O tema deste episódio é, portanto, a partida dos
marinheiros da praia do Restelo e a despedida dos seus familiares e amigos.
terça-feira, 5 de março de 2024
Análise do episódio das Despedidas em Belém
domingo, 25 de fevereiro de 2024
Análise das 10.ª, 11.ª e 12.ª partes da crónica 2 de Assassinos da Lua das Flores
A investigação de White opera-se a dois níveis: o da simplificação e o da eliminação. As múltiplas teorias que circulam sobre quem teria cometido os crimes – pessoas de fora ou da região, familiares ou estranhos – criam um caos que dificulta todo o processo. Deste modo, White procura destrinçar o que é importante do que é falso ou irrelevante, concentrando-se nas evidências que existem e procurando outras que possam existir, de modo a, por exemplo, eliminar suspeitos. Neste contexto, a metodologia seguida passa por verificar os alibis apresentados por vários desses suspeitos e por verificar os depoimentos das testemunhas. Nem todo o trabalho de investigação se reveste de glamour.
Curiosamente ou não, a investigação parece encaminhar-se no sentido de encontrar a explicação para o assassinato de Anna Brown, apontando para o envolvimento de Burkhart. Neste contexto, surge um problema adicional e não fácil de superar: o envolvimento de J. Edgar Hoover, cuja impaciência e pressa de obter resultados interfere e complica a investigação, ao introduzir prioridades conflituantes e exponenciando o caos já existente, porém o caminho delineado por White lentamente produz resultados. Ironicamente, porém, tal só é possível através do contacto expansivo e aparentemente desfocado com potenciais testemunhas, um traça característico de muitos romances policiais, que oscilam entre a luz e as sombras quando procuram recriar a sensação de tempo que a violência estilhaça. Na realidade, uma característica comum a quase todas as histórias policiais é que elas começam após o final da ação, pelo que a função de quem investiga se centra na narração dessa ação já concluída. Deste modo, David Graan socorre-se das convenções deste género literário para tornar os eventos narrados mais vivos para o leitor.
Por outro lado, as sensações de perigo e incerteza sobre diversas questões surge reforçada nestas seções da obra através da relevação de que White está convencido de que alguém está a passar informações de dentro da investigação para o exterior, nomeadamente para quem está envolvido nos crimes. Assim sendo, o autor aproxima o processo da investigação de White do âmbito da espionagem, mais do que de uma investigação criminal pura e dura, pois ele sente-se comos e estivesse a navegar através de um deserto. A referência a esta natureza desértica e selvagem prende-se, por um lado, com o facto de o condado de Osage ser, frequentemente, associado à noção da fronteira, porém, por outro, afasta-se na ideia de que se trata de uma referência ao ambiente natural daquela área dos EUA, pois constitui uma espécie de metáfora do terreno incerto e perigoso criado pelos criminosos, ansiosos por atrapalhar as investigações e evitar, assim, a descoberta da verdade. Neste passo, Graan coloca o leitor perante a perversão da função de um detetive, concretamente quando lhe dá conta que Pike é um detetive privado contratado por William Hale para investigar a morte de Anna que, afinal, tinha como incumbência forjar provas falsas e proteger Bryan Burkhart. Além disso, expõe a White o seu principal antagonista: William Hale.
Resumo da 12.ª parte - 2.ª crónica: Um deserto de espelhos
O agente White começa a suspeitar que há um infiltrado dentro da investigação e as suspeitas recaem sobre Kelsie Morrison. Um intermediário de Pike, outro detetive particular, aborda a equipa de White e anuncia que aquele conhece a identidade do terceiro homem que acompanharia Anna e Bryan no veículo onde viajavam em Ralston. Pike é convocado e informa que esse terceiro homem era um jogador local, mas a informação revela-se falsa. Depois desta coberta, os agentes pressionam-no até ele admitir que foi contratado para esconder as ações de Bryan na noite do assassinato de Anna e não para investigar e resolver o caso. Além disso, declara que Ernest esteve presente nas reuniões que manteve com Hale e Bryan e que aquele escondeu todas estas informações de Mollie.
