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sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Análise do Canto XIV da Ilíada

             É curiosa a forma como Agamémnon se deixa abater por vezes quando as coisas não correm a seu favor. Nesta ocasião, necessita de ser incentivado e convencido a não desistir da guerra e a voltar para casa, coberto de vergonha. A cada revês, acredita que Zeus está contra si. Crente nisso e que a derrota se afigura como inevitável, prefere uma sobrevivência desonrosa a uma eventual morte gloriosa e chega mesmo a propor a retirada, enquanto os eu exército ainda combate: Ora, esta opção contrasta com a postura de Aquiles, que prefere exatamente o oposto. Quando lhe foi dada a possibilidade de escolher entre uma vida tranquila e longa na sua pátria e casa, junto à sua família, e uma vida gloriosa, mas breve, ele não hesitou e escolheu a segunda hipótese. O discurso de Ulisses cobre Agamémnon de vergonha. A sorte da guerra está longe de estar decidida e o líder dos Gregos necessita de confiar mais nos deuses.

            Este retrato de um Agamémnon vacilante, cobarde, sem honra, permite compreender a razão por que Aquiles e outros capitães gregos se ressentem da liderança do seu comandante e da reivindicação da maior parte dos saques que obtêm. Por outro lado, Agamémnon aparenta sentir pela primeira vez algum remorso por ter ofendido Aquiles, contudo convém ter presente que tal sucede apenas por causa do modo como as consequências nefastas dessa ofensa o afetam. Dito de outra forma, Agamémnon receia que as suas tropas o culpem pela eventual derrota na guerra.

            Os Gregos continuam a combater, mas chefiados agora por um escasso número de líderes, nomeadamente os dois Ájax e Menelau. Os restantes (Agamémnon, Ulisses e Diomedes) estão todos feridos, enquanto Nestor está ocupado a tratar de Machaon. Este facto contrasta com o que se passa entre os Troianos, onde avultam as figuras de Heitor, Páris e Eneias, nomeadamente as capacidades de liderança do marido de Andrómaca, por exemplo quando assistimos à forma como divide o seu exército ao longo da linha grega e o faz recuar e reagrupar quando tal se torna necessário, ou quando Polidamas e Heitor discutem qual é a secção do exército que necessita de ser reforçada. Isto traduz o facto de, nos últimos dois cantos, a narrativa se preocupar mais com as questões de tática militar do que com os confrontos físicos da batalha. Outro exemplo que comprova esta ideia está presente na cena em que Poseidon exorta os Gregos a redistribuir as armas pelos soldados de forma mais eficiente entre os mais fortes e os mais fracos.

            No que diz respeito aos deuses, mais uma vez oferecem um contraponto humorístico à brutalidade da guerra. É o que sucede com o episódio de Hera e Zeus, que evidencia como as questões de vida ou morte dos humanos são frequentemente determinadas por picuinhices e mesquinhices entre as divindades do Olimpo. Neste caso, a mudança dos acontecimentos tem como causa a líbido de Zeus e a ingenuidade/credulidade de Afrodite, bem como da astúcia e manha de Hera. Esta aproveita-se comicamente da boa vontade da deusa do amor para manipular o seu esposo, explorando o seu ponto fraco. Consecutivamente, os deuses mostram a sua falta de racionalidade e equilíbrio.

            Voltando a Heitor, neste canto ocorre o segundo round do seu confronto com Ájax, do qual volta a sair por baixo, o que ilustra o poder e a força relativos dos exércitos e heróis conflituantes. Heitor é o guerreiro troiano mais forte, mas não consegue sucessivamente derrotar o segundo lutador grego mais forte. Esta questão ganha especial relevância, pois, caso Heitor seja derrotado, não haverá outro troiano de valor aproximado que o possa substituir e liderar as tropas. Em sentido oposto, as hostes aqueias possuem vários outros guerreiros fortes e corajosos. Sucede que, mesmo com a ajuda de Zeus, o avanço de Troia em direção aos navios inimigos é lento e marcado por vários contratempos.

