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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Simbolismo do fantasma

    O fantasma é uma figura ambígua, desde logo porque não fica claro se ele é realmente o espírito do pai de Hamlet, um demónio que quer enganar o príncipe, ou um simples produto da imaginação do filho. A sua aparição prende-se com o desejo de obter vingança pela sua morte, por isso surge vestido com uma armadura, preparado para a batalha, porém, como é um espírito, necessita da força física de Hamlet para a executar.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Simbolismo das flores de Ofélia

    Após a morte de Polónio, o estado mental de Ofélia deteriora-se drasticamente e a jovem começa a agir como louca (ato IV, cena V). A partir daí, sem ter ninguém com quem confiar e sentindo-se atacado por aquele que amava, vagueia por Elsinore, entoando canções que oscilam entre temáticas infantis e outras de forte cariz sexual e sombrio e distribuindo flores (reais ou imaginárias) a quem encontra, nomeadamente a Cláudio, a Gertrudes e a Laertes, guardando algumas para si. Essas flores são variadas e têm um significado específico: a Gertrudes, oferece erva-doce e aquilégias, que representam o seu suposto adultério, a afeição partilhada entre os amantes; a Cláudio, dá margaridas e arruda (esta última flor é oferecida também a si mesma), que simbolizam respetivamente a inocência e o amor e o arrependimento; oferece ainda alecrim (uma flor presente frequentemente em funerais), amores-perfeitos (lembranças, pensamentos). Em determinado momento, declara que também queria oferecer violetas, porém todas tinham murchado quando pau morrera. As violetas são símbolo de fidelidade (o que indicia que a fé ou a bondade da Dinamarca foram corrompidas com o assassinato de Polónio), da humildade, da virtude e da modéstia, implicando que a morte do pai a levou a desligar-se do cumprimento das normas sociais da época.
    Esta variedade de flores e, consequentemente, dos sentimentos que simbolizam, associa-se aos seus desejos vários que possui e que foram reprimidos pela sociedade e suas normas. Esta noção é ecoada pelo afogamento de Ofélia, rodeada de grinaldas de flores que mostram que, nos seus derradeiros momentos de vida, a jovem escolheu cercar-se de símbolos de tudo o que ela era e poderia ter sido, caso não tivesse sido impedida. Ou sejam as flores são uma espécie de lembrete de tudo o que lhe foi roubado.

Questionário sobre o conto "A chama obstinada da sorte" - 3.ª parte

 
3.ª parte (de “– Pouco antes do amanhecer passou um camião…” até “Quando os seus parentes, os próximos e os não tanto (…) falava com os fantasmas dos bandidos gringos.”)

 
1. «Pouco antes de amanhecer», o velho e o cão conseguiram a boleia esperada.

 
1.1. Caracteriza o camionista.

 
1.2. Explica a atitude do velho perante as questões que lhe foram feitas até Esquel.

 
2. Já na cidade, o velho continua a contar a sua história a Cachupín VI. Indica a opção que completa corretamente as afirmações seguintes:

 
2.1. «Durante os cinco anos seguintes à descoberta do tesouro, de cada vez que tirou algumas moedas»

a. arranjou compradores e conseguiu bons negócios.

b. tinha medo que os malandros e até os militares achassem que ele estava pobre.

c. fez longas viagens que correram maravilhosamente.

 
2.2. Durante os dez anos posteriores nunca tocou nas moedas porque

a. a notícia se tinha espalhado e já não havia compradores para elas.

b. tinha medo que os malandros e até os militares achassem que ele estava pobre.

c. a notícia se tinha espalhado e havia sempre quem lhe batesse para lhas roubar.

 
3. Atenta no seguinte excerto: «Espalhara-se a notícia e cada vez que me afastava de Cholila tinha, ou os malandros ou, pior, os militares, à minha espera para me levarem até a roupa do corpo. Se soubesses a quantidade de gente que me viu em pelo. Mas, como te digo, decidi ser inteligente e ensinei ao Cachupín II as manhas que tu também sabes.»


3.1. Transcreve todos os deíticos pessoais.


4. Explica o estratagema engendrado pelo velho para não sofrer as consequências de levar consigo moedas e a evolução que se verificou nos cães que foi tendo.

