sexta-feira, 3 de setembro de 2021
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Análise de "Serenata sintética", de Cassiano Ricardo
Análise de "Poética", de Cassiano Ricardo
Uma ilha cercada de palavras por todos os lados.
Um homem que trabalha o poema com o suor de se rosto.
Um homem que tem fome como qualquer outro homem.
O tema do poema é o universo
poético, mais concretamente a poesia e o poeta, como indicia o título do texto.
De facto, este indica o assunto da composição, funcionando como uma espécie de
verbete do qual o poema (as estrofes) representa as definições.
Ambas as estrofes possuem uma
estrutura semelhante: pergunta seguida de resposta. A primeira procura esclarecer
o que é a poesia: “uma ilha cercada de palavras por todos os lados”. Uma ilha é
uma porção de terra cercada por todos os lados de água. Na realidade, esta
definição é incorreta, visto que essa extensão de terra é uma porção emersa de
uma montanha submersa. Se fosse mesmo cercada por todos os lados, teria água
acima e abaixo da extensão de terra, o que não é verdade. Seja como for, a
definição apresentada de poesia enfatiza a importância da palavra: qualquer uma
pode ser dotada de poeticidade.
A segunda interrogação destina-se a
saber o que é um poeta. Este é definido como um homem comum, que trabalha e tem
necessidades (fome) como qualquer outro homem. Por outro lado, o poeta é um ser
que vive do seu suor, do seu trabalho esforçado, e que precisa de se alimentar
como qualquer outra pessoa. Ora, estas aproximações roubam um pouco o
romantismo associado ao ofício de poeta, que necessita, como qualquer outro
indivíduo, de possuir rendimentos para (sobre)viver.
quarta-feira, 25 de agosto de 2021
Túmulo de Camões
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
Resumo do Canto XVIII da Ilíada
Aquiles pressente a morte de Pátroclo mesmo antes da chegada do mensageiro de Menelau. Ao tomar conhecimento de que os seus receios eram verdadeiros, Aquiles fica desesperado: chora, puxa os cabelos, bate com os punhos no chão, cobre o rosto de terra e grita, enraivecido, de tal maneira que Tétis o escuta e vem com as suas irmãs ninfas aquáticas do oceano ver o que tanto perturba o filho. Aquiles relata-lhe a desgraça que o atingiu e afirmará que se irá vingar de Heitor, não obstante o facto de ter consciência de que, ao fazê-lo, ao optar pela vida de guerreiro, estará a sentenciar a sua morte. Tétis lamenta que o filho tenha de morrer logo depois de Heitor e diz-lhe que não combata até ela voltar. A deusa do oceano pedirá a Hefesto que lhe faça uma nova armadura, já que a sua é usada agora pelo comandante dos Troianos.
Enquanto isso, as tropas de Troia
continuam a querer apossar-se do corpo de Pátroclo, mas Íris, a mando de Hera,
diz a Aquiles que ele deve aparecer no campo de batalha, visto que só a sua
presença atemorizará os inimigos e fá-los-á desistir do corpo de Pátroclo.
Então, Aquiles sai da sua tenda e solta um grito tão forte que, de facto, causa
a fuga dos Troianos. O corpo de Pátroclo é trazido para o acampamento aqueu e
os eus companheiros choram-no, enquanto Aquiles jura que o seu amigo não será
sepultado até que Heitor caia às suas mãos, embora ordene que as suas feridas
sejam limpas para o preparar para o enterro.
No acampamento troiano, Podidama,
temendo as consequências do retorno de Aquiles, aconselha que as tropas
regressam à cidade nessa noite, em vez de permanecerem acampados na planície.
Todavia, Heitor considera esse gesto num ato cobarde, responde, orgulhosamente,
que nunca fugirá de Aquiles e insiste em repetir o ataque do dia anterior. O
seu plano é acolhido favoravelmente pelos seus companheiros, destituídos do seu
juízo por Atenas.