            Note-se, por último, que o poeta procura retratar as duas fações em confronto de forma equidistante e simpática, mostrando como ambos os exércitos lutam com honra, determinação e coragem, porém vai-se percebendo que o lado troiano não possui a mesma forma de combate.

Resumo do Canto XIV da Ilíada

             Nestor coloca Machaon na sua tenda e reúne-se aos outros comandantes gregos, feridos perto dos navios. Juntos, observam o campo de batalha e tomam consciência da dimensão das suas perdas. Perante este quadro, Agamémnon receia ser derrotado e propõe desistir da luta e regressar a casa. Ulisses rejeita de imediato a ideia, considerando-a um gesto de cobardia, desonroso e vergonhoso. Em alternativa, Diomedes sustenta que todos os comandantes se devem dirigir para a frente de batalha, não para lutar, dado que vários se encontravam feridos, mas para inspirar os seus soldados. Ao partirem, Podeidon, disfarçado, encoraja Agamémnon e diz-lhe que os Troianos se iriam retirar dos navios nalgum momento.

            No Olimpo, Hera decide distrair Zeus, para poder ajudar os Aqueus. Assim, visita Afrodite e engana-a, para que lhe dê uma faixa de peito encantada em que os poderes do Amor e da Saudade são tecidos, capaz de enlouquecer por amor o homem mais sensato do mundo. De seguida, suborna o Sono (promete-lhe uma das suas filhas em casamento), para que faça Zeus dormir. O Sono segue-a até ao Monte Ida e, disfarçado de ave, esconde-se numa árvore. Zeus vê Hera; a banda encantada cumpre a sua função, fazendo com que o desejo o domine. Ele faz amor com Hera e, depois, como planeado, o Sono usa o seu poder em Zeus, que adormece. A seguir, a deusa avisa Poseidon, informando-o de que está livre para auxiliar os Gregos.

            O deus do mar reagrupa-os e a batalha recomeça. Heitor e Ájax logo se veem frente a frente e lutam. O troiano atinge o grego com um poderoso arremesso de lança, mas esta não penetra a sua armadura. Ájax fere então o inimigo com uma pedra e este começa a expelir sangue. Os Troianos levam o seu comandante de volta a Troia; na sua ausência, os Gregos derrotam os seus inimigos, que morrem em grande número. No final do canto, deparamos com o exército troiano em retirada, em direção à cidade.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Análise de "Composição VIII", de Kandinsky


            “Composição VIII” é um quadro de Kandinsky, pintor modernista russo, nascido a 4 de dezembro de 1866 e falecido a 13 de dezembro de 1944, datado de 1923. Trata-se de uma pintura a óleo sobre tela, de 140, 3 x 200, 7 cm, exposto atualmente no Museu Guggenheim de Nova Iorque.

            Este quadro é considerado pelo próprio pintor como o auge das suas criações pós-Primeira Guerra Mundial. A obra é constituída por diversas formas geométricas (círculos, semicírculos, triângulos e quadrados), ângulos retos e agudos e linhas retas em várias direções, posicionadas em locais estratégicos na tela, formando uma espécie de paisagem: os grandes triângulos representam montanhas, enquanto o círculo do lado esquerdo superior simboliza o sol.

            Aparentemente caótica, por ser assimétrica, a pintura estrutura-se a partir da técnica ponto, linha, plano, isto é, o ponto constitui o «local» onde o objeto toca a tela, que são os círculos. Quando o ponto se desloca, forma a linha e, sempre que esta se desloca, forma o plano, que são as cores, que podem ser fluidas ou compactas, como sucede com as formas geométricas. O conjunto constituído por cores e linhas, forma três grandes triângulos, situados em planos diferentes.

            Relativamente às cores, o fundo do quadrado é claro e tripartido em tons que definem profundidade e conferem dinamismo à pintura, provocando também um contraste de tonalidades entre esse fundo e os elementos que se sobrepõem, todos eles com cores mais escuras. O pintor usa tonalidades diferentes dentro das formas, dando energia à sua geometria, como o círculo amarelo com uma auréola azul, em oposição ao círculo azul contendo uma auréola amarela.

            O uso dos círculos, retângulos, semicírculos, triângulos e outras formas geométricas é consistente com a crença de Kandinsky nas propriedades místicas das formas geométricas, enquanto as cores são escolhidas pelo seu impacto emocional.