 
5. Na continuação da sua conversa com o cão, o velho revela a estratégia do candeeiro.


5.1. Apresenta-a por palavras tuas.

 
5.2. Relaciona este estratagema do velho com o título do livro em que se inclui o conto.


6. Chegamos a um ponto da narrativa em que as aventuras do presente do velho e do seu passado se cruzam. Justifica a afirmação.

 
7. Num tempo de ditadura militar, em que é forçoso que tudo seja feito às escondidas, o velho encontrou a solução para o seu problema numa rapariga no meio de uma praça-

 
7.1. Reconta o que aconteceu e comenta a sua atitude em relação à rapariga.


Simbolismo do vestuário de Hamlet

    Hamlet enverga frequentemente roupas de cor preta, as quais simbolizam a sua tristeza e dor pela morte do pai. Os reis consideram que, desse modo, o jovem espalha um clima triste sobre o palácio, por isso pedem-lhe que se anime, ou, no mínimo, mudar a roupa que costumeiramente vestia, no entanto o príncipe recusa, afirmando que as suas vestes representam apenas uma parte da sua verdadeira tristeza, o que significa que elas refletem o seu estado de espírito.
    Esta não é, todavia, a única ocasião em que Hamlet usa o seu guarda-roupa para sugerir o seu estado de alma. Por exemplo, na cena I do ato 2, muda de roupa para dar nota de outra forma de sentir e, pouco depois, surge nos aposentos de Ofélia apenas parcialmente vestido e com o vestuário desalinhado, agarra-a, olha-a ferozmente e vai embora, deixando-a confusa e assustada. Esta cena segue-se à conversa entre o príncipe e Horácio, durante a qual expõe o seu plano para descobrir a verdade sobre a morte do pai, que inclui agir como se tivesse enlouquecido para disfarçar as suas verdadeiras intenções. Toda a situação deixa Ofélia com a imagem de um príncipe mentalmente desequilibrado.

Simbolismo do crânio de Yorick

    Na primeira cena do ato V, Hamlet e Horácio deparam-se com dois coveiros preparando a sepultura que irá receber o corpo de Ofélia e, no cenário, destaca-se o crânio de Yorick, o antigo bobo da corte do falecido rei Hamlet, o qual simboliza a inevitabilidade da morte e o vazio existencial que resulta dessa consciência. O jovem Hamlet relembra a sua figura e a sua forma de ser animada e divertida que agora não passa de um monte de ossos espalhados na terra. Esta observação enfatiza a ideia da inevitabilidade da morte e o fascínio de Hamlet pelas suas consequências físicas, nomeadamente a decadência / degradação do corpo, que é apenas temporário. De facto, são várias as referências do príncipe à decomposição do corpo humano, como, por exemplo, a observação de que Polónio será comido pelos vermes, o mesmo acontecendo com os próprios, exemplificados pela figura de Alexandre Magno, cujo corpo se transformou em pó que pode ser usada para tapar um buraco num barril de cerveja. Todas estas constatações levam-no a concluir que não interessa a forma como as pessoas vivem as suas vidas, o poder e a riqueza que possuem, o «status», pois, mais tarde ou mais cedo, transformar-se-ão em pó. O final da peça, como se fosse necessário, confirma essa noção.

O tema da morte em Hamlet

    A morte está presente na peça de várias formas: o fantasma do velho rei Hamlet; a contemplação de Hamlet sobre o suicídio; a performance dos atores de O Assassinato de Gonzago; a tendência de Hamlet para se vestir de preto; a morte de Ofélia; os coveiros e o túmulo de Ofélia; a contemplação do crânio de Yorick; o funeral de Ofélia; as inúmeras mortes do final da obra.
    A morte do pai desencadeia em Hamlet a obsessão pelo tema, levando-o a ponderar as suas consequências, tanto espirituais, incarnadas pelo fantasma, como físicas, suscitadas pela contemplação do crânio do antigo bobo e dos cadáveres em decomposição no cemitério, aquando dos preparativos para o funeral de Ofélia. Por outro lado, a ideia da morte está conectada com as questões da espiritualidade, da verdade e da incerteza. Além disso, a morte é tanto a causa quanto a consequência da vingança, daí que esteja intimamente ligada aos temas da vingança e da justiça. O assassinato do rei Hamlet às mãos de Cláudio desencadeia a busca de vingança, constituindo a morte do soberano o fim dessa procura.
    A sua própria morte atormenta-o igualmente, a partir do momento em que contempla o suicídio e reflete se constitui ou não uma ação moralmente legítima num mundo que lhe causa imensa dor. De facto, a dor e o sofrimento do príncipe são tão intensos que chega a contemplar a morte como solução par pôr fim a esse estado de alma, porém receia que, se se suicidar, será condenado o sofrimento eterno no inferno. Convém ter presente que este pensar é determinado pelos princípios religiosos cristãos.
    Outro momento marcante neste diálogo de Hamlet com a questão da morte é a contemplação do crânio de Yorick, um antigo bobo da corte cuja inteligência, valor e atributos físicos o príncipe recorda e constata que a morte levou para sempre. A passagem do tempo, o envelhecimento, a decadência e a morte são inevitáveis. Hamlet toma consciência disso, bem como de que se aplica a todos os seres humanos, independentemente do seu estatuto. Metaforicamente, esta obsessão pela morte mostra a impotência de Hamlet de impedir o que está a acontecer e a corromper a Dinamarca. No final, é um líder estrangeiro, Fortinbras, que assume o trono e o poder no país para o recuperar. A nação teve que se decompor completamente antes de poder renascer, à semelhança do que sucede com a carne humana, que se decompõe e nutre o solo.

