Português: Análise de "Composição VIII", de Kandinsky

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Análise de "Composição VIII", de Kandinsky


            “Composição VIII” é um quadro de Kandinsky, pintor modernista russo, nascido a 4 de dezembro de 1866 e falecido a 13 de dezembro de 1944, datado de 1923. Trata-se de uma pintura a óleo sobre tela, de 140, 3 x 200, 7 cm, exposto atualmente no Museu Guggenheim de Nova Iorque.

            Este quadro é considerado pelo próprio pintor como o auge das suas criações pós-Primeira Guerra Mundial. A obra é constituída por diversas formas geométricas (círculos, semicírculos, triângulos e quadrados), ângulos retos e agudos e linhas retas em várias direções, posicionadas em locais estratégicos na tela, formando uma espécie de paisagem: os grandes triângulos representam montanhas, enquanto o círculo do lado esquerdo superior simboliza o sol.

            Aparentemente caótica, por ser assimétrica, a pintura estrutura-se a partir da técnica ponto, linha, plano, isto é, o ponto constitui o «local» onde o objeto toca a tela, que são os círculos. Quando o ponto se desloca, forma a linha e, sempre que esta se desloca, forma o plano, que são as cores, que podem ser fluidas ou compactas, como sucede com as formas geométricas. O conjunto constituído por cores e linhas, forma três grandes triângulos, situados em planos diferentes.

            Relativamente às cores, o fundo do quadrado é claro e tripartido em tons que definem profundidade e conferem dinamismo à pintura, provocando também um contraste de tonalidades entre esse fundo e os elementos que se sobrepõem, todos eles com cores mais escuras. O pintor usa tonalidades diferentes dentro das formas, dando energia à sua geometria, como o círculo amarelo com uma auréola azul, em oposição ao círculo azul contendo uma auréola amarela.

            O uso dos círculos, retângulos, semicírculos, triângulos e outras formas geométricas é consistente com a crença de Kandinsky nas propriedades místicas das formas geométricas, enquanto as cores são escolhidas pelo seu impacto emocional.

            No canto superior esquerdo, encontramos um círculo roxo dentro de um círculo preto envolvido por um halo de dupla camada rosa e laranja. As bordas do halo, aparentadas à coroa em torno de um sol eclipsado, contrastam fortemente com as linhas nítidas do círculo preto com o seu núcleo roxo. Um círculo vermelho parcial, emergindo do canto inferior direito da periferia do círculo preto e cortando o seu halo, é delimitado pelo seu próprio nimbo amarelo, que se mistura com as coras rosa e laranja da forma adjacente. Um círculo amarelo delimitado por uma linha preta fina, posicionado no terço inferior da tela, possui um halo constituído por uma camada interna azul e uma camada externa roxa. Outro círculo, azul com uma borda salmão, localizado perto da parte inferior da tela, é rodeado por um anel de fogo amarelo. Os círculos situados à direita da tela, ao contrário, não possuem halos.

            O halo é um tema artístico recorrente ao longo do tempo e em diversas culturas. Por seu turno, a luz, nalgumas tradições espirituais e filosóficas, representa a consciência superior, enquanto uma pessoa que se deleita na luz da razão pode ser considerada iluminada. Cabeças de divindades gregas e romanas, como, por exemplo, Hélios e Júpiter, eram circunstancialmente mostradas circundadas por um nimbo de luz, uma representação que terá sido adotada pelos primeiros cristãos que viviam no mundo greco-romano. Kandinsky, um apreciador do cristianismo ortodoxo russo, cuja fé influenciava frequentemente os termos das suas pinturas, deveria estar ciente da importância do halo na iconografia religiosa russa.

            Entre 1921 e 1923, tiveram lugar seis eclipses lunares, coincidindo dois no ano da criação de “Composição VIII”, o que poderá ter constituído uma inspiração para a composição do círculo preto com a sua coroa rosa e laranja. O preto, de acordo com a teoria sónica da cor de Kandinsky, significava silêncio externo, enquanto o laranja indicava a voz masculina mais alta e os instrumentos musicais correspondentes na faixa de contralto. O rosa, enquanto mistura de vermelho e branco, pode ser interpretado como um amortecimento de sons cacofónicos ou uma suavização de tons mais ásperos. O amarelo, formando um halo em torno dos círculos azuis e vermelhos, representa perturbação e raiva, enquanto em termos musicais significa trombetas e fanfarras.

            Uma das três grades, formadas por quadriláteros e dispostas numa forma que lembra um prédio alto, aparece no lado esquerdo da tela e aparece sob um triângulo preto forrado e parcialmente formado por azul claro que se funde com o fundo creme. Os círculos terão sido usados pelo pintor para representar o simbolismo planetário, o que se tornou comum durante o período abstrato da sua carreira.

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