Enquanto isso, Tétis dirige-se à morada
de Hefesto e pede-lhe que faça uma nova armadura para Aquiles. Grato por ela o
ter auxiliado no passado, o deus do fogo forja uma armadura, um capacete,
grevas e um escudo extraordinários com imagens de constelações, pastagens,
crianças dançando, cidades humanas em relevo, paz e guerra, vida e morte.
sexta-feira, 6 de agosto de 2021
Análise do Canto XVII da Ilíada
O Canto XVI é dominado pela ação de duas personagens inimigas: Heitor e Pátroclo. Num plano secundário, situa-se Aquiles, cujo orgulho ferido o continua a impedir de regressar à batalha e a agir de forma nada humana e patriótica, pois não revela, mais uma vez, qualquer preocupação com o destino dos seus compatriotas e, em última análise, da sua pátria. Já a atitude de Pátroclo é absolutamente diversa: ele chora ao constatar a situação dramática e acusa Aquiles de ser frio e insensível, acusando-o de não ser filho de deuses e humanos, mas do oceano e das rochas, forças que não possuem sentimentos. Neste contexto, Homero cria um momento de ironia trágica relativo ao destino de Pátroclo: Aquiles reza pelo seu sucesso na batalha contra os Troianos e pelo seu regresso são e salvo, mas o poeta lembra ao leitor/ouvinte que o segundo termo da oração não se concretizará. Este passo recorda, de alguma forma, o poema “O menino de sua mãe”, da autoria de Fernando Pessoa, mas especificamente o momento em que a mãe e a criada rezam, lá longe, em casa, pela saúde e bem-estar do jovem, quando, na realidade, já está morto.
Relativamente à figura de Heitor, o
seu tratamento nesta fase da Ilíada parece diferente dos cantos
iniciais. De facto, até aqui ele era o guerreiro mais valente e corajoso do
exército troiano, o líder incontestado, heroico e exemplar, que chega a
censurar fortemente o próprio irmão por se recusar a combater. Porém, chegados
a este ponto, somos confrontados com um Heitor que foge da batalha após a
entrada em combate de Pátroclo abandonando as tropas que comanda, certamente
convencido de que se tratava de Aquiles. O seu companheiro Glauco envergonha-o
aquando da primeira fuga, tarefa que cabe ao próprio tio quando a segunda tem
lugar, embora neste caso saibamos que foi Zeus quem o tornou cobarde
momentaneamente.
O desejo de proteger o corpo de
Sarpédon fá-lo retornar à batalha e enfrentar Pátroclo, mas, até pelo que foi
dito, o percurso dos dois é marcado por um contraste óbvio: à medida que
Pátroclo se glorifica, Heitor vê a sua glória pessoal de crescer. Além dos dois
recuos durante a batalha já descritos, a morte do inimigo às suas mãos nada tem
de heroico ou honroso, visto que Apolo retirou previamente a armadura e as
armas do guerreiro grego, permitindo que um jovem soldado troiano o apunhalasse
pelas costas e só então Heitor entra em cena para dar o golpe final. Em suma,
os deuses fizeram a parte essencial do trabalho de conduzir à morte de
Pátroclo, não Heitor. Neste contexto, o amigo de Aquiles morre em glória, pois,
antes de ser liquidado da forma que conhecemos (foram precisas três figuras
para tal, incluindo um deus, e parte dos ataques foi desferida cobardemente,
pelas costas), elimina vários inimigos e retira-lhes a armadura, algo que, como
já vimos em cantos anteriores, era muito importante na época.
Uma última nota para a relação entre
os deuses e o destino. Tendo em conta os eventos narrados neste canto, é lícito
concluir que o destino não é imutável; pelo contrário, ele pode ser contrariado
e mudado, visto que Zeus, na iminência da morte do seu filho Sarpédon,
considera abrir uma exceção e alterar o destino, poupando a sua vida. No
entanto, nem o próprio pai dos deuses se pode dar a esse luxo sem que existam
consequências. Como Hera o adverte, se Zeus salvar Sarpédon, deixará de ser
respeitado pelos restantes deuses e serão levados a concluir que poderão fazer
o mesmo, o que acarretará problemas imprevisíveis.
