracterização social
 
Assume a função de irmão mais velho, substituindo em parte a figura paterna ausente.
 
Aprende desde cedo a ter responsabilidades fora da sua idade: cuidar do irmão mais novo, encarar a realidade do desemprego do pai.
 

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Caracterização de Zezé (capítulo I da 1.ª parte)

 
i) Caracterização física

A epígrafe que antecede a narrativa coloca o leitor na pista: vai ler uma obra que constitui uma memória dos tempos de infância do protagonista – a “história de um meninozinho que um dia descobriu a dor”.
 
Assim sendo, é clara uma relação autobiográfica entre o autor (José Mauro de Vasconcelos) e o pequeno Zezé (este nome é um diminutivo de José).
 
Zezé é uma criança pequena, com cinco anos, de constituição franzina e aparência frágil, como o indiciam, além da sua tenra idade, o facto de ser protegido pelo irmão, com quem vai de mão dada.
 
ii) Caracterização psicológica
 
É uma criança precoce e muito inteligente: aprende a ler sozinho, faz perguntas filosóficas (“Idade da razão pesa?”), escuta os adultos com muita atenção, para tentar compreender o que dizer.

É muito curioso: faz muitas perguntas sobre as circunstâncias com que se vai deparando no seu dia a dia e não aceita explicações rasas, antes insiste nas perguntas.
 
É muito imaginativo e sonhador: inventa histórias, cria mundos paralelos para fugir da realidade dura que vive.
 
iii) Caracterização social
 
Pertence a uma família pobre e numerosa que mora num bairro simples.
 
É o penúltimo de vários irmãos.
 
A família enfrenta dificuldades financeiras: o pai está desempregado, o que gera tensão em casa; a família não tem como pagar a luz, tem o aluguer da casa atrasado.
 
A sua educação é moldada pela família, mas também pela comunidade e pela liberdade que encontra fora de casa.
 

Ação do capítulo I da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima

    A ação da obra abre com o recurso a uma analepse, cuja função reside em introduzir na narrativa a primeira grande descoberta do narrador: ele revela à família que já sabe ler e que aprendeu a fazê-lo sozinho.

    De facto, o capítulo inicial começa com Totoca a acompanhar Zezé e a ensinar-lhe o caminho até à escola. Nesse momento, a narração recua alguns dias, concretamente até ao momento em que a criança dera a entender que já sabia ler, primeiro ao tio Edmundo e, de seguida, a toda a família. Todos ficam incrédulos e testam-no. Confirmada a situação, decidem que, como sabe eu, Zezé deverá entrar na escola rapidamente, mesmo sendo necessário mentir quanto à sua idade (dado que tinha apenas cinco anos) até porque, assim, daria menos trabalho em casa.

Análise do título do capítulo I da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima

    O título do primeiro capítulo é “O Descobridor das Coisas” e remete pra um dos traços do protagonista: a sua curiosidade, a vontade de compreender tudo o que o rodeia, desde como atravessar a rua até conceitos tão profundos como “idade da razão” ou questões do quotidiano como “aposentadoria”. Neste contexto, o nome «coisas» é propositadamente vago, pois designa tanto um qualquer objeto (uma rua, um comboio, etc.) quanto o invisível (os sentimentos e as emoções suscitados pela música, a dor da violência física, o mistério de aprender a ler sozinho, etc.). Zezé enfrenta uma realidade dura: a violência doméstica, a pobreza, a falta de afeto e amor, por isso uma forma de sobreviver e enfrentar essa realidade consiste em transformar tudo em descoberta. Porém, reside aqui um paradoxo: ele é uma criança que descobre algumas coisas cedo demais, como confessa nas linhas finais: “A verdade, meu querido Portuga, é que a mim contaram as coisas muito cedo.”

Título da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima

    O Meu Pé de Laranja Lima está dividido em duas partes, dois momentos que caracterizam o crescimento do protagonista, Zezé.