O papel da mulher numa sociedade patriarcal em Hamlet

    Gertrudes e Ofélia são duas mulheres a viver numa sociedade feita para e dominada por homens, daí serem sujeitas à opressão e à injustiça. A peça situa-se nos anos 1600, uma época em que às mulheres não era permitido subir ao palco, e a obra revela as limitações e os preconceitos de que eram vítimas, incluindo as de origem nobre. Assim, o seu comportamento é condicionado pela sociedade misógina em que vivem, que lhes dá poucas opções para sobreviver ou prosperar.
    Tendo estes dados em conta, ninguém estranhará que Gertrudes e Ofélia sejam frequentemente ignoradas e a sua ação / vida condicionada pelos homens e seus interesses. Os comentários que Hamlet lhes dirige, carregados de acusações, refletem a misoginia da época e ignoram o facto de elas serem vítimas do meio em que habitam e necessitarem de tomar decisões que lhes permitam adquirir segurança num mundo masculino. Gertrudes exemplifica na perfeição este quadro. Após a morte do marido, casa com o seu irmão (e assassino) e a peça nunca esclarece o seu grau de envolvimento e o seu eventual conhecimento do crime, embora se possa deduzir que não participou no crime, não obstante provavelmente ter conhecimento do plano de Cláudio. É uma hipótese, mas, seja como for, aquiesceu a casar com Cláudio, possivelmente por recear as consequências de uma recusa. Afinal, o estatuto de rainha conferia-lhe uma segurança que não estava ao alcance das demais mulheres. É uma decisão que simboliza a tentativa de sobreviver numa situação muito precária.
    Quanto a Ofélia, a sua situação não difere muito da de Gertrudes, desde logo porque é forçada a tomar decisões e a envolver-se em situações que não controla e / ou não deseja. Cláudio e Polónio usam-na como peão para espiar Hamlet e tentar descobrir a veracidade e o motivo da sua loucura. Obediente, a jovem segue as instruções do pai e recusa-se a vê-lo e a falar com ele, o que motiva a ira do príncipe- Quando o pai é assassinado por Hamlet, perde a sua sanidade. De um lado, está o seu pai, do outro, o homem que ama. Para acentuar a sua situação desesperada, tem de enfrentar estes acontecimentos sozinha, pois o irmão está em França. No final, se entendermos a sua morte como produto de um suicídio., seremos levados a concluir que, nesse instante, Ofélia assume o controlo do seu destino.
    Em suma, Gertrudes e Ofélia vivem uma vida de qualidade superior à das restantes mulheres, apesar de todos os condicionalismos e opressão a que estão sujeitas, mas têm plena consciência de que podem perder essa posição social privilegiada se não cumprirem as expectativas a que o género a que pertencem está sujeito. Assim sendo, a sua ação é motivada pelo desejo de sobrevivência.