            No canto superior esquerdo, encontramos um círculo roxo dentro de um círculo preto envolvido por um halo de dupla camada rosa e laranja. As bordas do halo, aparentadas à coroa em torno de um sol eclipsado, contrastam fortemente com as linhas nítidas do círculo preto com o seu núcleo roxo. Um círculo vermelho parcial, emergindo do canto inferior direito da periferia do círculo preto e cortando o seu halo, é delimitado pelo seu próprio nimbo amarelo, que se mistura com as coras rosa e laranja da forma adjacente. Um círculo amarelo delimitado por uma linha preta fina, posicionado no terço inferior da tela, possui um halo constituído por uma camada interna azul e uma camada externa roxa. Outro círculo, azul com uma borda salmão, localizado perto da parte inferior da tela, é rodeado por um anel de fogo amarelo. Os círculos situados à direita da tela, ao contrário, não possuem halos.

            O halo é um tema artístico recorrente ao longo do tempo e em diversas culturas. Por seu turno, a luz, nalgumas tradições espirituais e filosóficas, representa a consciência superior, enquanto uma pessoa que se deleita na luz da razão pode ser considerada iluminada. Cabeças de divindades gregas e romanas, como, por exemplo, Hélios e Júpiter, eram circunstancialmente mostradas circundadas por um nimbo de luz, uma representação que terá sido adotada pelos primeiros cristãos que viviam no mundo greco-romano. Kandinsky, um apreciador do cristianismo ortodoxo russo, cuja fé influenciava frequentemente os termos das suas pinturas, deveria estar ciente da importância do halo na iconografia religiosa russa.

            Entre 1921 e 1923, tiveram lugar seis eclipses lunares, coincidindo dois no ano da criação de “Composição VIII”, o que poderá ter constituído uma inspiração para a composição do círculo preto com a sua coroa rosa e laranja. O preto, de acordo com a teoria sónica da cor de Kandinsky, significava silêncio externo, enquanto o laranja indicava a voz masculina mais alta e os instrumentos musicais correspondentes na faixa de contralto. O rosa, enquanto mistura de vermelho e branco, pode ser interpretado como um amortecimento de sons cacofónicos ou uma suavização de tons mais ásperos. O amarelo, formando um halo em torno dos círculos azuis e vermelhos, representa perturbação e raiva, enquanto em termos musicais significa trombetas e fanfarras.

            Uma das três grades, formadas por quadriláteros e dispostas numa forma que lembra um prédio alto, aparece no lado esquerdo da tela e aparece sob um triângulo preto forrado e parcialmente formado por azul claro que se funde com o fundo creme. Os círculos terão sido usados pelo pintor para representar o simbolismo planetário, o que se tornou comum durante o período abstrato da sua carreira.

domingo, 1 de agosto de 2021

Puche o tóclisme


 

Análise do Canto XV da Ilíada

             O Canto XV constitui o princípio do fim para Heitor, precisamente quando atinge o auge do seu poder. É isso que Zeus revela a Hera quando acorda, incluindo a queda da cidade de Troia, que não é descrita na Ilíada, que termina com os funerais de Heitor. Juntando essa a outras revelações – as mortes de Pátroclo e de Aquiles –, o leitor fica a saber antecipadamente o desenlace da história. Esta forma de construir a narrativa contrasta com a usual na ficção contemporânea, que procura criar tensão dramática, criar suspense, mantendo o leitor na expectativa do que irá suceder.