    A primeira parte tem o subtítulo “No Natal, às vezes nasce o Menino Diabo”, o qual configura “uma desconstrução satírica da imagem de esperança e redenção que se atribui emocionalmente ao «Menino Jesus»” (Miguel Neves Santos, op. cit., pág. 8). Por outro lado, remete para a imagem de “Menino Diabo» que Zezé vai, ao longo da narrativa, criando de si próprio a partir do modo como os outros se lhe referem, o caracterizam e reagem às suas partidas e travessuras.

Resumo do último capítulo - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima

    No capítulo final, muito breve, uma espécie de confissão, é já o narrador Zezé-adulto que se dirige a Manuel Valadares, mais de quarente anos depois dos acontecimentos, e lhe confessa o impacto que ele teve na sua vida.

    De facto, Zezé relembra, com ternura e saudade, o vínculo afetivo que manteve com o Portuga durante aquele breve período da infância. Em simultâneo, confessa que, apesar de tantos anos volvidos, por vezes ainda parece sentir-se criança e espera que ele reapareça com presentes simples, como figurinhas ou bolas de gude, os quais simbolizavam o afeto, o cuidado e a atenção que recebia de Valadares. Além disso, reconhece que foi o português quem lhe ensinou a ternura da vida, um sentimento que tenta manter vivo até ao presente, compartilhando afeto com os outros, mesmo quando erra ou se engana, porque, afinal, “a vida sem ternura não é lá grande coisa”.

    Por outro lado, num tom melancólico, admite que foi precocemente atingido por detalhes da realidade dura e cruel que chocam com a inocência e a esperança que devem ser preservadas no decurso da infância. É com essa reflexão sobre a dureza de ter conhecido as dores da vida demasiado cedo, relembrando uma frase de Dostoiévsky para expressar a tragédia de uma infância interrompida pela dor e pela perda.

    A obra termina, pois, de forma poética e dolorosa, mostrando que as marcas da infância permanecem vivas na memória e no coração de Zezé. É um adeus simbólico ao Portuga e à criança que um dia foi, uma criança que conheceu o peso da vida antes do tempo, mas que também conheceu o valor do amor verdadeiro.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Resumo do capítulo VIII - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima

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    Zezé recupera e recomeça a sua vida, apesar do vazio enorme que sente. É já quase restabelecido que escuta a novidade do pai: fora nomeado gerente da Fábrica de Santo Aleixo, o que significa que a situação financeira da família irá melhorar. É precisamente isto que o pai promete: pegando nele ao colo e falando-lhe com carinho, garante-lhe uma vida melhor, com presentes no Natal, viagens e uma nova casa com muitas árvores. Além disso, tenta resgatar o vínculo afetivo, relembrando a medalha do índio e prometendo devolvê-la num novo relógio.

    No entanto, Zezé, apesar das palavras otimistas do progenitor e do seu gesto de carinho, de aproximação, afasta-se, confuso e magoado, e reflete que aquele homem não é seu pai – o seu verdadeiro pai, na sua perceção afetiva, tinha partido no dia em que o Portuga morreu, símbolo do afeto e compreensão. Quando seu Paulo tenta consola-lo, dizendo-lhe que, no futuro, poderá escolher novas árvores, acrescentando que não haverá motivo para temer o corte do seu pé de laranja lima, visto que não acontecerá a curto praxo, Zezé desaba. Em lágrimas, assume simbolicamente, sem que o pai compreenda o alcance e o significado das suas palavras, que a sua árvore já fora cortada há mais de uma semana, associando-a, assim, ao desaparecimento do seu amigo Portuga.