O tema da representação em Hamlet

    Intimamente ligado à temática da loucura está aquilo que poderemos designar por representação.
    No momento em que surge em cena pela primeira vez, Hamlet faz uma distinção entre comportamento externo e sentimentos reais. Na cena V do ato I, afirma que vai fingir estar louco e, na inicial do segundo, Ofélia alude ao comportamento louco do príncipe como uma performance cómica. Mais tarde, quando declara a Ronsencrantz e Guildenstern que perdeu toda a alegria, parece genuinamente triste e deprimido. A questão central prende-se com a determinação se Hamlet está realmente louco ou apenas encena a sua loucura.
    A questão da representação relaciona-se também com a da peça dentro da peça. Por exemplo, o próprio texto de Shakespeare recorda frequentemente ao público que está a assistir a uma representação teatral. Quando Polónio refere que na universidade encenou Júlio César, pode estar a aludir à própria peça da autoria de Shakespeare, escrita na mesma época de Hamlet.

Os temas da honra, religião e valores sociais em Hamlet

    A sociedade dinamarquesa norteia-se por um código de valores assente na religião e na honra aristocrática.
    O fantasma do rei Hamlet exige que o filho do antigo monarca vingue a sua morte e tal passa pelo assassinato de Cláudio. No entanto, o príncipe hesita ao refletir sobre as consequências de praticar um crime daquele calibre e acaba por não agir. Esta postura não sinaliza necessariamente cobardia de Hamlet ou medo, mas uma reflexão acerca do modo como a vingança e a violência praticada para restaurar a honra podem não ser a resposta adequada. Estas considerações são bem exemplificadas pela cena em que Hamlet encontra Cláudio sozinho a orar, o que configura uma ocasião perfeita para consumar a vingança. Contudo, hesita e reflete que, se assassinar o tio enquanto ele ora, enviará o assassino do pai para o céu. Esta reflexão leva Hamlet a reconsiderar o que uma sociedade que glorifica hipocritamente a vingança e a piedade religiosa espera dele. Em simultâneo, apercebe-se da artificialidade que caracteriza a sociedade e de que a vingança não casa com os valores cristãos.
    A parte final da peça mostra um Hamlet a caminhar em direção a um certo niilismo, reconhecendo que o mundo se caracteriza pela aleatoriedade e pelo caráter arbitrário de vários padrões da sociedade. As suas reflexões levam-no a constatar que todos os seres humanos, independentemente do seu estatuto, do seu poder, da sua classe social, têm o mesmo fim, daí que ignore o conselho de Horácio para ter cautela quando duelar com Laertes. Essa sua imprudência provém da perceção de que os códigos morais que ele considerava decisivos não são aplicáveis e caminham para a irrelevância.

O tema da corrupção em Hamlet

    A Dinamarca é frequentemente descrita como um corpo físico adoecido pela corrupção moral que a tinge e que deriva dos seus soberanos, Cláudio e Gertrudes. Vários estudiosos da obra de Shakespeare apontam a personagem do fantasma como símbolo da podridão que se vai entranhando o país. De facto, quando Marcelo afirma que algo está podre no reino, após avistar o espectro, está a aludir a uma superstição medieval, segundo a qual a prosperidade de uma nação está ligada à legitimidade do seu rei. E sabemos que Cláudio não é um rei legítimo, pois assassinou o seu irmão para usurpar o poder.
    Desde o início da obra, instala-se um sentimento de medo na corte. De facto, quando Marcelo, Bernardo e Francisco, os três vigias de Elsinore, mostram-se hesitantes, inquietos e nervosos no momento em que se encontram, por causa da aparição do fantasma do rei Hamlet no castelo. Da investigação em torno do porquê desse evento resulta a sensação de que Cláudio assassinou o irmão para se apossar do trono, sinal de que a corrupção moral e política tomou conta da nação e, curiosamente, o facto afeta profundamente Hamlet, de tal forma que acaba por desenvolver uma obsessão pela corrupção física, pela decadência e pela morte. Essa obsessão traduz os seus medos sobre a deterioração da própria saúde, bem como o declínio do bem-estar da família e da própria nação.
    O falecido rei Hamlet é retratado como um governante corajoso e forte que governa um estado saudável, ao contrário de Cláudio, um político manipulador e perverso que corrompeu e comprometeu a saúde da Dinamarca para satisfazer as suas ambições políticas. Neste sentido, o desenlace da peça, com a ascensão ao trono de Fortinbras, simboliza a regeneração e o fortalecimento da nação.