Resumo da 11.ª parte - 2.ª crónica: O terceiro homem
J. Edgar Hoover mostra-se crescentemente ansioso e impaciente pela resolução do caso e convence-se de que Necia Kenny é uma peça-chave da investigação, o que o leva a interrogá-la duas vezes em Washington, DC, apesar de ela ser mentalmente instável. Durante essas entrevistas, ela afirma que Comstock está envolvido nos crimes, algo que o agente White se mostra incapaz de comprovar.
No final de julho de 1925, o líder da investigação concentra a sua investigação na figura de Bryan Burkhart e envia alguns agentes ao Texas no sentido de aquilatarem da veracidade da história em torno do seu paradeiro depois de ter levado Anna a casa. Além disso, White investiga um relato segundo o qual Anna foi vista na cidade de Ralston na noite em que desapareceu, por isso envia também agentes para o local. Lá, encontram um casal de idade que afirma ter visto Anna e Bryan a viajarem, juntos, num veículo automóvel. Os esforços dos agentes, após esta preciosa informação, concentram-se na descoberta do trajeto que o casal seguiu depois de passar por Ralston, mas a tarefa revela-se de extrema dificuldade. Para apimentar a situação, várias testemunhas afirmam que, com eles, viajava um segundo homem. Mais tarde, os agentes descobrem que Bryan subornou um vizinho, para que este mantivesse silêncio sobre o facto de ele ter regressado a casa ao amanhecer.
Resumo da 10.ª parte - 2.ª crónica: Eliminando o impossível
Os agentes secretos instalam-se no condado de Osage. Disfarçados de pecuaristas, dois deles travam conhecimento com Hale, enquanto outro se mascara de vendedor de seguros. Em simultâneo, Wren participa em reuniões tribais e o agente White constata, estupefacto, que faltam algumas evidências do inquérito de Anna e nota que nenhuma bala foi encontrada. O homem dedica-se a corroborar álibis, o que permite ilibar dos crimes várias das pessoas que faziam parte do rol de suspeitos, como, por exemplo, Oda Brown ou Rose Osage, mas conclui igualmente que os conspiradores estão ativamente a destruir e fabricar pistas e evidências. Posteriormente, White e Burger recrutam um contrabandista de nome Kelsie Morrison como eu informante, convictos de que o homem poderá constituir uma ótima fonte de informação.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
Análise do poema "Que noite serena!", de Álvaro de Campos
A análise do poema pode ser encontrada aqui: análise-de-que-noite-serena.
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Análise do quadro "Heterónimos", de Almada Negreiros
Almada Negreiros (1893-1970). Heterónimos. 1958. Mural Fac. Letras de Lisboa |
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
Mito pelásgico da criação
De acordo com esse mito, no início havia apenas o Caos, uma massa informe e escura. Dele brotou, nua, Eurínome, a deusa de todas as coisas, que se separou do Caos e criou o Oceano. De facto, não vendo substância em seu redor onde formar os pés, apartou o mar do céu, dançando solitária sobre as suas ondas. Ao dançar em direção a sul, gerou o Vento Norte (que se soltava por trás dela a cada passo que dava). Movendo-se, ondulante, em torno dele, estreitou-o nos braços, deixou-o deslizar-lhe por entre as mãos e, subitamente, viu diante de si Ofião, a grande serpente. Eurínome continuou a dançar, com crescente frenesim, para se aquecer, o que levou Ofião, lúbrico de natureza, a enrolar-se naqueles membros divinos e unir-se-lhe, cheio de desejo. Daí em diante, o Vento Norte, também chamado Bóreas, fecunda e, porque assim é, as éguas oferecem as suas garupas ao vento e geram potros sem a necessidade de um garanhão. O mesmo sucedeu para que Eurínome ficasse pejada.