Resumo do capítulo VII - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima

    É neste capítulo, intitulado “O Mangaratiba”, que tem lugar a última peripécia da obra. Numa aula, já perto do final do ano letivo, enquanto Zezé brilha no quadro e encara, entusiasmado, a proximidade das férias, um colega, Jerónimo, entra atrasado e explica que tal se deveu a um acidente entre o comboio Mangaratiba e o automóvel de Manuel Valadares. O narrador fica perturbadíssimo e sai da sala a correr, guiado pela urgência de confirmar com os próprios olhos o que acontecera ao seu querido Portuga. Ao chegar à confeitaria, procura com o olhar o automóvel, mas não o vê. Volta a correr, até ser intercetado por seu Ladislau, que o impede de prosseguir. Convém recordar que a amizade entre Zezé e Valadares era praticamente um segredo, por isso, com exceção de seu Ladislau da confeitaria, todas as outras pessoas estranham a reação da criança, nomeadamente quando entra de tal forma em choque que adoece gravemente. Entretanto, o homem procura acalmá-lo, afirmando que o português está internado no hospital e que o levará a vê-lo quando for possível. Desorientado e arrasado, o menino recusa voltar para casa ou para a escola e vagueia sozinho pela cidade, chorando, até que chega a um lugar simbólico – a estrada onde o Portuga o deixara chamá-lo assim e o deixara «morcegar». Aí, dirige um lamento profundo ao Menino Jesus, questionando por que razão está a ser castigado. De facto, ele sente-se injustiçado, visto que tem tentado ser um bom menino, mudou o comportamento, estudou, deixou de dizer palavrões e, ainda assim, continua a sofrer. Recorda então outra perda que se avizinha: o corto do pé de laranja lima. Imerso na sua dor, exige ao Menino Jesus que lhe devolva o Portuga. É nesse momento que ouve uma voz doce e suave, talvez saída da própria árvore onde se sentara, que lhe diz que o seu amigo foi para o céu.

    É encontrado por Totoca sentado nos degraus da casa de Dona Helena Villas-Boas, completamente esgotado, febril, sem forças nem para chorar. Totoca tenta confortá-lo e levá-lo para casa, mas Zezé recusa, afirmando que já não tem mais nada em sua casa, pois tudo na sua existência perdeu sentido. O irmão, preocupado, leva-o ao colo até casa e deita-o na cama, percebendo a gravidade do seu estado. Inicialmente, Jandira desvaloriza a situação, pensando que o menino está a fingir, porém, durante três dias e três noites, mergulha num estado de febre alta. Glória, a irmã que mais o acarinha e o protege, muda-se para o seu quarto, mantém a luz acesa e permanece sempre ao seu lado. Toda a família, normalmente ríspida, passa a tratá-lo com doçura. O Dr. Faulhaber é chamado e conclui que Zezé sofre de um choque traumático intenso. A família e os vizinhos associam erradamente o estado de Zezé ao comentário feito por Totoca sobre o eventual abate do pé de laranja lima. A própria vizinhança, antes crítica, mobiliza-se para o apoiar: trazem-lhe doces, ovos, orações e palavras de afeto. A criança sente-se tocada, mas continua entregue à dor, até que recebe a visita de Ariovaldo, o vendedor de folhetos, que lhe implora que não morra. Esta visita comove o menino e marca o início da sua lenta recuperação.

    Zezé começa a conseguir reter alimentos, mas continua a ser assolado por imagens do Mangaratiba esmagando o Portuga, e pede a Deus que ele não tenha sofrido. Glória continua a tratar dele com todo o carinho e chega a oferecer a sua mangueira do quintal, mas o irmão responde que nem a planta dela nem o pé de laranja lima serão mais importantes. Totoca sente-se culpado por ter contado a notícia que, supostamente, desencadeou a crise e chega a emagrecer com o remorso. A vida da família volta, gradualmente, à normalidade, mas Glória não abandona a cabeceira da sua cama, pois o narrador continua a ostentar um estado de debilidade, oscilando entre momentos de melhora e outros de recaída e sempre mergulhado numa sonolência.

