• O
conto exemplifica a eterna luta entre o Bem e o Mal. A aia, a rainha e a
população do reino, por exemplo, representam o Bem: a aia é leal, sente ternura
pelo príncipe e comporta-se de forma admirável; a rainha tem amor pelo
escravozinho, sente-se “desventurosa” por o reino estar em perigo e “ditosa”
pela salvação do filho; o reino tinha “casais e aldeias felizes” e a população
era “fiel” e recompensava quem praticava boas ações. Por seu turno, o bastardo
e a sua «horda» representam o Mal: o irmão do rei é caracterizado como
“bastardo cruel”, “homem depravado e bravio”, “um homem de rapina”, que, com a
sua horda, executa a matança.
•
Por outro lado, Eça pretendeu criticar a sociedade do seu tempo, o século XIX,
nomeadamente a escravidão e a inferioridade do negro. Apesar de o herói ser uma
mulher, escrava e negra, essa ascensão da aia só vem acentuar as diferenças
sociais.
•
Eça tem em mira o pensamento dogmático e conservador que estipula a soberania
do rei sobre o súbdito, do nobre sobre o plebeu, do rico sobre o pobre; em
suma, do senhor sobre o servo que, ao reconhecer essa suposta soberania, é
impelido ao sacrifício extremo.
•
Alegoricamente, o tio representa as fissuras da ordem colonialista. Deste modo,
Portugal, na sua dimensão intercontinental, apresenta-se como serva possuidora
de um filho de pele escura que é capaz de sacrificar em defesa do “status quo”,
particularmente das suas relações com a Inglaterra.
• O
conto condena a ambição desmesurada e exalta a fé, a lealdade e a fidelidade,
socorrendo-se de um tempo passado, longínquo, mas que porta consigo uma certa
autenticidade, na esteira das narrativas tradicionais, como a fábula e a lenda,
que são portadoras de uma verdade que ratifica valores coletivos. Ao retomar
essa tradição narrativa de base oral, Eça, através da figura da aia, apresenta
ao leitor valores como a lealdade, a fidelidade e a fé. Disseminados pelo poder
e, uma vez assimilados pelos dominados, esses valores perpetuam a dominação.
• Publicado
em 1893, o conto surge pouco depois do Ultimatum inglês, que colocou
Portugal numa situação de submissão e humilhação face à Inglaterra,
nomeadamente no que diz respeito à posse das colónias africanas de Chire e das
regiões habitadas pelos Macalocos e os Machonas, sob a ameaça de rompimento
diplomático (que implicaria perdas económicas incalculáveis) e a invasão da
esquadra britânica em Gibraltar. Assim, Portugal passaria da condição de
poderoso colonizador com posição de destaque no cenário europeu desde o século
XVI, à posição de nação serva e subjugada ao poderio inglês. Tal episódio
representa a decadência gradativa do país. O facto de a ação se localizar na
Índia, território que Portugal sempre quis atingir, remete para o poderio do
império marítimo português, que teve como uma das suas principais conquistas a
rota para as Índias em 1492, e tal poderio sucumbia às mãos das imposições
inglesas. Assim, Eça pretenderia, com este conto, abordar simbolicamente a
situação histórica vivida pro Portugal naquela época.
•
Numa leitura alegórica, a morte do rei – além de ecoar, por similitude – o
desaparecimento de D. Sebastião – parece aludir à perda dos ideais
colonialistas nostalgicamente evocados através da referência à longínqua Índia,
com todos os seus tesouros: “pedrarias, galas e céus sumptuosos”.
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