Resumo do Canto XVII da Ilíada
Após a sua morte, tem início uma luta feroz em torno do corpo de Pátroclo, com os deuses metendo a colher, como é costume. Um dos que lutam pela armadura é Euforbo, o soldado que atingiu Pátroclo inicialmente pelas costas, mas é morto por Menelau. Heitor, estimulado por Apolo, junta-se à luta, mas acaba por ser afastado por Menelau e Ájax, que veio em seu auxílio, antes que possa remover ou profanar o corpo de Pátroclo. No entanto, não conseguem impedir que o líder dos Troianos se apodere da armadura de Aquiles, que este emprestara ao amigo, que aquele veste de imediato. Glauco censura-o por ter deixado o corpo do inimigo para trás e acrescenta que o poderiam usar como moeda de troca pelo corpo de Sarpédon. Heitor regressa à disputa e promete metade dos despojos da guerra a qualquer soldado que se apossar do cadáver de Pátroclo. Zeus reprova o ato de Heitor relativamente ao corpo do inimigo, contudo, consciente da sua morte iminente, dá-lhe grande poder.
Menelau e Ájax reúnem as suas tropas
e forçam os Troianos a recuar para as muralhas de Troia, incluindo o próprio
Heitor. Eneias, revigorado por Apolo, reorganiza os soldados em fuga e
convence-os a regressar à batalha, mas continuam a não conseguir capturar o
corpo de Pátroclo. O cocheiro de Aquiles, Automedonte, envolve-se na refrega, e
Heitor tenta matá-lo para tentar roubar a carruagem, mas o cocheiro desvia-se
da lança e derruba um soldado troiano no processo. Ele retira ao morto a sua
armadura, crendo que, ao fazer isso, aliviará a dor do espírito de Pátroclo,
não obstante os dois guerreiros caídos em desgraça não serem comparáveis no que
ao seu valor diz respeito.
Atenas, disfarçada de Fénix, dá nova
força a Menelau, enquanto Apolo, igualmente disfarçado, neste caso de troiano,
faz algo semelhante com Heitor. De seguida, Menelau envia Antíloco até Aquiles,
informando-o da morte do amigo e pedindo-lhe ajuda. Zeus continua a interferir
no decurso da guerra em favor de Troia, mas dá tempo aos Gregos para retirarem
o corpo de Pátroclo do campo de batalha.
Análise do Canto XVI da Ilíada
O Canto XVI é dominado pela ação de duas personagens inimigas: Heitor e Pátroclo. Num plano secundário, situa-se Aquiles, cujo orgulho ferido o continua a impedir de regressar à batalha e a agir de forma nada humana e patriótica, pois não revela, mais uma vez, qualquer preocupação com o destino dos seus compatriotas e, em última análise, da sua pátria. Já a atitude de Pátroclo é absolutamente diversa: ele chora ao constatar a situação dramática e acusa Aquiles de ser frio e insensível, acusando-o de não ser filho de deuses e humanos, mas do oceano e das rochas, forças que não possuem sentimentos. Neste contexto, Homero cria um momento de ironia trágica relativo ao destino de Pátroclo: Aquiles reza pelo seu sucesso na batalha contra os Troianos e pelo seu regresso são e salvo, mas o poeta lembra ao leitor/ouvinte que o segundo termo da oração não se concretizará. Este passo recorda, de alguma forma, o poema “O menino de sua mãe”, da autoria de Fernando Pessoa, mas especificamente o momento em que a mãe e a criada rezam, lá longe, em casa, pela saúde e bem-estar do jovem, quando, na realidade, já está morto.