O tema da loucura em Hamlet

    A loucura é outro tema central de Hamlet e anda de mãos dadas com a questão da verdade e do engano. Exemplo disto é o facto de a discussão em torno da loucura de Hamlet ser real ou fingida permanecer em aberto ao longo da obra. O seu comportamento errático e várias falas sem sentido podem ser interpretados como uma estratégia para atingir um determinado fim, mas também podem constituir uma resposta à situação «louca» em que se encontra: o seu pai foi assassinado pelo irmão, seu tio, que agora é seu padrasto, pois casou com uma mulher que antes fora sua cunhada. Se inicialmente Hamlet acredita na sua sanidade mental, no final parece duvidar dela. Chega mesmo a referir-se a si na terceira pessoa, o que pode indiciar que se afastou do seu antigo «eu» são.
    Outra personagem marcada pela loucura é Ofélia, mas, neste caso, a personagem enlouquece efetivamente ao ser rejeitada por Hamlet e ser mesmo tratada áspera e agressivamente por ele, bem como ao se afastar e renegar o seu amor por ele, obedecendo às instruções do pai e mesmo do irmão. Também no seu caso a loucura desemboca na sua morte, acidental ou suicídio.

O tema da aparência versus realidade / aparência versus engano em Hamlet

    Há vários momentos na peça que desenvolvem a questão da aparência e da realidade. Vários aspetos, como, por exemplo, a insanidade de Hamlet, as maquinações de Cláudio, o estado da Dinamarca, não são aquilo que parecem. Hamlet finge estar louco como estratégia tendente a certificar-se da culpabilidade de Cláudio na morte do seu pai. Além disso, ataca Ofélia e Gertrudes, orquestra a morte de Guildenstern e Rosencrantz e acusa a mãe e Polónio de serem falsos.
    Por outro lado, diversas personagens desafiam as balizas entre o que é visto e o que é real. Quando o fantasma aparece pela segunda vez nos aposentos de Gertrudes, esta afirma não o conseguir ver, o que levanta a possibilidade de o espectro ser produto da imaginação de Hamlet, não obstante ele ter aparecido previamente a outras personagens, ou de Gertrudes estar a esconder algo. Outros casos são os de Polónio, que dá conselhos que entram em conflito com as decisões que toma, e de Ofélia, que nega os eu amor por Hamlet por obediências e para agradar ao pai.
    Curiosamente, ao chegarmos ao final da peça, as personagens transformam-se naquilo que fingem ser: Gertrudes apresentou-se como uma vítima involuntária e torna-se uma; Polónio fingiu ser alguém leal, mas a sua morte é genuinamente lamentada pela corte; Ofélia fingiu ser pura e inocente ao renunciar ao afeto por Hamlet e acaba por ter um funeral puro, embora se possa questionar se o merece, por exemplo, caso se tenha suicidado.
    Em suma, são vários os momentos que suscitam as questões da aparência versus realidade e da verdade versus engano:

. o fantasma pode ser real ou fruto da imaginação de Hamlet;

. Cláudio obteve o poder por meio do engano;

. Polónio dispõe-se a espalhar boatos sobre o filho para investigar o seu comportamento em França, o que permite questionar o relacionamento entre pai e filhos;

. a morte de Polónio é fruto do engano, pois Hamlet pensava estar a matar Cláudio;

. a companhia de atores e o enxerto na peça que representam em Elsinore, introduzido por Hamlet;

. etc.

 