            É verdade que, no caso, por exemplo, de certos romances policiais, o leitor fica a conhecer ab initio quem é o criminoso, mas tal constitui uma exceção à regra. A literatura moderna faz depender, frequentemente, o desfecho da história da ação das personagens individuais e das escolhas que fazem na vida. Ora, este paradigma narrativo é mais complexo de encontrar na Ilíada, pois as narrativas antigas assentam muitas vezes na tradição mitológica, o que implicava que o leitor/ouvinte seria confrontado com uma história cujo desfecho já era do seu conhecimento. Neste contexto, a tensão dramática não resulta da interferência da mentalidade e da personalidade das personagens nos eventos, mas da forma como estes afetam as personagens. O leitor, nesta fase do poema, já está ciente da queda de Troia e da morte de Heitor, do mesmo modo que Aquiles sabe perfeitamente que, se regressar à luta, irá perder a vida. Assim sendo, não é o desenlace da história e o fim das personagens que cativam a sua atenção, mas ficar a saber como elas respondem a um fim já conhecido. Quando o espectador compra o bilhete e entra na sala do cinema, tem consciência de que a personagem encarnada por John Wayne irá castigar os maus e triunfar no fim da história, mas, ainda assim, quer ver como o vai conseguir. Tudo isto ganha foros caricaturais quando assistimos ao avanço de Heitor e dos Troianos, sabendo já que a sua vida irá terminar em breve.

            Note-se, contudo, que nem sempre a ação se desenvolve de acordo com o esquema descrito. De facto, há momentos em que os eventos estão dependentes das opções das personagens. É o caso flagrante de Aquiles, que se tem vindo a confrontar com um dilema: retornar à guerra, salvar os seus companheiros e auxilia-los a derrotar Troia, ou conservar a sua cólera e o seu orgulho e deixá-los entregues à sua sorte. Estes conflitos internos, tão comuns nos textos teatrais (quem se pode esquecer dos de D. Madalena ou Telmo Pais no Frei Luís de Sousa?), contribuem para a criação de um ambiente dramático, mas, ocasionalmente, são igualmente envolvidos por um certo clima irónico. Por exemplo, no Canto I, depois de ver o seu orgulho ferido pelas ações de Agamémnon, Aquiles, através da sua mãe, pede a Zeus que castigue os Gregos (não teria esta hybris de ser punida pelos deuses mais tarde ou mais cedo?); no entanto, agora é a ação do mesmo Zeus em prol dos Troianos que contribuirá também para a perda do seu amigo Pátroclo.

            O outro plano do poema – o da mitologia – prossegue a todo o vapor. Hera escapa à punição de Zeus protestando a sua inocência e atribuindo as culpas para cima de Poseidon. No entanto, o seu juramento no rio Estige – um voto que os deuses não podem quebrar – mostra a sua falsidade. É verdade que ela não enviou Poseidon em auxílio dos Gregos, mas aproveitou o ensejo para o ajudar no processo e assim, indiretamente, acabam por os ajudar.

            Por seu turno, a postura do deus do mar justifica-se pela rivalidade que cultiva com Zeus, seu irmão mais velho. Enquanto primogénito, este detém muito mais poder e autoridade, mas o que mais irrita Poseidon é o facto de ele ter de desistir dos seus próprios interesses em prol das prioridades e interesses de Zeus. Ora, este conflito desenvolve-se paralelamente ao de Agamémnon e Aquiles, que hostiliza o primeiro, o todo poderoso rei dos Gregos, porque espera que o filho de Tétis abdique de algo que lhe pertence (Briseida) em seu favor. Poseidon cede, com medo do poder e do castigo de Zeus, mas solta uma ameaça; também Aquiles cede, mas não sem procurar uma dupla vingança sobre Agamémnon: abandona o combate e pede ao pai dos deuses que castigue os Gregos.

            Por último, há que atender ao seguinte no que diz respeito a Heitor: quando ele finalmente atinge os navios inimigos, a promessa de Zeus está cumprida. De ora em diante, o curso da guerra alterar-se-á em desfavor de Troia, cumprindo-se, deste modo, a profecia do todo poderoso deus.

Resumo do Canto XV da Ilíada

             Enquanto as tropas troianas são repelidas, Zeus desperta do seu sono e observa o que aconteceu enquanto dormia. Ameaça castigar Hera, mas esta protesta a sua inocência, desviando a culpa para cima de Poseidon. Ele diz-lhe que, não obstante os eu apoio aos Troianos, troia está condenada a cair e que Heitor morrerá depois de lutar e matar Pátroclo. Por outro lado, Zeus parece aceitar a inocência da esposa, mas força-a a trabalhar no sentido de desfazer as ações de Poseidon, pedindo-lhe que chame Íris e Apolo. Ela obedece, mas antes incita Ares a quase desafiar o pai dos deuses para vingar o seu filho, sendo apenas travado por Atenas. Íris ordena a Poseidon que abandone o campo de batalha, enquanto Apolo dota Heitor e os seus companheiros de novas forças.

