Miguel
Neves Santos, numa análise de O Meu Pé de Laranja Lima, publicada na
coleção Análise de Obras Essenciais, da Fábula Educação, pronuncia-se
sobre a obra de José Mauro de Vasconcelos nos seguintes termos: “A nitidez dos
cenários que apresenta nos seus textos decorre, então dos espaços e ambientes
que ele mesmo percorre, à medida que interiormente vai dando forma aos seus romances,
através da memória e da imaginação. O autor define da seguinte maneira a génese
do seu processo criativo: «Quando a história está inteiramente feita na
imaginação é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que
o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo num jacto.»
É
talvez por isso que as obras de José Mauro se revestem de uma linguagem
simples, tantas vezes corrente e popular, mas com uma acuidade tremenda, que
coloca o leitor em permanente contacto com os aspetos concretos da realidade em
que o autor quis reparar e nos quais quis que o leitor se focasse.
Neste
contexto, O Meu Pé de Laranja Lima (1968) surge como um dos momentos
mais altos da carreira literária do autor. Redigido numa fase de inquestionável
maturidade artística, esta obra coloca em evidência as suas virtudes poéticas,
naquela que é também uma viagem ao passado, num romance com um evidente cariz
autobiográfico, posto desde logo em destaque pela escolha do nome do
protagonista, Zezé, mais uma das múltiplas ocasiões em que a infância de José
Mauro se projeta literariamente.
A
história desta criança de seis anos, personagem principal do enredo, criou um
estrondoso impacto em leitores de todas as idades, facto que se mantém até aos
dias de hoje, visto tratar-se de uma das obras mais lidas de sempre. De facto,
continua a ser admirável o número de pessoas que, ao longo dos anos, vai
afirmando que foi esta a sua primeira leitura significativa enquanto jovens,
que foi esta a primeira vez que entenderam o valor emocional que um livro pode
acarretar, que foi após a leitura desta obra que se tornaram verdadeiramente
leitores.
Em
suma, José Mauro de Vasconcelos coloca nas suas obras as vivências quotidianas
de um mundo contemporâneo que definitivamente tarda em revelar-se moderno e
sofisticado para todos. A sua escrita expõe o seu apreço pela clarificação dos
pensamentos e sentimentos das personagens a cada instante. Além dos papéis
sociais, importa sobretudo a dimensão psicológica e a carga emotiva que cada
pessoa traz consigo (nada melhor que uma criança para reparar com profundidade
nos aspetos mais simples da existência). São esses cenários repletos de
humanidade que privilegia e é precisamente esse lado pessoal que permite ao
leitor ligar-se às vidas que vão surgindo página após página. Muitas das obras
do autor estabelecem, inclusivamente, interessantes nexos de intertextualidade
com outros romances e autores da época, como, por exemplo, a célebre história d’
Os Capitães da Areia, publicado em 1939, por Jorge Amado.”
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