Esta segunda interação entre Agamémnon e Aquiles, concretizada neste caso através de intermediários, é marcada por questões de orgulho e honra mais uma vez. A iminência da derrota força o chefe dos Aqueus a pôr de lado o seu orgulho, mas apenas na medida do necessário, argumentando que estava louco e cego quando confrontou Aquiles (Canto I), responsabilizando o seu estado mental instável pelo sucedido e não assumindo, assim, a responsabilidade total e consciente pelo episódio. Neste passo da obra, Agamémnon mostra-se sensato ao aceitar a sugestão de Nestor de se reconciliar com Aquiles, no entanto o seu recuo estratégico não é propriamente uma admissão de culpa nem resulta na sua humilhação. Por exemplo, há a considerar que ele nunca faz um pedido de desculpas, antes procura comprar a lealdade de Aquiles, em vez de procurar um entendimento sério e honesto. Além disso, a aceitação da proposta da parte do filho de Tétis significaria que este se submeteria à autoridade de Agamémnon. Ora, Aquiles é igualmente um homem orgulhoso e percebe que, não obstante Ulisses ter omitido sabiamente a exigência do líder aqueu de que o chefe dos Mirmidões se curvasse perante si, a falta de um pedido de desculpas. Ele não quer tesouros, mas antes a reparação do ultraje de que fora vítima, a reparação da honra e da glória pelas quais tanto trabalhou. A única honra de que necessita é o destino que Zeus lhe reservou: a de uma morte gloriosa. Por outro lado, como julga não ter uma vida muito longa, os tesouros de pouco lhe serviriam.
Note-se que a oferta de presentes
muito valiosos é um gesto muito importante e significativo, pois os gregos da
época observavam a posse de bens materiais, ganhos na guerra ou concedidos por
reis, como sinónimo de honra pessoal. No entanto, no caso vertente da Ilíada,
a oferta generosa de Agamémnon está associada à afirmação do seu status
superior: “Deixa-o curvar-se diante de mim! Eu sou o rei maior” (IX.192). Isto
só vem confirmar que o rei dos Gregos, embora parecendo sensato e mais
pragmático, é tão orgulhoso e egocêntrico como Aquiles.
A embaixada enviada por Agamémnon
constitui uma das cenas mais comoventes da Ilíada. Durante o encontro,
são contadas várias narrativas, que cada lado usa para persuadir o outro, mas o
poeta socorre-se delas para humanizar Aquiles e para nos apresentar
sumariamente aspetos do seu passado e antecipar o futuro. Além disso, este
episódio relembra-nos a sua cólera e o seu orgulho, contudo, em simultâneo,
revela-nos as pressões que sofreu em Ftia (uma antiga região da Tessália, na
Grécia setentrional, a pátria dos Mirmidões) e destaca o dilema que enfrenta,
mostrando-nos os seus conflitos interiores.
A forma mais cândida como Aquiles
responde ao apelo de Ájax mostra que ele valoriza o respeito dos seus
companheiros, embora não pareça particularmente incomodado por estarem a morrer
na sua ausência. No entanto, o seu orgulho sobrepõe-se a isso e ele não
consegue perdoar a ofensa à sua honra. Até este momento da obra, a cólera de
Aquiles parecia ser justificada, todavia a recusa da proposta de Agamémnon por
uma questão de orgulho lança uma sombra sobre a sua figura. Aquiles é descrito
e age como um deus e o egocentrismo e a mesquinhez da sua reação lembram os
rancores de divindades como Hera e Poseidon.
Os discursos deste canto constituem
demonstrações da habilidade oratória, um talento que os Gregos valorizavam
imenso, tanto quanto a perícia no campo de batalha. Fénix faz referência a
esses dois valores quando afirma ter criado Aquiles para ser um homem de
palavras e de ação. O discurso de Ulisses é o mais bem estruturado, sendo
constituído por um conjunto de apelos diferentes para tentar mudar o intento do
filho de Tétis.
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