            De seguida, Heitor lidera um ataque contra os Gregos, que sustentam a ofensiva inicialmente. No entanto, com um grito de guerra, Apolo agita o escudo de tempestade de Zeus contra as tropas gregas, que recuam aterrorizadas. Apolo enche, então, a trincheira em frente às fortificações aqueias, permitindo que os Troianos derrubem as muralhas.

            Os exércitos lutam junto ao acampamento grego e perto dos navios. Ájax e Heitor enfrentam-se novamente. O arqueiro Teucro derruba vários soldados troianos, todavia Zeus parte o seu arco quando faz mira em Heitor. Ájax incentiva os seus companheiros a lutar, mas o líder troiano reúne as suas tropas e, passo a passo, avançam com a ajuda de Zeus, até que Heitor chega a um navio.

Análise do Canto XII da Ilíada

             Este canto contém indícios do destino de Heitor e de Troia, à semelhança do que tinha sucedido com a cena de Nestor e Pátroclo, também ela premonitória. Assim, de acordo com as previsões dos adivinhos, a cidade está condenada a cair. Em simultâneo, Homero não deixa de sugerir ao leitor que a morte de Heitor, bem como a partida dos Gregos no décimo ano.

            No entanto, por outro lado, são vários os sinais de sentido oposto, desde logo porque Zeus manipula a batalha, ora derramando sangue sobre os Gregos, ora permitindo que Heitor se torne o primeiro troiano a cruzar as fortificações do inimigo. Os Aqueus reconhecem o dedo de Zeus no curso dos acontecimentos e compreendem que, ao combater os de Troia, se opõem também ao deus. Neste contexto, Diomedes conclui que o chefe dos deuses já selecionou o vencedor do conflito: os Troianos. Deste modo, perante sinais contraditórios, o leitor hesita, não sabendo em quais confiar, pelo que o desenlace da história permanece em aberto, por causa desses sinais ambíguos. Os dois lados em conflito ficam confusos sobre a vontade de Zeus: ambos reclamam o seu apoio, mas as suas intervenções nada clarificam.

            Voltando a Heitor, no momento em que ignora o conselho de Polidamos, dá mais um passo rumo ao destino que lhe está reservado. Note-se, contudo, que recuar naquele instante constituiria um comportamento desonroso, além de sem sentido, pois a batalha está a ser francamente favorável aos Troianos. Assim, que razão haveria para recuar? Deste modo, é perfeitamente normal que Heitor ignore o presságio e prossiga a luta em defesa da sua pátria, cumprindo, em simultâneo, o destino que Zeus lhe traçou.

Resumo do Canto XII da Ilíada

             À medida que os Troianos avançam sobre as fortificações gregas, o poeta dá-nos conta que elas serão destruídas quando Troia cair. Entretanto, elas continuam a cumprir o seu papel: resistir aos avanços dos inimigos – a trincheira aberta à sua frente bloqueia os carros troianos e impede-os de avançar. Por isso, Heitor segue o conselho de Polidamas, ordena aos soldados que desçam dos carros e ataquem as muralhas a pé. Quando se preparam para atravessar as trincheiras, algo de extraordinário acontece: uma águia voa sobre a ala esquerda do exército troiano, é mordida pela grande cobra que transporta e deixa-a cair no meio dos combatentes. Polidamos interpreta esta cena como um sinal de que os Troianos serão derrotados pelos Aqueus e aconselha Heitor a recuar, mas este zomba dele e decide prosseguir o ataque.

            Assim, Glauco e Sarpédon atacam as muralhas, enquanto Menesteu, auxiliado por Ájax, a defende. Sarpédon abre uma brecha no muro, enquanto Heitor destrói uma das portas com uma rocha. Ato contínuo, os Troianos invadem as fortificações, e os Gregos recuam, apavorados, para os seus navios.

