1. Tempo: 1953,
momento em que Germa e Bernardo dialogam, recuando então a 1870, data do
incêndio, elemento despoletador da memória de Germa.
2. Narrador:
A
Sibila é uma longa retrospetiva da vida de uma família feita por uma
personagem secundária, Germa, quando, sentada na velha rocking chair da
sua tia Quina, já falecida, a evoca com nostalgia, apesar da incompreensão e
dos atritos que, muitas vezes, ensombraram as suas relações. Esta evocação
começa e acaba na sala da casa da Vessada, com um diálogo entre duas
personagens: Germa e seu primo Bernardo Sanches. De facto, mais do que
configurador de uma diegese, o discurso tende a assumir-se como mimese,
aparentando construir-se sob duas formas:
- um diálogo
que inicia e termina a narrativa;
- um amplo
monólogo intercalar de Germa que terá Bernardo como destinatário interno.
De facto, Germa
será narradora de 2.º nível, narradora homodiegética e intradiegética: "E,
bruscamente, Germa começou a falar de Quina." (p-9)
Mas a
personagem narradora é frequentemente substituída por um narrador de 1.º nível,
narrador extradiegético e omnisciente que possui um conhecimento mais vasto que
o de Germa: "Era em setembro, e a casa, temporariamente habitada expulsava
o seu carácter de abandono e de ruína, com aquele calor de vozes e de passos
que amarrotam folhetos amontoados em todos os sobrados." (p.9)
Estamos, pois,
perante uma narrativa da responsabilidade de dois narradores que entre si estabelecem
um compromisso e relações subtis, de tal forma que não chegaremos a saber com
rigor onde começa um e termina o outro. De qualquer forma, Germa é uma
personagem, e o que narra, parte da sua memória; o narrador de 1º nível retoma
a sua voz para intervir, comentar, aprofundar e guiar o narratário. São duas
vozes que se cruzam, se complementam, se chocam e se interrogam. Daqui resulta
um discurso fragmentado, descontínuo, digressivo.
2.1.
A opção do narrador
O estatuto do
narrador condiciona sempre a sua narração. Se a opção for por mostrar os
acontecimentos, os locais em que se dão e as personagens que os realizam,
teremos uma narrativa que privilegia as cenas; o leitor como que vê o que se
passa como num palco ou num filme. Se a opção for por contar, a sua voz, será
omnipotente e omnipresente, esperando que o leitor aceite a boa fé dessa voz,
que diz o que lhe apetece e quando lhe apetece. Só resta ao leitor aceitar ou
recusar, porque não vê.
Ora em A
Sibila, o narrador assemelha-se a um contador de histórias, privilegiando em
absoluto o contar. Daqui resulta o facto de se assistir a uma acumulação de
episódios, digressões sucessivas e a inexistência de uma intriga à maneira
tradicional.
2.2.
Narração com base na memória
O romance abre
com o diálogo entre Germa e o seu primo Bernardo Sanches sobre a casa onde se
encontram e a sua transmissão de geração em geração. Mas depressa Germa já
quase não o escuta porque "(...) subitamente o ambiente ficara repleto
doutra presença viva, intensa, familiar, e que aquela sala, onde pairava um
cheiro de priogana e de maçã, se enchia de uma expressão humana e calorosa,
como quando alguém regressa e pousa o olhar nos antigos lugares onde vivem, e o
seu coração derrama à sua volta uma vigilante evocação." (p. 9)
É esta evocação
que vai dar lugar à narração. Entre o início da evocação e fim do universo
evocado passam-se cem anos. Toda a narrativa é formalmente apresentada como uma
longa analepse na memória de Germa.
2.3.
A tradição oral
A obra
inicia-se com o diálogo entre Germa e Bernardo Sanches e termina com o mesmo
diálogo. Tal situação parece filiar o romance numa tradição de narrativas
orais, o que, aliás, é favorecido pelo narrador de 1º nível cuja opção foi
contar e resumir em vez de mostrar e de construir cenas. A sua voz é
omnipotente e omnipresente, estabelecendo a unidade entre personagens e
episódios díspares.
3. Personagens –
caracterização (p.7)
. Bernardo
Sanches:
-
descendente de uma aristocracia rural
-
primo de Germa
-
burguês intelectual
-
verbosidade oca
-
espírito fechado e narcisista
-
medíocre
. Germa:
-
paciente
-
tímida
-
inspira confiança
4. Início da
grande analepse (p. 9)
. "Joaquina Augusta nascera nessa mesma casa da Vessada,
setenta e seis anos antes" (p. 9) – 1877.
. Nascimento de
Quina: apresentava uma mancha escura no pulso esquerdo, sinal de predestinação.
De constituição débil, teria, desde logo, que lutar pela própria sobrevivência,
de alguma forma, ameaçada por marcas de predestinação. (p. 9, 2.º parágrafo).
