Nesta
ode, Ricardo Reis socorre-se de um inseto, uma abelha, para demonstrar o
contraste entre a mudança que ocorre na vida do ser humano e a imutabilidade da
Natureza.
Assim,
neste poema de três quadras, o «eu» começa por descrever uma situação em que
uma abelha, ao aproximar-se de uma flor e ao pousar nela, se confunde com esta
aos olhos de quem não presta atenção, “À vista que não olha”. A ideia expressa
na primeira quadra apenas se conclui no primeiro verso da segunda (transporte):
a abelha não mudou desde a Antiguidade, representada por Cecrops, o lendário
fundador e rei de Atenas (entre 1558 e 1508 a.C.), que ensinou aos gregos a
leitura, a escrita, o casamento e o cerimonial do sepultamento.
Pelo
contrário, o “ser que se conhece”, isto é, o ser humano, que tem consciência de
si mesmo e da sua individualidade, ao contrário do que sucede com os elementos
da Natureza, envelhece de forma distinta dos outros membros da sua espécie.
Dito de outra forma, o ser humano tem consciência de que envelhece, é diferente
dos outros seres e vai morrer, ou seja, conhece-se.
A
«abelha» é a mesma que outra que não ela.”, isto é, é igual a qualquer outra
abelha, de qualquer época, sem diferença ou individualidade, ao contrário dos
seres humanos, que, marcados pelo tempo, pela alma, pela vida e pela morte
(atente-se na enumeração e sucessão de apóstrofes), «compram» (metáfora) “Ter
mais vida que a vida”, ou seja, procuram algo mais do que a vida naturalmente
lhes oferece (sonhos, desejos, arte, cultura, etc.). Essa demanda é, todavia,
mortal, já que implica sofrimento e dor, desde logo porque o Homem está
condenado à morte, que tudo reduz a pó. Mas não é esse, afinal, o desejo do ser
humano, isto é, ser diferentes dos demais animais e não se limita a viver? “Ter
mais do que a vida”.
Assim,
neste poeta, o «eu» poético estabelece o contraste entre o ser humano, a única
entidade que é consciente de si mesma, e os outros animais, representados aqui
pela abelha, que são iguais e imutáveis. Além disso, o ser humano envelhece e
morre de forma diferente dos outros animais, exatamente porque é um ser
consciente, desde logo de si, e, por isso, sabe que envelhece e morre e esta
consciência, este saber que, provocando-lhe dor, angústia, sofrimento. Enquanto
ser irracional, a abelha de nada tem consciência, daí que não sofra, por
exemplo, com a passagem do tempo, o envelhecimento e a morte. A abelha é a
mesma desde a Antiguidade, o ser humano envelhece e diferencia-se dos outros
elementos da sua espécie, é único e mortal.
Em
suma, para Ricardo Reis, a questão que diferencia o ser humano e os animais é a
mortalidade do primeiro e a imortalidade dos segundos, neste caso não em
sentido literal, mas figurado, ou seja, a abelha, o exemplo de que se socorreu
o poeta, é tomada como um elemento de uma espécie [morre uma abelha, nasce(m)
outra e assim sucessivamente]. Pelo contrário, o Homem é encarado, não em
termos de espécie, mas como ser individual.
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