Abra-se aqui um parêntesis para observar o seguinte. Este mito enquadra-se ou reflete um sistema religioso arcaico, no qual não existem deuses nem sacerdotes, surgindo-nos apenas uma deusa universal e as respetivas sacerdotisas. Quem domina são as mulheres, cabendo ao homem apenas o papel de sua vítima amedrontada; os conceitos de pai e de paternidade são praticamente inexistentes, ou pelo menos não eram objeto de veneração, já que se atribuía a conceção ao vento, à ingestão de feijões, ou mesmo a um inseto, engolido por incauto. Na esteira destes princípios, as heranças e a sucessão eram transmitidas pelo lado materno. Por seu turno, as serpentes eram encaradas como incarnação dos mortos. Neste contexto, Eurínome, “a grande nómada”, seria o título atribuído à deusa enquanto lua visível, e que entre os Sumérios tinha o nome de Iahu, a “pomba exaltada”, honra que mais tarde passaria para Jeová, enquanto Criador. E é efetivamente sob a forma de pomba que Marduk a divide simbolicamente em duas, no Festival da Primavera babilónio, quando inaugurava a nova ordem do mundo.
Findo o parêntesis, retornemos ao mito. Eurínome transformou-se numa pomba e pousou sofre Ofião, que se enrolou no seu corpo e a fecundou, indo ela incubar sobre a superfície das águas e, cumprido o tempo, pôs o Ovo Universal. Por ordem dela, Ofião enrolou-se sete vezes em torno desse ovo, que se rompeu e dividiu em dois. Dele nasceram, de forma desordenada, todas as coisas: o sul, a lua, as estrelas, os planetas, a terra, as plantas, os animais e os seres humanos.
Posteriormente, Eurínome e Ofião foram morar para o Monte Olimpo e reinaram sobre a criação, porém ele tornou-se arrogante e quis igualar-se-lhe, ao dizer-se o autor do Universo. Ela castigou-o, calcando-lhe a cabeça com o pé e banindo-o do Olimpo para as profundezas do Oceano.
Ofião, ou Bóreas, é o demiurgo-serpente das mitologias hebraica e egípcia, o que se reflete no facto de a imagem da deusa acompanhada por ele se encontrar na arte mediterrânica primitiva. Os pelasgos – os nascidos-da-terra –, que reivindicavam ter vindo dos dentes de Ofião, pode ser o povo, na sua origem, autor das pinturas do período neolítico, que atingiu a Grécia continental a partir da Palestina por volta do ano 3500 a.C., e que os primitivos Heládicos – imigrantes vindos da Ásia Menor através das Cíclades – foram encontrar ocupando o Peloponeso setecentos anos mais tarde. Por outro lado, o termo «pelasgos» acabou por se aplicar a todos os habitantes pré-helénicos da Grécia. É por isso que Eurípides afirma que os pelasgos adotaram o nome de «Dânaos» depois de Dânao ter chegado a Argos acompanhado pelas suas cinquenta filhas. Estrabão, por seu turno, afirma que os habitantes em redor de Atenas eram conhecidos pelo nome de Pelargi («cegonhas»), provavelmente devido ao facto de estas serem as suas aves totémicas.
Depois se expulsar Ofião do Olimpo, Eurínome passou a governar sozinha o universo, auxiliada pelas suas ninfas, as Cárites. A seguir, criou as sete potências planetárias, pondo à cabeça de cada uma delas um Titã ou uma Titânide: Teia e Hiperião reinavam sobre o Sol; Febe e Atlas sobre a Lua; Dione e Crio sobre o planeta Marte; Métis e Ceos sobre Mercúrio; Témis e Eurimedonte sobre o planeta Júpiter; Tétis e Oceano sobre Vénus; Reia e Cronos sobre Saturno.