Na aula (XLI): profundos conhecimentos geográficos

      Marrocos é uma ilha.

Marco E.

Análise do Canto XI da Ilíada

             O Canto XI abre com a aristeia de Agamémnon. O poeta faz uma descrição efetiva do seu armamento e armadura, ricamente decoradas com materiais preciosos que enfatizam a sua riqueza. Dos vários elementos destaca-se a Górgona que está no seu escudo, a qual também marca presença no escudo de Atenas, e que simboliza o apoio dos deuses. Por instantes, o chefe dos Gregos vira a maré da batalha contra os Troianos, apesar das intenções de Zeus serem de sentido oposto.

            O pai dos deuses continua a ser o único a poder intervir no curso da guerra, o que ele faz em favor de Troia. Neste passo da obra, a deusa Íris atua como uma extensão da sua vontade e uma evidência da brutalidade da guerra, algo que perpassa toda a Ilíada, mas isso não significa propriamente uma condenação dos conflitos bélicos. Apesar de ser um acontecimento trágico, onde milhares de homens são sacrificados, a guerra constitui igualmente uma forma de alcançar a glória e a honra pessoais, tão importantes no mundo antigo. De acordo com a visão de Homero, a guerra faz parte da vida humana.

            Neste canto, Pátroclo assume uma importância que não tinha tido até aqui e que se vai estender para o futuro imediato. Quando ele responde ao chamamento de Aquiles para questionar Nestor, o poeta afirma que, a partir desse momento, a sua condenação era um dado adquirido, condenação essa que se adensa com a sugestão de Nestor para que Pátroclo finja ser Aquiles e entre em combate. Por outro lado, a figura de Pátroclo funciona também como contraponto do seu amigo. De facto, embora sejam bastante inimigos e irmãos adotivos, são personalidades bem diversas. Pátroclo mostrará todo o seu humanismo e toda a sua compaixão na cena de Eurípilo, enquanto Aquiles já demonstrou, em mais de uma ocasião, todo o seu orgulho, que se sobrepõe ao destino dos seus próprios companheiros, algo que o próprio amigo desaprova.

Resumo do Canto XI da Ilíada

             Na manhã seguinte, os exércitos voltam a enfrentar-se e Zeus faz chover sangue sobre o campo aqueu, causando enorme pânico entre os Gregos, que sofrem um massacre nessa fase do combate. No entanto, da parte da tarde a maré começa a mudar: Agamémnon mata diversos inimigos e faz recuar de novo os Troianos até aos portões da cidade.

            Porém, Zeus envia uma mensagem a Heitor através de Íris para ele esperar até Agamémnon ser ferido e só então dar início ao seu ataque. De facto, o comandante grego acaba por ser ferido por Coon, filho de Antenor, logo após matar o seu irmão. Mesmo ferido, continua a lutar e liquida Coon, no entanto a dor que sente força-o a abandonar o campo de batalha.

            Heitor reconhece a situação e avança, fazendo recuar os Aqueus, que entram em pânico, mas Ulisses e Diomedes incentivam-nos a resistir e insuflam coragem nos seus corações. Diomedes arremessa uma lança que atinge Heitor no capacete que o deixa atordoado e o obriga a recuar. Em rápida sucessão, a maioria dos melhores lutadores gregos é ferida e até Diomedes é atingido no pé pro uma seta disparada por Páris, o que o arreda do resto do poema e deixa Ulisses numa situação delicada, ferido também e cercado por inimigos. O estratega do Cavalo de Troia luta com todos, mas um adversário chamado Socus fere-o nas costas, sendo salvo por Ájax, que o carrega de volta ao acampamento.

            Entretanto, Heitor regressa à ação noutro setor do combate e, juntamente com outros soldados, força Ájax a recuar enquanto Nestor leva Machaon (um curandeiro grego que tinha sido ferido por Páris) de volta à sua tenda. Enquanto isso, atrás das linhas, Aquiles assiste à batalha e envia o seu amigo Pátroclo para identificar o lutador ferido que Nestor transporta. Este relata-lhe todos os revezes que os Gregos estão a sofrer e implora-lhe que convença Aquiles a retornar à luta, ou pelo menos o deixe a ele, Pátroclo, entrar na batalha disfarçado, envergando a armadura do próprio Aquiles. Esse estratagema teria um duplo efeito: por um lado, daria coragem aos Gregos; por outro, intimidaria os inimigos. De outra forma, Nestor vê muito difícil a tarefa de resistir aos Troianos. Pátroclo promete falar com Aquiles.