O tema da vingança (ação e inação) em Hamlet

    O motor de Hamlet é a vingança: o príncipe da Dinamarca procura vingar a morte do seu pai. Estamos na presença de um tópico presente em inúmeras obras ao longo dos tempos, no entanto esta apresenta uma inovação: a personagem que deve executar a vingança não consegue fazê-lo, pois debate-se com as implicações morais desse gesto. É essa inquietação moral que o leva a hesitar e a refletir longamente sobre a questão, pretendendo antes de agir, talvez para justificar a si próprio a sua inação, certificar-se da autoria do assassinato do pai e até da genuinidade do fantasma. Em simultâneo, várias personagens vivem os seus conflitos, lutam e morrem. Tendo em conta o final da peça, caracterizado por uma sucessão de mortes, é lícito concluir que, em última análise, a morte acabará por encontrar todos, independentemente das suas ações (ou inações).
    A vingança é, de facto, um catalisador da ação da peça, desde logo porque são várias as personagens que a procuram: o fantasma do pai de Hamlet quer que o filho vingue a sua morte; Laertes quer vingar a morte de Polónio, seu pai, e de Ofélia, sua irmã; Fortinbras buscar vingar a morte do pai e as derrotas militares. Curiosamente, de todas as que se movem por esse sentimento, é esta última a única que não perde a vida no final da peça; pelo contrário, vem triunfante da guerra e prepara-se para ocupar o trono da Dinamarca.
    Quanto a Hamlet, defronta-se com duas decisões: vingar o seu pai, matando Cláudio, ou atentar contra a própria vida para não ter de assassinar o tio / padrasto. Inicialmente, procura concretizar o desejo do pai, mas logo tem de se confrontar com as suas indecisões e questionamentos morais e não age. Quando, finalmente, se decide a agir, é demasiado tarde e acaba ele próprio morto, embora nos seus instantes finais tenha concretizado a vingança, assassinando Cláudio. Porém, a morte do protagonista não resulta propriamente da sua própria ação, embora se tenha tornado inevitável, visto que é consequência da necessidade de Cláudio proteger a sua posição e o seu poder e que desencadeou toda uma série de eventos. Ou seja, a morte de Hamlet resulta das ações do rei, independentemente da decisão do príncipe acerca do pedido do fantasma do pai.
    O contraste com Fortinbras é claro e marcante. O jovem príncipe sucede ao seu pai no trono da Noruega e manifesta desde logo a intenção de recuperar as terras perdidas pelo progenitor no campo de batalha, por isso marcha pela Europa para atingir esse desiderato. Quando Hamlet toma conhecimento desses planos, toma consciência da sua fraqueza em tomar medidas decisivas para vingar a morte do pai. No final da peça, Fortinbras é recompensado com o poder e o todos os demais são castigados com a morte. Não obstante, é possível pôr a hipótese de ambos terem crescido ao longo da peça, apesar das vinganças que empreendem ou tentam empreender, ao contrário do que sucede com Laertes.
    O desfecho da peça é caracterizado pela morte de todas as personagens centrais. Como interpretar esta carnificina? Por um lado, a vingança é inútil, pois nada traz de bom, apenas morte, sofrimento e dor; por outro, independentemente do que qualquer pessoa faça, não faça ou planeie fazer, a morte é inevitável.

domingo, 8 de setembro de 2024

A escola do século XIX em imagens - XVII

Max Silbert – Aula de Canto na Holanda (1907)

    Este quadro constitui já uma incursão na escola dos alvores do século XX, mostrando uma diversidade curricular, mesmo na escola elementar, que vai muito para além do ler, escrever e contar…
    Max Silbert, um pintor ucraniano naturalizado francês, país onde desenvolveu a sua obra artística, apresenta aqui, num registo quase fotográfico, uma aula de canto numa escola holandesa. Numa turma que hoje consideraríamos numerosa, uma pequena solista evidencia os seus dotes de cantora enquanto a professora toca a melodia. A maioria dos colegas assiste atentamente, aguardando a sua ocasião de participar também, embora se note, na pequena plateia, um ou outro distraído, e até mesmo, na primeira fila, um pequenote caído no sono!
    Trata-se de uma escola mista, o que não era o padrão comum na maioria dos países naquele tempo. Há, no entanto, uma marcada distinção entre meninos e meninas, que se evidencia sobretudo no facto de estas, mesmo as mais pequerruchas, trazerem a cabeça coberta com um lenço ou uma touca. Uma expressão de modéstia e pudor que hoje associamos ao conservadorismo islâmico, mas que foi, desde os tempos medievais e ainda durante boa parte do século XX, comum nalguns países da Europa cristã, como é o caso dos Países Baixos: uma nação associada a valores de liberdade e tolerância desde a sua fundação, mas surpreendentemente conservadora em certos aspetos do quotidiano…