Relativamente à figura de Heitor, o
seu tratamento nesta fase da Ilíada parece diferente dos cantos
iniciais. De facto, até aqui ele era o guerreiro mais valente e corajoso do
exército troiano, o líder incontestado, heroico e exemplar, que chega a
censurar fortemente o próprio irmão por se recusar a combater. Porém, chegados
a este ponto, somos confrontados com um Heitor que foge da batalha após a
entrada em combate de Pátroclo abandonando as tropas que comanda, certamente
convencido de que se tratava de Aquiles. O seu companheiro Glauco envergonha-o
aquando da primeira fuga, tarefa que cabe ao próprio tio quando a segunda tem
lugar, embora neste caso saibamos que foi Zeus quem o tornou cobarde
momentaneamente.
O desejo de proteger o corpo de
Sarpédon fá-lo retornar à batalha e enfrentar Pátroclo, mas, até pelo que foi
dito, o percurso dos dois é marcado por um contraste óbvio: à medida que
Pátroclo se glorifica, Heitor vê a sua glória pessoal de crescer. Além dos dois
recuos durante a batalha já descritos, a morte do inimigo às suas mãos nada tem
de heroico ou honroso, visto que Apolo retirou previamente a armadura e as
armas do guerreiro grego, permitindo que um jovem soldado troiano o apunhalasse
pelas costas e só então Heitor entra em cena para dar o golpe final. Em suma,
os deuses fizeram a parte essencial do trabalho de conduzir à morte de
Pátroclo, não Heitor. Neste contexto, o amigo de Aquiles morre em glória, pois,
antes de ser liquidado da forma que conhecemos (foram precisas três figuras
para tal, incluindo um deus, e parte dos ataques foi desferida cobardemente,
pelas costas), elimina vários inimigos e retira-lhes a armadura, algo que, como
já vimos em cantos anteriores, era muito importante na época.
Uma última nota para a relação entre
os deuses e o destino. Tendo em conta os eventos narrados neste canto, é lícito
concluir que o destino não é imutável; pelo contrário, ele pode ser contrariado
e mudado, visto que Zeus, na iminência da morte do seu filho Sarpédon,
considera abrir uma exceção e alterar o destino, poupando a sua vida. No
entanto, nem o próprio pai dos deuses se pode dar a esse luxo sem que existam
consequências. Como Hera o adverte, se Zeus salvar Sarpédon, deixará de ser
respeitado pelos restantes deuses e serão levados a concluir que poderão fazer
o mesmo, o que acarretará problemas imprevisíveis.
Resumo do Canto XVI da Ilíada
Pátroclo dirige-se à tenda de Aquiles, informa-o sobre o curso dos acontecimentos e censura-o por manter a recusa de combater. Já que não cede, solicita-lhe autorização para usar a armadura do próprio Aquiles e liderar os Mirmidões na batalha. Como nós já sabemos através das profecias de Zeus, Pátroclo está, resumidamente, a implorar a sua própria morte, a assinar a sua sentença de morte.
Aquiles concorda em lhe emprestar a
sua armadura, mas somente na condição de Pátroclo lutar apenas para expulsar os
Troianos dos navios aqueus. Enquanto aquele se arma, as tropas de Heitor
incendeiam um navio. Aquiles cede os seus Mirmidões para acompanhar Pátroclo e
ora a Zeus para que o amigo regresse são e salvo e os navios se conservam
intactos.
A entrada em cena de Pátroclo,
envergando a armadura de Aquiles, e dos Mirmidões altera o curso da batalha, de
tal forma que os soldados de Troia abandonam os navios inimigos e recuam.
Pátroclo massacra todos os troianos que cruzam o seu caminho, e Sarpédon decide
enfrentá-lo. Zeus quer salvar o seu filho de ser morto pelo guerreiro grego,
mas Hera convence-o a não agir, pois os outros deuses desprezá-lo-iam para esse
gesto e seriam tentados a imitá-lo e a salvar a sua descendência humana. Zeus
concorda, mas não contém as lágrimas quando Sarpédon é morto. Heitor e alguns
soldados troianos fazem marcha atrás na tentativa de proteger o seu corpo e a
sua armadura.