"Everybody Wants To Rule The World", Tears for Fears


1985

     Que ano! Que verão!

sábado, 31 de julho de 2021

Análise do Canto X da Ilíada

             O Canto X decorre na mesma noite que o IX, mas, ao nível do conteúdo, constitui uma pausa no combate. Em vez disso, Homero concentra-se sobretudo na questão da espionagem e da guerra psicológica. A única ligação de continuidade entre os dois cantos é o desespero dos Gregos, que é acentuado pela teimosia de Aquiles, que tira o sono de Agamémnon e Menelau e os deixa tão desesperado que estão dispostos a quase tudo para o fazer regressar à luta. No entanto, nessa noite existem duas embaixadas, uma de espionagem, efetuada em pleno território inimigo, e outra tendo como destino final a tenda de Aquiles. A primeira é caracterizada pelo êxito, enquanto a segunda redunda em fracasso. O dado comum às duas expedições é a figura de Ulisses.

            O rei de Ítaca é caracterizado como uma pessoa inteligente e astuta, no entanto também algo traiçoeiro, pois promete falsamente a Dolon que não será morto. Algo parecido sucede com Diomedes, que, logo depois de manifestar sentimentos de amizade com um inimigo, executa um homem indefeso e se questiona sobre qual seria a pior coisa que ele poderia fazer.

            No que diz respeito ao desenlace da incursão no território troiano, não é tanto a perda de um pequeno número de lutadores e de uma carruagem que afetará o decurso da guerra em termos materiais, mas antes o que o ataque representa em termos de desmoralização. Em contraponto, este pequeno sucesso simboliza um impulso de motivação junto da parte grega.

            Por outro lado, as diferenças linguísticas e de técnica compositiva entre este e outros cantos da Ilíada levantam algumas questões sobre a autoria desta parte da obra. Foi composto por Homero para mostrar uma perspetiva diferente da guerra, ou tratou-se de um acrescento introduzido por um colaborador posterior? Seja como for, constitui uma pausa na batalha e introduz uma nota diferente numa fase do conflito em que os Gregos estão a sofrer grandes revezes.

Resumo do Canto X da Ilíada

             Agamémnon e Menelau não conseguem dormir, tal é sua preocupação com o curso dos acontecimentos, e, eventualmente, acordam os outros comandantes e reúnem-se em campo aberto para planear o movimento seguinte. Nestor sugere que enviem um espião, a coberto da escuridão noturna, que se infiltre no acampamento troiano e tome conhecimento dos planos do inimigo. Diomedes oferece-se como voluntário e é acompanhado por Ulisses. Os dois homens armam-se e, apoiados por Atenas, a quem oram, esgueiram-se em direção ao campo adversário.

            No lado troiano, Heitor é assaltado por uma ideia semelhante e quer saber se os Gregos planeiam fugir. Ele seleciona Dolon, um homem muito feito, mas veloz como um relâmpago, para desempenhar o papel, e promete recompensa-lo com a carruagem e os cavalos de Aquiles. Dolon parte para a sua missão, mas é avistado por Diomedes e Ulisses, que rapidamente o capturam. Os dois gregos interrogam-no, e ele, na esperança de conservar a sua vida, informa-os das posições dos Troianos e dos seus aliados, bem como de que os Trácios, recém-chegados ao local, eram especialmente vulneráveis a ataques. Ulisses promete poupar Dolon, mas Diomedes mata-o e tira-lhe a armadura.

            De seguida, os dois espiões aqueus penetram sorrateiramente no acampamento trácio adormecido, onde matam doze soldados e o seu rei, Rhesus, que chegara atrasado à batalha e, por isso, nem chega a combater. Além disso, roubam os cavalos e as carruagens do monarca trácio. Atenas avisa-os que algum deus zangado pode acordar os outros soldados, o que faz com que Diomedes e Ulisses e retornem ao seu acampamento na carruagem roubada, onde são recebidos calorosamente pelos seus camaradas, que já os viam mortos.