Análise do poema "Há nomes que ficam", de Pedro Mexia

    O sujeito poético começa por refletir sobre nomes que se gravam em agendas e aí permanecem, sem qualquer utilidade ou préstimo, mas que não são apagados. Esses nomes permanecem ao longo do tempo (“transitam de ano para ano”) por inércia ou por negligência. Por vezes, a pessoa já nem se recorda das figuras a quem pertencem, isto é, de quem são, daí o nome próprio constituir uma referência obscura. Em suma, esses nomes perderam o seu significado e importância (porque desapareceram da vida, por exemplo, pela morte, graças a um afastamento físico, social, etc.), tratando-se unicamente de vestígios de um passado que ficou lá bem atrás. Recorde-se, a este propósito, a história que Ricardo Araújo Pereira contou sobre o número de telefone da sua avó, que ele não conseguiu apagar da lista de contactos do seu telemóvel, porque, quando se preparava para o fazer, lhe aparecia a mensagem Eliminar Avó.
    Os números de telefone das pessoas que conhecemos ao longo da vida e que guardamos nas agendas perdem sentido com a passagem do tempo, acabando por se transformar em meros “criptogramas”, isto é, em códigos indecifráveis. Esses números indicam que, de facto, se cruzou com pessoas que se cruzaram com ele, mas entre eles não se estabeleceu qualquer relação mais intensa ou profunda ou significativa. Atente-se, a este propósito, no recurso ao verbo «cruzar» (repetição), neste caso “cruzar-se com alguém que se cruza connosco”, que traduz essa ideia de pessoas que se encontram vindas de direções opostas e, após um breve contacto, seguem igualmente em sentidos contrários. Por isso, o «eu» afirma que trocou números de telefone com outras pessoas «como se / trocássemos alguma coisa», expressão que sugere o caráter vazio, oco e superficial dessa troca. Nos dois versos seguintes, o sujeito poético desenvolve esta ideia, assente na temática da mudança: como Camões escreveu, tudo muda na nossa existência. Neste caso, são as pessoas que, de conhecidas, se tornam amigas e, tempos volvidos, passam a desconhecidas. O que fará com que estas amizades terminem? Provavelmente, a distância e o consequente esquecimento. Deste modo, parece apontar para a noção de que as relações humanas são efémeras e instáveis, sujeitos à erosão do tempo, que muda os seres e os seus sentimentos e emoções.
    O «eu» dispõe da possibilidade de apagar os nomes das pessoas que já não fazem parte da sua vida da agenda, como se ele fosse velho e elas estivessem mortas, no entanto os números permaneceriam na agenda, como uma praga de que se não consegue libertar, «escritos / com tintas diferentes / e por vezes nas letras erradas». Estes versos indiciam o facto de o «eu» ter dificuldade em se desfazer dos números, dos contactos, que representam a passagem do tempo e as marcas que deixa, nomeadamente a mudança que proporciona, bem como a desordem e confusão que ocasionam: “e por vezes nas letras erradas”.
    De seguida, o sujeito poético conclui que não pode desfazer-se das suas agendas (atente-se no recurso ao plural), onde guarda os números de telefone das pessoas que conhecem, mas também não pode «começar uma todos os anos» (até porque seria impraticável), como se fosse possível apagar o passado e recomeçar constantemente (“todos os anos”) do zero. Reconhece, todavia, que ele mesmo mudou e que, por isso, já não é o mesmo que era quando anotou esses números, quando conheceu essas pessoas. Os dois pontos indiciam que se seguirá a explicação desta ideia final e ela, de facto, não tarda.
    Com efeito, os números de telefone “observaram as minhas idades”, isto é, foram testemunhas das mudanças que se operaram nele ao longo do tempo. O «eu» poderia ligar para um desses números que guardou na agenda, porém o mesmo não lhe diz nada, ou seja, não lhe desperta interesse, não lhe lembra nenhuma pessoa. Ainda assim, poderia “contar-lhe tudo” o que viveu e sentiu, ou que vive e sente no momento presente, a alguém que não se lembra dele, o que significa que as mudanças não se operam somente no «eu», mas também no «tu». As pessoas conhecem-se, aproximam-se e, posteriormente, afastam-se, porque as circunstâncias assim o ditam.
    Este desfecho do poema deixa no ar uma vivência do «eu» caracterizada pela solidão e pelo afastamento relativamente aos outros, bem como pela nostalgia de um passado que foi diferente. Será que o sujeito poético, no fundo, tenta também resgatar esse passado e a identidade perdidos? Na esteira de Camões e dos clássicos renascentistas, a mudança no ser humano opera-se sempre para pior? Ou será que, simplesmente, temos dificuldade em apagar algo que já fez parte da nossa vida?
    Nota, a finalizar, para o recurso constante ao plural («cruzámos», «connosco», «trocámos», etc.), sugerindo que aquilo que o «eu» vivenciou é um facto extensível a todos os seres humanos. As agendas de contactos serão, afinal, o símbolo das relações humanas que estabelecemos e perdemos ao longo da vida.
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