É possível que os Titãs («senhores») e as Titânides, que tinham as suas réplicas na astrologia primitiva da Babilónia e da Palestina, onde vamos encontrar também divindades a governar os sete dias da semana sagrada planetária, tenham sido introduzidos pelos Cananeus ou pelos Hititas, que se haviam estabelecido no Istmo de Corinto nos inícios do segundo milénio a.C., ou mesmo pelos Heládicos primitivos. No entanto, quando o culto titânico é abolido na Grécia e que a semana de sete dias deixou de figurar no calendário oficial, alguns autores passam a referir-se a doze, talvez para corresponderem aos signos do Zodíaco. Quanto aos seus nomes, há versões contraditórias. Na mitologia babilónica os governantes dos planetas da semana, nomeadamente, Samas, Sin, Nergal, Bel, Beltis e Ninibe, eram todos varões, à exceção de Beltis, a deusa do amor. Por outro lado, na semana germânica, que os Celtas terão ido buscar ao Mediterrâneo Oriental, o domingo, a terça e a sexta eram governados por Titânides, contrapondo-se aos restantes dias, sob o domínio dos Titãs. Quando o sistema chegou à Grécia, foi decidido acasalar cada uma umas Titânides com um Titã, para salvaguardar os interesses de Níobe. Passado pouco tempo, dos catorze passou-se para sete potências planetárias: o Sol, para a iluminação; a Lua, para a magia; Marte, para o crescimento; Mercúrio, para a sabedoria; Júpiter, para a lei; Vénus, para o amor; e Saturno, para a paz. Na Grécia Clássica, os astrólogos seguiram o mesmo princípio dos babilónios, pelo que atribuíram os planetas a Hélio, Selene, Ares, Hermes (ou Apolo), Zeus, Afrodite, Cronos, cujos equivalentes latinos atrás referidos estão na base da nomenclatura dos dias da semana no francês, italiano e castelhano.
Zeus devorou os Titãs e, com estes, ele próprio, na sua forma original.
sábado, 10 de fevereiro de 2024
Análise da cena 1 do ato II de Hamlet
O segundo diálogo – entre Polónio e Ofélia – também assenta nesta oposição entre a verdade e o engano, a aparência e a realidade. A relação entre Hamlet e Ofélia é caracterizada por mal-entendidos e suposições sem fundamento. Apesar de a rapariga ter prometido – e cumprido – que se afastaria do príncipe, tal não significa que ela pensasse que seria maltratada por ele. Apenas o faz, porque é uma irmã e uma filha obediente e dócil. Porém, após a mais recente atitude de Hamlet, a jovem fica mais convencida do que nunca que Hamlet sente alfo profundo por si, pois comporta-se como se estivesse terrivelmente apaixonado por ela. Na realidade, todavia, essa postura inscreve-se no plano de Hamlet para vingar a morte do pai, pois ele disse a Marcelo e a Horácio, após o diálogo com o fantasma, que poderia agir de forma estranha nos dias seguintes. Sucede, contudo, que Ofélia não sabe isso, pelo que se estará a iludir com algo que não corresponde à realidade: o príncipe está a comportar-se como um louco. Além disso, será que o casamento da sua mãe com o tio não alterou negativamente a sua opinião sobre as mulheres? Seja como for, por mais estranho que possa parecer. Há uma semelhança entre as duas personagens: Hamlet, de forma astuta, finge ser louco; Ofélia, por sua vez, ainda que forçada, finge desinteresse por ele.
À semelhança do que sucede noutros momentos da peça, esta cena, articulada com as anteriores, mostra com toda a clareza que a sociedade em que as personagens se movimentam é uma sociedade patriarcal: Ofélia “tem de” obedecer ao pai e ao irmão, que possuem autoridade sobre ela. Apesar disso, tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, os conselhos que lhe dão parecem sensatos. De facto, sendo verdade que Hamlet está a usá-la para um fim que só ele conhece e sendo possível que sinta genuinamente afeto por ela, tudo parece indicar que a rapariga se tornou um peão no seu plano para se vingar de Cláudio.