Zeus decide matar Pátroclo como
castigo por este ter roubado a vida do seu filho Sarpédon, mas antes decide
glorificá-lo, deixando-o liquidar vários soldados troianos e dotando de Heitor
de um momento de cobardia, fazendo-o recuar. Os Gregos obtêm a armadura de
Sarpédon, mas Zeus encarrega Apolo de tomar o seu corpo e o conduzir a casa,
para ser sepultado. Desobedecendo às instruções de Aquiles, Pátroclo persegue o
exército inimigo até às portas de Troia. Provavelmente, a cidade teria caído a
seguir se Apolo não o tivesse expulsado dali. De seguida, o deus convence
Heitor a atacar Pátroclo, mas este mata o cocheiro da carruagem do líder dos
Troianos. Soldados de ambos os lados lutam pela posse da armadura do cocheiro.
Apolo aproveita a confusão e atinge Pátroclo pelas costas, atirando a sua
armadura e armas para longe. Um jovem guerreiro troiano fere-o nas costas com
uma lança, e Heitor acaba com ele espetando-lhe outra no estômago. A seguir,
dirige-lhe palavras ofensivas, às quais o moribundo responde predizendo a morte
do próprio Heitor às mãos de Aquiles.
Análise do Canto XIII da Ilíada
Zeus, a única divindade a poder intervir no conflito, tinha controlado a ação nos últimos cantos, no entanto neste afasta o olhar do campo de batalha, o que é aproveitado por Poseidon, que desafia a sua ordem de não interferência. Porém, como receia a reação do pai dos deuses se vier a descobrir a sua intervenção na guerra, não luta diretamente ao lado dos Gregos. Assim, limita-se a aconselhá-los e a manter o moral elevado. Encurralados, os Aqueus reagrupam-se e resistem, pois não têm para onde fugir e precisam de salvaguardar os seus navios a todo o custo, afinal a garantia da sua sobrevivência.
O Canto XIII centra-se muito mais em
questões de estratégia do que na descrição de cenas bélicas. Ambas as partes
conflituantes consideram que as suas linhas de combate necessitam de ser
reforçadas. A posição de Heitor e dos Ájax, ocupando o lugar central do palco,
ilustra os seus papéis centrais na ação. Por seu turno, Páris, que fora
retratado anteriormente de forma negativa – como cobarde e indiferente à sorte
dos seus companheiros –, revela agora uma determinação e um espírito de luta
que reanimam Heitor, que se encontrava desanimado, depois de constatar que
grande parte dos seus capitães estava morta ou ferida.
Resumo do Canto XIII da Ilíada
Zeus, satisfeito com a evolução do conflito, afasta-se do campo de batalha, o que é aproveitado por Poseidon para ajudar os Gregos. Assim visita o Grande Ájax e o Pequeno Ájax, na forma de Calcas, e inspira-os, bem como aos demais aqueus, a resistir ao ataque dos Troianos. Com a confiança restaurada, os Gregos enfrentam os inimigos e os dois Ájax forçam Heitor a recuar. Este dispara a sua lança em direção a Teucro, mas o grego desvia-se e a arma atinge fatalmente Anfímaco, o neto de Poseidon. Cheio de dor e desejando vingar-se, o deus do mar, que não ousa posicionar-se abertamente a favor dos Gregos receando a punição de Zeus, confere um grande poder a Idomeneu, que, em conjunto com o seu feroz ajudante Meriones, liquida ou fere muitos troianos. Tudo isto decorre na zona esquerda da batalha.
