Português: O tema da vingança (ação e inação) em Hamlet

terça-feira, 10 de setembro de 2024

O tema da vingança (ação e inação) em Hamlet

    O motor de Hamlet é a vingança: o príncipe da Dinamarca procura vingar a morte do seu pai. Estamos na presença de um tópico presente em inúmeras obras ao longo dos tempos, no entanto esta apresenta uma inovação: a personagem que deve executar a vingança não consegue fazê-lo, pois debate-se com as implicações morais desse gesto. É essa inquietação moral que o leva a hesitar e a refletir longamente sobre a questão, pretendendo antes de agir, talvez para justificar a si próprio a sua inação, certificar-se da autoria do assassinato do pai e até da genuinidade do fantasma. Em simultâneo, várias personagens vivem os seus conflitos, lutam e morrem. Tendo em conta o final da peça, caracterizado por uma sucessão de mortes, é lícito concluir que, em última análise, a morte acabará por encontrar todos, independentemente das suas ações (ou inações).
    A vingança é, de facto, um catalisador da ação da peça, desde logo porque são várias as personagens que a procuram: o fantasma do pai de Hamlet quer que o filho vingue a sua morte; Laertes quer vingar a morte de Polónio, seu pai, e de Ofélia, sua irmã; Fortinbras buscar vingar a morte do pai e as derrotas militares. Curiosamente, de todas as que se movem por esse sentimento, é esta última a única que não perde a vida no final da peça; pelo contrário, vem triunfante da guerra e prepara-se para ocupar o trono da Dinamarca.
    Quanto a Hamlet, defronta-se com duas decisões: vingar o seu pai, matando Cláudio, ou atentar contra a própria vida para não ter de assassinar o tio / padrasto. Inicialmente, procura concretizar o desejo do pai, mas logo tem de se confrontar com as suas indecisões e questionamentos morais e não age. Quando, finalmente, se decide a agir, é demasiado tarde e acaba ele próprio morto, embora nos seus instantes finais tenha concretizado a vingança, assassinando Cláudio. Porém, a morte do protagonista não resulta propriamente da sua própria ação, embora se tenha tornado inevitável, visto que é consequência da necessidade de Cláudio proteger a sua posição e o seu poder e que desencadeou toda uma série de eventos. Ou seja, a morte de Hamlet resulta das ações do rei, independentemente da decisão do príncipe acerca do pedido do fantasma do pai.
    O contraste com Fortinbras é claro e marcante. O jovem príncipe sucede ao seu pai no trono da Noruega e manifesta desde logo a intenção de recuperar as terras perdidas pelo progenitor no campo de batalha, por isso marcha pela Europa para atingir esse desiderato. Quando Hamlet toma conhecimento desses planos, toma consciência da sua fraqueza em tomar medidas decisivas para vingar a morte do pai. No final da peça, Fortinbras é recompensado com o poder e o todos os demais são castigados com a morte. Não obstante, é possível pôr a hipótese de ambos terem crescido ao longo da peça, apesar das vinganças que empreendem ou tentam empreender, ao contrário do que sucede com Laertes.
    O desfecho da peça é caracterizado pela morte de todas as personagens centrais. Como interpretar esta carnificina? Por um lado, a vingança é inútil, pois nada traz de bom, apenas morte, sofrimento e dor; por outro, independentemente do que qualquer pessoa faça, não faça ou planeie fazer, a morte é inevitável.

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