Resumo da cena 1 do ato II de Hamlet
Análise da cena 5 do ato I de Hamlet
O pedido de vingança que o fantasma dirige ao jovem príncipe – justiça retributiva – levanta questões relevantes. De facto, tal pedido seria considerado, hoje em dia, um crime e um ato condenável a todos os títulos. Tal não era o caso na época em que a ação decorre, visto que o gesto de matar o assassino do próprio pai seria não só aceite, como até esperado, e estaria intimamente ligado às ideias de família, honra e dever. Deste modo, é evidente que o jovem Hamlet sentirá, a partir desta cena e do encontro com o espectro, a pressão de concretizar o seu pedido. Não o fazer mancharia a sua reputação e deixaria o nome da família por vingar.
Juntamente com essa pressão, ou fazendo parte integrante dela, estão outras questões, como, por exemplo, quando e como executar a vingança. De facto, assassinar um rei não é uma tarefa simples e fácil de executar. Além disso, a revelação do fantasma vem confirmar as suspeitas do jovem príncipe, que sempre desconfiou da postura do tio. Teria ele pressentido desde sempre o seu caráter e a sua participação no crime? Seja como for, agora que ouviu da boca do fantasma do próprio pai a verdade, não lhe restará outra alternativa se não executar a vingança.
Por último, as novas informações permitem estabelecer um paralelo entre Hamlet e Fortinbras, dado que ambos viram os seus pais morrer recentemente e, embora em circunstâncias diferentes, ambos se sentem pressionados a vingá-los.
Como fica a rainha Gertrudes no meio deste imbróglio? Determinadas referências, ao longo da cena, ao incesto permitem concluir que, na ótica do fantasma do seu ex-marido, a monarca se está a comportar de forma imoral, desde logo pelo facto de ser casado com o irmão do próprio marido, portanto seu cunhado até ficar viúva. Além disso, há a considerar a questão de Gertrudes não ter esperado muito tempo desde a morte do primeiro esposo para voltar a casar. Podemos interrogar-nos: porquê? Desconfiaria ela do até então cunhado e recearia ser a próxima vítima se se opusesse aos seus intentos? Ou tratar-se-ia apenas do caso de uma mulher que vive no seio de uma sociedade governada por homens, que, portanto, não possui uma voz livre e independente e que é pressionada (ou, pelo menos, se espera tal) a casar novamente? Tendo tudo isto em conta, a fúria do fantasma dirigida a ela (que o leva a dizer ao filho que não estenda a vingança à mãe, para que seja ele próprio a exercê-la no Céu) ou é justificada porque o espírito sabe algo que mais ninguém conhece, ou não tem em consideração as pressões que uma mulher na sua situação e posição social sofreria e às quais seria difícil resistir.
Por último, a finalizar a cena, Hamlet diz a Marcelo e Horácio que não estranhem o seu comportamento nos próximos dias, o que se justifica pela conversa que manteve com o fantasma e tudo o que dela resultou ou resultará. Quem agiria da mesma forma que dantes depois de ter recebido tais notícia?
Resumo da cena 5 do ato I de Hamlet
Análise da cena 4 do ato I de Hamlet
A cena muda drasticamente com o aparecimento do fantasma, que também é associado a uma imagem de decadência da nação, nomeadamente quando Marcelo faz a sua famosa afirmação, segundo a qual algo está podre no reino da Dinamarca. Por outro lado, a aparição do espectro permite estabelecer um contraste entre o relacionamento de Hamlet com o seu pai e com o seu tio, de quem está distante e tem uma visão muito negativa.