Enquanto isso, à direita, Heitor
prossegue o seu ataque, mas os soldados que o acompanham perderam parte da sua
força, depois de terem sofrido às mãos dos dois Ájax. Parte deles recua mesmo
até às suas próprias fortificações, enquanto os restantes estão dispersos pelo
campo de batalha. Polidamas convence o chefe troiano a recuar um pouco e a
reagrupar as tropas. Heitor procura os seus camaradas, mas descobre que estão
mortos ou feridos. Nesse instante, vale-lhe Páris, que o incentiva e lhe
levanta o ânimo. Ájax insulta-o e Heitor responde, prometendo matá-lo; com
muitos gritos à mistura, a batalha reacende-se. Enquanto Ájax discursava, uma
águia surgira à sua direita, o que é entendido como um presságio favorável aos
Gregos.
Análise do Canto XIV da Ilíada
É curiosa a forma como Agamémnon se deixa abater por vezes quando as coisas não correm a seu favor. Nesta ocasião, necessita de ser incentivado e convencido a não desistir da guerra e a voltar para casa, coberto de vergonha. A cada revês, acredita que Zeus está contra si. Crente nisso e que a derrota se afigura como inevitável, prefere uma sobrevivência desonrosa a uma eventual morte gloriosa e chega mesmo a propor a retirada, enquanto os eu exército ainda combate: Ora, esta opção contrasta com a postura de Aquiles, que prefere exatamente o oposto. Quando lhe foi dada a possibilidade de escolher entre uma vida tranquila e longa na sua pátria e casa, junto à sua família, e uma vida gloriosa, mas breve, ele não hesitou e escolheu a segunda hipótese. O discurso de Ulisses cobre Agamémnon de vergonha. A sorte da guerra está longe de estar decidida e o líder dos Gregos necessita de confiar mais nos deuses.
Este retrato de um Agamémnon
vacilante, cobarde, sem honra, permite compreender a razão por que Aquiles e
outros capitães gregos se ressentem da liderança do seu comandante e da
reivindicação da maior parte dos saques que obtêm. Por outro lado, Agamémnon
aparenta sentir pela primeira vez algum remorso por ter ofendido Aquiles,
contudo convém ter presente que tal sucede apenas por causa do modo como as
consequências nefastas dessa ofensa o afetam. Dito de outra forma, Agamémnon
receia que as suas tropas o culpem pela eventual derrota na guerra.
Os Gregos continuam a combater, mas
chefiados agora por um escasso número de líderes, nomeadamente os dois Ájax e
Menelau. Os restantes (Agamémnon, Ulisses e Diomedes) estão todos feridos,
enquanto Nestor está ocupado a tratar de Machaon. Este facto contrasta com o
que se passa entre os Troianos, onde avultam as figuras de Heitor, Páris e
Eneias, nomeadamente as capacidades de liderança do marido de Andrómaca, por
exemplo quando assistimos à forma como divide o seu exército ao longo da linha
grega e o faz recuar e reagrupar quando tal se torna necessário, ou quando
Polidamas e Heitor discutem qual é a secção do exército que necessita de ser
reforçada. Isto traduz o facto de, nos últimos dois cantos, a narrativa se
preocupar mais com as questões de tática militar do que com os confrontos
físicos da batalha. Outro exemplo que comprova esta ideia está presente na cena
em que Poseidon exorta os Gregos a redistribuir as armas pelos soldados de
forma mais eficiente entre os mais fortes e os mais fracos.
No que diz respeito aos deuses, mais
uma vez oferecem um contraponto humorístico à brutalidade da guerra. É o que
sucede com o episódio de Hera e Zeus, que evidencia como as questões de vida ou
morte dos humanos são frequentemente determinadas por picuinhices e
mesquinhices entre as divindades do Olimpo. Neste caso, a mudança dos
acontecimentos tem como causa a líbido de Zeus e a ingenuidade/credulidade de
Afrodite, bem como da astúcia e manha de Hera. Esta aproveita-se comicamente da
boa vontade da deusa do amor para manipular o seu esposo, explorando o seu
ponto fraco. Consecutivamente, os deuses mostram a sua falta de racionalidade e
equilíbrio.
