Este poema foi publicado em 1972,
na obra Mar Absoluto, e trata o tema da fugacidade do momento, como o título,
desde logo, indicia. De facto, a palavra “transição” remete para a passagem do
tempo.
O
sujeito poético – feminino (“adjetivo “intacta”) – mostra “o amanhecer e o anoitecer”,
que aponta para a rapidez com que as coisas transitam, pela sugestão da
sucessão de muitos dias e noites. Contudo, essa celeridade que caracteriza a
sucessão das coisas não afeta o «eu» poético: “parece deixarem-me intacta”. É
como se estivesse frente ao espelho e não visse as mudanças por que vai
passando. Apenas consegue ver o agora, o que é naquele momento: “mas os meus
olhos estão vendo / o que há de mim, de mesma e exata”.
A
segunda estrofe inicia-se com uma antítese (“tristeza e alegria”) que mostra
como o sujeito lírico se sente, que esses sentimentos que experimenta e
entrelaçam os seus pensamentos o moldam a cada instante e o fazem constatar que
a cada transformação que sofre um «eu» se «despedaça» para que outro nasça: “na
que estou sendo a cada instante, / outra imagem se despedaça”. O sujeito
poético evidencia a natureza dialética do tempo, cuja principal lei é a
transformação. A cada instante algo muda com o tempo: os pensamentos, os
sentimentos e as emoções do ser que sofre com a transitoriedade da vida.
O
sujeito poético vive o mistério da vida entre a tristeza e a alegria e esse
mistério pertence-lhe, mas não é percecionado por ninguém de fora, apenas por
ele mesmo, que o percebe na vivência do ser através dos “turvos rostos
sucedidos” que guarda na memória. O nome «tanque» é uma metáfora que sugere o
reservatório das memórias ou o lugar onde as lembranças estão armazenadas. De
acordo com o «eu», essa memória é clara, ou seja, o «eu» consegue lembrar-se
facilmente das suas recordações nos turvos rostos que se sucederam e já não
possui mais.
Na
quarta estrofe, o sujeito poético exprime, de forma melancólica, que “ninguém
distingue a leve sombra / que o autêntico desenho mata”, ou seja, ninguém
consegue compreender as mudanças sentimentais que ocorrem em si, mesmo que
estejam estampadas na figura do ser, pois, para todos, apesar da transitoriedade
do amanhecer e do anoitecer, ela continua “a mesma, continuada e exata”, ou
seja, não mudou.
A
última estrofe, uma quintilha, contém uma reflexão sobre a passagem e a duração
do tempo. O sujeito poético reconhece as mudanças por si sofridas e as que
estão por acontecer. Além disso, chora pelas mutações por que passou e chorará
pelas que ainda sofrerá no futuro: “chorai, olhos de mil figuras [hipérbole] /
pelas mil figuras passadas [hipérbole] / e pelas mil que vão chegando”
[hipérbole].
Na
penúltima e na última estrofe, o sujeito poético reflete e alude à noite e ao
dia, enfatizando a passagem descrita no início do poema (“amanhecer e anoitecer”),
portanto é nessa passagem do tempo entre noite e dia que os rostos se
sucederam, onde mil figuras passaram e onde outras mil estão por vir. Essas
mudanças, embora “não consentidas”, são “recebidas e esperadas”, como alguém
que não admite a velhice e a morte, mas espera por elas, mesmo que não sejam
certas e exatas, cabendo-lhe apenas a tarefa de as aguardar e aceitar.
Cada
momento da vida do «eu» leva-o a vivenciar diferentes acontecimentos e
sentimentos, como o amor, a tristeza e a felicidade. No entanto, se a vida é
tão breve e passageira, esses sentimentos são tao fugazes como os instantes que
se passam? Ou eternizam-se nas suas ações a ponto de permanecerem no seu “tanque
da memória”?
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