Além disso, o episódio permite destacar a tristeza do jovem príncipe e o pouco valor que atribui à sua vida. Convém também ter presente que, como Hamlet não sabe o que existe para além da morte, não consegue ter a certeza se o fantasma é realmente o espírito do seu pai ou se é um demónio vindo do Inferno para o destruir. Essa incerteza condu-lo a tecer considerações dolorosas sobre a moral, já abordadas igualmente na cena inicial, quando se alude ao seu desejo de se matar.
Por sua vez, o tema da loucura também está presente e é suscitado por Horácio quando procura demover Hamlet de seguir o fantasma e sugere que isso poderá privá-lo da razão e mergulhá-lo na loucura. Assim sendo, esta temática assume um papel relevante na peça, nomeadamente no que toca ao príncipe.
Resumo da cena 4 do ato I de Hamlet
Análise da cena 3 do ato I de Hamlet
A cena é constituída por diálogos entre os dois irmãos e depois entre o pai e os seus filhos. Se a cena II serviu para anunciar o contraste entre Hamlet e Laertes, esta acentua-o e clarifica-o. De facto, na cena anterior, o leitor fica a conhecer a profunda divisão existente no seio da família de Hamlet, em confronto com a normalidade que se faz sentir na casa de Polónio. Ao longo da peça, por outro lado, ficará bem patente a diferença entre Laertes e Hamlet, pois, enquanto este hesita em levar a cabo a vingança do seu pai, Laertes não hesita e mostra-se determinado em vingar a morte do seu. De um lado, temos um jovem príncipe contemplativo e hesitante e, do outro, um ativo, determinado, obstinado e afetuoso Laertes.
Por outro lado, a cena permite que o leitor fique a conhecer as personagens da família de Polónio. Assim, Laertes, quando questiona a irmã acerca do seu relacionamento com Hamlet e a aconselha, mostra ser o irmão mais velho atento, carinhoso e preocupado com a sua jovem irmã. Além disso, mostra-se confiante e prático, possuidor de um raciocínio direto e uma forma de ser e agir gentil. Sendo mais velho e na qualidade de homem que já esteve para lá dos portões de Elsinore e das fronteiras da Dinamarca, é alguém mais experiente do que a irmã e que tem consciência das questões que a atenção de Hamlet pode causar à reputação de Ofélia.
Por seu turno, esta última deixa clara a sua juventude e inexperiência, mas também sincera e transparente no que diz respeito ao seu amor pelo príncipe. De facto, quando questionada pelo irmão e pelo pai, Ofélia poderia mentir, porém ela revela o que está a acontecer e é sincera no seu amor por ele, acreditando igualmente na sinceridade do afeto do príncipe. Em contrapartida, esta postura revela uma certa ingenuidade e desconhecimento do lado mais sombrio que pode residir nas intenções de um jovem relativamente a uma mulher igualmente jovem.
Já Polónio apresenta-se, no diálogo com o filho, como um pai conselheiro, atento, preocupado e paternalista, tendo a forma como o aconselha acerca do modo de se comportar em França. Este discurso permite também estabelecer um contraste entre o amor paternal de que Laertes desfruta e o sentimento de perda e estranhamento de Hamlet, em virtude sobretudo do falecimento de seu pai. Além disso, se os filhos parecem ser sinceros e diretos, Polónio parece ser um homem algo egocêntrico e com uma visão eminentemente político das coisas e da vida, mesmo em situações que envolvem Laertes e Ofélia.
Por último, a cena releva o contraste entre a realidade e as aparências, a propósito das verdadeiras intenções de Hamlet relativamente a Ofélia. O que quer ele dela? Será sincero ou estará a enganá-la? Neste contexto, a postura e o pensamento de Polónio são muito interessantes. De facto, está mais preocupado com as repercussões que as ações da filha podem ter na reputação dele do que com a sorte dela. Motivações semelhantes parecem estar subjacentes aos conselhos que dá a Laertes: a preocupação essencial centra-se nas aparências exteriores e não no interior de cada personagem.