Voltando a Heitor, neste canto
ocorre o segundo round do seu confronto com Ájax, do qual volta a sair
por baixo, o que ilustra o poder e a força relativos dos exércitos e heróis
conflituantes. Heitor é o guerreiro troiano mais forte, mas não consegue
sucessivamente derrotar o segundo lutador grego mais forte. Esta questão ganha
especial relevância, pois, caso Heitor seja derrotado, não haverá outro troiano
de valor aproximado que o possa substituir e liderar as tropas. Em sentido
oposto, as hostes aqueias possuem vários outros guerreiros fortes e corajosos.
Sucede que, mesmo com a ajuda de Zeus, o avanço de Troia em direção aos navios
inimigos é lento e marcado por vários contratempos.
Note-se, por último, que o poeta
procura retratar as duas fações em confronto de forma equidistante e simpática,
mostrando como ambos os exércitos lutam com honra, determinação e coragem,
porém vai-se percebendo que o lado troiano não possui a mesma forma de combate.
Resumo do Canto XIV da Ilíada
Nestor coloca Machaon na sua tenda e reúne-se aos outros comandantes gregos, feridos perto dos navios. Juntos, observam o campo de batalha e tomam consciência da dimensão das suas perdas. Perante este quadro, Agamémnon receia ser derrotado e propõe desistir da luta e regressar a casa. Ulisses rejeita de imediato a ideia, considerando-a um gesto de cobardia, desonroso e vergonhoso. Em alternativa, Diomedes sustenta que todos os comandantes se devem dirigir para a frente de batalha, não para lutar, dado que vários se encontravam feridos, mas para inspirar os seus soldados. Ao partirem, Podeidon, disfarçado, encoraja Agamémnon e diz-lhe que os Troianos se iriam retirar dos navios nalgum momento.
No Olimpo, Hera decide distrair
Zeus, para poder ajudar os Aqueus. Assim, visita Afrodite e engana-a, para que
lhe dê uma faixa de peito encantada em que os poderes do Amor e da Saudade são
tecidos, capaz de enlouquecer por amor o homem mais sensato do mundo. De
seguida, suborna o Sono (promete-lhe uma das suas filhas em casamento), para
que faça Zeus dormir. O Sono segue-a até ao Monte Ida e, disfarçado de ave,
esconde-se numa árvore. Zeus vê Hera; a banda encantada cumpre a sua função,
fazendo com que o desejo o domine. Ele faz amor com Hera e, depois, como
planeado, o Sono usa o seu poder em Zeus, que adormece. A seguir, a deusa avisa
Poseidon, informando-o de que está livre para auxiliar os Gregos.
O deus do mar reagrupa-os e a
batalha recomeça. Heitor e Ájax logo se veem frente a frente e lutam. O troiano
atinge o grego com um poderoso arremesso de lança, mas esta não penetra a sua
armadura. Ájax fere então o inimigo com uma pedra e este começa a expelir
sangue. Os Troianos levam o seu comandante de volta a Troia; na sua ausência,
os Gregos derrotam os seus inimigos, que morrem em grande número. No final do
canto, deparamos com o exército troiano em retirada, em direção à cidade.
quarta-feira, 4 de agosto de 2021
Análise de "Composição VIII", de Kandinsky
“Composição VIII” é um quadro de
Kandinsky, pintor modernista russo, nascido a 4 de dezembro de 1866 e falecido
a 13 de dezembro de 1944, datado de 1923. Trata-se de uma pintura a óleo sobre
tela, de 140, 3 x 200, 7 cm, exposto atualmente no Museu Guggenheim de Nova
Iorque.
Este quadro é considerado pelo próprio
pintor como o auge das suas criações pós-Primeira Guerra Mundial. A obra é constituída
por diversas formas geométricas (círculos, semicírculos, triângulos e quadrados),
ângulos retos e agudos e linhas retas em várias direções, posicionadas em
locais estratégicos na tela, formando uma espécie de paisagem: os grandes
triângulos representam montanhas, enquanto o círculo do lado esquerdo superior
simboliza o sol.