    Num dos momentos de febre alta, Zezé tem um sonho que marca o fim da doença. Nesse sonho, o seu pé de laranja lima aparece pela última vez no texto, iluminado: entra no quarto com um presente – Luciano, o pássaro, todo enfeitado com penas prateadas – e leva-o a cavalo pelas ruas, até chegar aos locais que partilhara com o Portuga e, em particular, até encarar o sinistro som do Mangaratiba e enfrentar definitivamente  a morte do seu amigo. De facto, Minguinho transforma-se num cavalo voador e Luciano acompanha-os alegremente ao ombro do narrador. O percurso traz uma breve sensação de alegria e a tristeza afasta-se por instantes. No entanto, um som familiar e assustador irrompe à distância: é o apito de um comboio. Zezé reconhece imediatamente o ruído do Mangaratiba e o pânico apodera-se dele, convencido de que o comboio quer agora matar o seu outro amigo, Minguinho. Grita desesperadamente e tenta impedir que a árvore seja esmagada também. O trem passa com um enorme barulho, fumo e violência e a criança grita várias vezes «Assassino!», revivendo o trauma da morte do Portuga. A certa altura, o próprio Mangaratiba parece falar, repetindo entre risos e gargalhadas o seguinte: “Eu não sou culpado... Eu não fui culpado...”.É neste momento que Zezé acorda, como se despertasse também para a realidade, em sobressalto, gritando, a vomitar. A mãe abraça-o, tentando confortá-lo, dizendo que foi apenas um pesadelo. Glória, em lágrimas e esgotada, relata que acordou com os gritos do irmão a chamar «assassino» a alguém e a falar de morte e destruição.

    Poucos dias depois, a doença chega ao fim. Numa manhã, Glória entra no quarto com uma flor na mão – é a primeira flor de Minguinho, símbolo de que a árvore está a crescer, mas também marca o fim da inocência de Zezé, que compreende que a flor representa uma despedida simbólica – o pé de laranja lima deixa de pertencer ao mundo da imaginação e passa a fazer parte do mundo real e doloroso. Depois, Glória propõe-lhe tomar um pequeno-almoço leve (um mingau) e dar uma volta pela casa, o que simboliza o regresso à normalidade. Luís convida o narrador a brincar: quer visitar o jardim zoológico, a Europa, a selva amazónica, e brincar com Minguinho. Zezé não quer desiludir o irmão e aceita. Glória observa, emocionada, a cena, aliviada por o ver regressar ao mundo da fantasia. Quando Luís pergunta pela pantera negra, símbolo de uma das fantasias partilhadas entre ambos, o narrador hesita, mas acaba por manter viva a ilusão do irmão e responde que o animal foi passar férias na Amazónia. Por dentro, todavia, tem consciência da realidade, isto é, que nunca houve pantera nenhuma, apenas uma galinha velha que acabou num caldo. A selva do Amazonas, por outro lado, não passava de algumas laranjeiras do quintal.

    Por fim, Zezé, cansado, decide terminar a brincadeira, prometendo retomá-la no dia seguinte. Luís, por causa da sua tenra idade, não compreende que aquela flor branca que Glória trouxe representa o adeus definitivo a Minguinho – e, com ele, à infância, à fantasia e à inocência do narrador.

Resumo do capítulo VI - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima

    O início deste capítulo é marcado pela continuação do diálogo entre Zezé e o Portuga. Este explica ao menino que, na sua infância, não teve árvores que falassem consigo, e fala-lhe com carinho das vindimas e das tradições rurais de Portugal, evidenciando, assim, toda a ligação afetiva que mantém com o torrão natal, nomeadamente a Trás-os-Montes. A partir deste momento, a narrativa é marcada pela perda e pela tristeza. O primeiro coincide com a confissão do desejo, por parte de Manuel Valadares, de um dia regressar a Portugal (mais concretamente a Folhadela) para viver a sua velhice. Esta revelação entristece profundamente Zezé, que só então percebe que o amigo é mais velho que o próprio pai. Além disso, a criança é invadida por uma sensação de vazio, decorrente da consciência de que o construiu com o amigo poderia desaparecer. Em resposta, o Portuga assegura-lhe, com ternura, que o menino estará sempre nos seus sonhos, porém também o alerta, com tristeza e realismo, que não se deve apegar demasiado às pessoas, porque tudo é passageiro.