Análise do Canto IX da Ilíada

             Esta segunda interação entre Agamémnon e Aquiles, concretizada neste caso através de intermediários, é marcada por questões de orgulho e honra mais uma vez. A iminência da derrota força o chefe dos Aqueus a pôr de lado o seu orgulho, mas apenas na medida do necessário, argumentando que estava louco e cego quando confrontou Aquiles (Canto I), responsabilizando o seu estado mental instável pelo sucedido e não assumindo, assim, a responsabilidade total e consciente pelo episódio. Neste passo da obra, Agamémnon mostra-se sensato ao aceitar a sugestão de Nestor de se reconciliar com Aquiles, no entanto o seu recuo estratégico não é propriamente uma admissão de culpa nem resulta na sua humilhação. Por exemplo, há a considerar que ele nunca faz um pedido de desculpas, antes procura comprar a lealdade de Aquiles, em vez de procurar um entendimento sério e honesto. Além disso, a aceitação da proposta da parte do filho de Tétis significaria que este se submeteria à autoridade de Agamémnon. Ora, Aquiles é igualmente um homem orgulhoso e percebe que, não obstante Ulisses ter omitido sabiamente a exigência do líder aqueu de que o chefe dos Mirmidões se curvasse perante si, a falta de um pedido de desculpas. Ele não quer tesouros, mas antes a reparação do ultraje de que fora vítima, a reparação da honra e da glória pelas quais tanto trabalhou. A única honra de que necessita é o destino que Zeus lhe reservou: a de uma morte gloriosa. Por outro lado, como julga não ter uma vida muito longa, os tesouros de pouco lhe serviriam.

            Note-se que a oferta de presentes muito valiosos é um gesto muito importante e significativo, pois os gregos da época observavam a posse de bens materiais, ganhos na guerra ou concedidos por reis, como sinónimo de honra pessoal. No entanto, no caso vertente da Ilíada, a oferta generosa de Agamémnon está associada à afirmação do seu status superior: “Deixa-o curvar-se diante de mim! Eu sou o rei maior” (IX.192). Isto só vem confirmar que o rei dos Gregos, embora parecendo sensato e mais pragmático, é tão orgulhoso e egocêntrico como Aquiles.

            A embaixada enviada por Agamémnon constitui uma das cenas mais comoventes da Ilíada. Durante o encontro, são contadas várias narrativas, que cada lado usa para persuadir o outro, mas o poeta socorre-se delas para humanizar Aquiles e para nos apresentar sumariamente aspetos do seu passado e antecipar o futuro. Além disso, este episódio relembra-nos a sua cólera e o seu orgulho, contudo, em simultâneo, revela-nos as pressões que sofreu em Ftia (uma antiga região da Tessália, na Grécia setentrional, a pátria dos Mirmidões) e destaca o dilema que enfrenta, mostrando-nos os seus conflitos interiores.

            A forma mais cândida como Aquiles responde ao apelo de Ájax mostra que ele valoriza o respeito dos seus companheiros, embora não pareça particularmente incomodado por estarem a morrer na sua ausência. No entanto, o seu orgulho sobrepõe-se a isso e ele não consegue perdoar a ofensa à sua honra. Até este momento da obra, a cólera de Aquiles parecia ser justificada, todavia a recusa da proposta de Agamémnon por uma questão de orgulho lança uma sombra sobre a sua figura. Aquiles é descrito e age como um deus e o egocentrismo e a mesquinhez da sua reação lembram os rancores de divindades como Hera e Poseidon.

            Os discursos deste canto constituem demonstrações da habilidade oratória, um talento que os Gregos valorizavam imenso, tanto quanto a perícia no campo de batalha. Fénix faz referência a esses dois valores quando afirma ter criado Aquiles para ser um homem de palavras e de ação. O discurso de Ulisses é o mais bem estruturado, sendo constituído por um conjunto de apelos diferentes para tentar mudar o intento do filho de Tétis.

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