Aparentemente caótica, por ser
assimétrica, a pintura estrutura-se a partir da técnica ponto, linha, plano,
isto é, o ponto constitui o «local» onde o objeto toca a tela, que são os
círculos. Quando o ponto se desloca, forma a linha e, sempre que esta se
desloca, forma o plano, que são as cores, que podem ser fluidas ou compactas,
como sucede com as formas geométricas. O conjunto constituído por cores e
linhas, forma três grandes triângulos, situados em planos diferentes.
Relativamente às cores, o fundo do
quadrado é claro e tripartido em tons que definem profundidade e conferem
dinamismo à pintura, provocando também um contraste de tonalidades entre esse
fundo e os elementos que se sobrepõem, todos eles com cores mais escuras. O
pintor usa tonalidades diferentes dentro das formas, dando energia à sua geometria,
como o círculo amarelo com uma auréola azul, em oposição ao círculo azul
contendo uma auréola amarela.
O uso dos círculos, retângulos, semicírculos,
triângulos e outras formas geométricas é consistente com a crença de Kandinsky
nas propriedades místicas das formas geométricas, enquanto as cores são
escolhidas pelo seu impacto emocional.
No canto superior esquerdo, encontramos
um círculo roxo dentro de um círculo preto envolvido por um halo de dupla
camada rosa e laranja. As bordas do halo, aparentadas à coroa em torno de um
sol eclipsado, contrastam fortemente com as linhas nítidas do círculo preto com
o seu núcleo roxo. Um círculo vermelho parcial, emergindo do canto inferior
direito da periferia do círculo preto e cortando o seu halo, é delimitado pelo
seu próprio nimbo amarelo, que se mistura com as coras rosa e laranja da forma
adjacente. Um círculo amarelo delimitado por uma linha preta fina, posicionado
no terço inferior da tela, possui um halo constituído por uma camada interna
azul e uma camada externa roxa. Outro círculo, azul com uma borda salmão,
localizado perto da parte inferior da tela, é rodeado por um anel de fogo
amarelo. Os círculos situados à direita da tela, ao contrário, não possuem halos.
O halo é um tema artístico
recorrente ao longo do tempo e em diversas culturas. Por seu turno, a luz,
nalgumas tradições espirituais e filosóficas, representa a consciência
superior, enquanto uma pessoa que se deleita na luz da razão pode ser
considerada iluminada. Cabeças de divindades gregas e romanas, como, por
exemplo, Hélios e Júpiter, eram circunstancialmente mostradas circundadas por
um nimbo de luz, uma representação que terá sido adotada pelos primeiros
cristãos que viviam no mundo greco-romano. Kandinsky, um apreciador do
cristianismo ortodoxo russo, cuja fé influenciava frequentemente os termos das
suas pinturas, deveria estar ciente da importância do halo na iconografia religiosa
russa.
Entre 1921 e 1923, tiveram lugar
seis eclipses lunares, coincidindo dois no ano da criação de “Composição VIII”,
o que poderá ter constituído uma inspiração para a composição do círculo preto
com a sua coroa rosa e laranja. O preto, de acordo com a teoria sónica da cor
de Kandinsky, significava silêncio externo, enquanto o laranja indicava a voz
masculina mais alta e os instrumentos musicais correspondentes na faixa de
contralto. O rosa, enquanto mistura de vermelho e branco, pode ser interpretado
como um amortecimento de sons cacofónicos ou uma suavização de tons mais
ásperos. O amarelo, formando um halo em torno dos círculos azuis e vermelhos, representa
perturbação e raiva, enquanto em termos musicais significa trombetas e fanfarras.
Uma das três grades, formadas por quadriláteros e dispostas numa forma que lembra um prédio alto, aparece no lado esquerdo da tela e aparece sob um triângulo preto forrado e parcialmente formado por azul claro que se funde com o fundo creme. Os círculos terão sido usados pelo pintor para representar o simbolismo planetário, o que se tornou comum durante o período abstrato da sua carreira.