    A sequência seguinte é caracterizada por um diálogo entre Zezé e o pé de laranja lima. A criança revela-lhe que o pai, agora, o trata der forma mais carinhosa e próxima e acrescenta que gostaria de ter 24 filhos – os primeiros 12 seriam sempre crianças e nunca seriam castigados, enquanto os restantes cresceriam escolhendo livremente o que queriam fazer. O narrador imagina-se a oferecer-lhes objetos simbólicos das profissões que escolherem: machados, fardas, selas, bonés. Minguinho interrompe-, questionando sobre como seria o Natal. A criança fantasia que será muito rico, ganhará a lotaria e comprará toneladas de castanhas, brinquedos, nozes e doces para os filhos e também para os vizinhos pobres.

    Outro momento representativo da perda e da tristeza é suscitado por Totoca, que pede 400 réis ao irmão. Este, porém, recusa o empréstimo, mesmo tendo o dinheiro e só aquiesce quando Totoca elogia o pé de laranja lima, comparando-o com o seu próprio pé de tamarindo. Em troca, o irmão dá duas notícias: o pai conseguiu trabalho como gerente na fábrica de Santo Aleixo, o que permitirá à família sair da miséria; por outro lado, anuncia a possibilidade de Minguinho ser cortado, visto que a prefeitura projetava obras de alargamento da estrada, o que implicaria destruir alguns quintais. Esta segunda notícia atinge profundamente Zezé, que chora, entrega a Totoca uma moeda de quinhentos réis para que este vá ao cinema ver um filme do Tarzan, usando o troco para comprar rebuçados, e suplica-lhe que o ajude a impedir o abate do pé de laranja lima, chegando até a falar de guerra.

    Zezé regressa para junto de Minguinho, ainda bastante emocionado. Recorda que já viu o filme do Tarzan e decide contar a Manuel Valadares. Este pergunta-lhe se queria ir ao cinema, mas o menino responde que não pode entrar no Cinema Bangu durante um ano como castigo por uma travessura passada e que tal só poderá suceder se for acompanhado por um adulto. Quando chegam à bilheteira, a moça que atende o público diz-lhes que tem ordens para não deixar entrar o narrador. O Portuga assume a responsabilidade pelo menino, argumenta que agora está mais maduro. A jovem, hesitante, acaba por ceder, especialmente pelo gesto de carinho da criança, que lhe sopra um beijo e lhe sorri com ternura, mas adverte-o de que, se ele se comportar mal de novo, ela perderá o emprego.

Resumo do capítulo V - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima

    Zezé precisa de cerca de uma semana para começar a recuperar fisicamente. Psicologicamente, fica devastado e interioriza a ideia de que não tem qualquer valor e de que talvez nem devesse ter nascido, pois todos à sua volta o castigam e insultam. Perde a vontade de brincar e sente-se vazio, passando o tempo a observar, em silêncio, Luís a brincar. Decide então mudar os seus interesses: deixa de se interessar por filmes de cowboys e passa a ver apenas películas de amor, os quais lhe mostram pessoas que se amam e são felizes. Trata-se, no fundo, de uma forma de compensar a falta de afeto que sente.

    Mal sente forças para sair de novo, procura o seu amigo português. Encontra-o numa confeitaria. Zezé mostra-se triste e, ao aperceber-se dessa tristeza, Manuel Valadares convida-o para dar uma volta de carro. No trajeto, o narrador desabafa toda a dor acumulada dentro de si, dando nota da violência sofrida em casa, da pobreza da família, e chega a confessar que tinha decidido atirar-se para baixo do Mangaratiba nessa noite, para terminar com todo o seu sofrimento. O Portuga, profundamente comovido com o que acabar de ouvir, consola-o, dizendo-lhe que é uma criança inteligente, sensível e querido. Além disso, promete-lhe um passeio a dois até ao Guandu, no sábado, para pescar. Preocupado com a desculpa que terá de inventar para justificar a sua ausência e com as possíveis consequências se for descoberta a mentira, Valadares questiona-o sobre o assunto, mas Zezé tranquiliza-o, dizendo-lhe que toda a família prometeu a Glória não lhe bater até ao final daquele mês.

    No dia combinado e durante o caminho, a criança reflete sobre o seu próprio comportamento: apesar de se mostrar carinhoso e bem-comportado quando está na companhia do amigo português, por exemplo, reconhece que é travesso e que gosta de pregar partidas e fazer travessuras. Para ilustrar o que acaba de dizer, conta uma das suas traquinices mais ousadas: um dia, ao ver Tio Edmundo a dormir numa rede nova que acabara de comprar, aproveitou um momento de distração do homem e, com fósforos e pedaços de jornal, fez uma pequena fogueira debaixo da rede, causando um enorme susto no indivíduo, que acordou sobressaltado, pensando que o responsável pelas chamas tinha sido ele mesmo e o seu cigarro.

    Chegados ao destino, escolhem um espaço aberto, com uma árvore enorme e imponente, para assentar arraiais. Manuel Valadares diz que a planta se chama Rainha Carlota e que deve ser tratada com respeito e reverência, como se fosse uma majestade, no que parece ser uma alusão à rainha D. Carlota Joaquina. Juntos, deixam os seus objetos à sombra da árvore, preparam os apetrechos de pesca, e o Portuga explica ao narrador onde poderá brincar sem perigo, enquanto ele se dedica à pescaria. A criança delicia-se com o ambiente que o rodeia, mergulha os pés na água, observa os sapos, as folhas e os seixos arrastados pela corrente e, enquanto o faz, recorda os versos ditos por Glória, compreendendo que a poesia se manifesta nas pequenas coisas.

    Quando chega a hora do almoço, Valadares pede-lhe que se lave antes de comer, porém Zezé mostra-se renitente, porque não quer que o novo amigo veja as marcas e cicatrizes deixadas pelas sovas que tem levado. O homem percebe a hesitação da criança, por isso não o força e apenas lhe diz, com a voz embargada, que, se a higiene lhe causa dor, não precisa de entrar na água, porém o menino retorque que as feridas já não lhe doem.

    Terminada a refeição simples (pão, salame, ovos, mariolas e bananas), aproveitam a sombra da grande árvore. Manuel Valadares deita-se para dormir a sesta, com o narrador preso nos seus braços, visto que receia que, endiabrado como é, se envolva nalguma confusão. Nesse momento, Zezé pergunta-lhe se é verdade que gosta muito dele, como afirmara na confeitaria a seu Ladislau. Perante a resposta afirmativa, levanta a possibilidade de ser adotado, ou mesmo comprado, pelo português. Na sua opinião, a família aceitaria bem a ideia, visto que seria uma boca a menos para alimentar, tal como já tinha sucedido com uma irmã, que fora «dada» para viver com uma prima no Norte. Manuel Valadares fica profundamente emocionado, com lágrimas a escorrer dos olhos, e explica-lhe que isso não será possível, que a vida não se resolve dessa forma e que ele não poderá tirá-lo à família, mas, em contrapartida, promete-lhe que, a partir daquele momento, passará a tratá-lo como se fosse, realmente, seu filho. Ao contínuo, Zezé beija-lhe o rosto, selando, desta forma, um vínculo profundo entre ambos.

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