. Casamento
apressado e em segredo de Francisco Teixeira e Maria da Encarnação, nova
analepse, dentro da grande analepse, seguida de outra analepse que relata a
forma como se conheceram, tinha ela nove anos.
4.1.
Caracterização das personagens
Bela,
pertencente a uma família de gente trabalhadora e honesta (pp. 9-10), Maria
representa o tipo de mulher forte que conduz o lar pelos seus próprios passos,
de que assume inteira responsabilidade, por esta não poder ser compartilhada
com o homem com quem casara. Apesar deste aspeto, mostra-se submissa, refletida,
altruísta, face ao marido e não vacila perante o desamparo a que ele a vota:
"Gostava
[Francisco Teixeira] das mulheres submissas, mansas (...)"; "Ele
desacompanhava-a muito, deixava-a sozinha na casa (...)" (p. 17).
Francisco
Teixeira, marido de Maria da Encarnação, "o maior conquistador da
comarca", é um homem sedutor, egoísta, pouco trabalhador, irresponsável,
cujas condições de vida lhe permitem levar uma vida de boémia, mas, em breve, levará
a casa à ruína. Este comportamento obrigará Maria e, posteriormente, Quina a
assumirem a chefia da administração da casa a todos os níveis: "Francisco
Teixeira era, de facto, um galã feliz. Possuía ele casa de lavoura e bens ao
luar de sobejo interesse, e que administrava mal, pois era feirante por índole,
amigo de gozos, vida larga, gostando de presumir grandezas, generosidades e
essa bazófia genuína, mais feita de discrição do que de alardes pimpões."
(p. 10).
De facto, o retrato
da sociedade rural que nos aparece em A Sibila deixa a condução da família e da
casa às mulheres, a quem cumpre responsabilidades, quer a nível económico, quer
educacional, quer de trabalho.
Apesar da sua
coragem física e habilidade no manejo do pau, do seu "muito nervo",
Francisco era, psicologicamente, um fraco, vulnerável perante as lágrimas
femininas, daí que mantenha várias relações amorosas depois de casado:
"Estava nessa altura Francisco Teixeira no seu apogeu de sedutor..."
(p. 11, 4.º parágrafo).
O casamento sigiloso
de ambos vai ficar a dever-se ao romance de amor de Francisco com Isidra.
5. Reflexões do
narrador (de 1.º nível)
5.1.
Sociedade
a) Denúncia da
aristocracia campesina detentora de qualidades negativas como o ócio e o baixo
nível cultural: "Um largo espelho de caixilho de esmalte branco com
filetes de oiro refletia aquela reunião, os homens medonhos, com coletes
acolchoados, e que falavam, preguiçosamente, das finanças e de política, as
santas criaturas que cochichavam agravos de parentela e de criados, empinando
pelas ventas dedadas de rapé." (p. 16).
b)
Solidariedade do povo perante a desgraça alheia: "(...) o fogo apenas
poupara os caldeiros de ferro que, esbraseados, tinham rolado sobre os charcos
do quinteiro, fazendo soltar uivos de espanto ao povo que acorria com escudelas
de água e cântaros que pareciam pairar magicamente à cabeça das mulheres."
(p. 18).
5.2.
Cultura popular
a) As tradições
e as festas populares são-nos descritas com naturalidade e têm uma importância
decisiva, para formar um contexto popular que acaba por influenciar o
comportamento das personagens: "Conhecera Francisco Teixeira numa tarde de
romaria que ela presenciava da sacada aberta sobre o largo da povoação em
festa; vestida de tafetá negro, sem joias; a trança dos cabelos um tanto solta
nas espáduas, abanava-se com um grande leque de moiré e azeviche, contemplando
com o olhar indolente a procissão que descia do adro, as torres dos andores
oscilando, com as suas fitas e as suas palmas de papel tremendo e voando entre
as copas poeirentas das acácias." (p. 14).
b) Tal como
Camilo, Agustina foca a rebeldia popular, ilustrando a índole do nosso povo com
instintos e atitudes rebeldes, mesmo quando se trata de fazer sangue em
discórdias de rua: "Subitamente, um redemoinho de desordem ferver,
alastrando logo com um corricar de cachopos que se arrastavam sob as pernas do
poviléu, e o escândalo ainda morno..." (pp. 14-15).
5.3.
Arte
Os artistas são
considerados representantes da inutilidade e da excentricidade: "(...) o
artista, o produto mais gratuito da natureza e que se pode definir como uma
inutilidade imediata. (...) Os artistas, que,
em geral, se fazem notar pela sua excêntrica banalidade e que se
distinguem dos burgueses porque vivem as extravagâncias que os burgueses
reprimem em si próprios, não se pareciam nada com Germa." (p. 8).
5.4.
Religião
Agustina
retrata-nos a figura do abade de aldeia, sem projeção social significativa,
surgindo como uma figura marginalizada por não ter representatividade no espaço
social: "(...) Sob o pálio, o abade, recolhido, mansamente esperava, entre
as opas vermelhas cujas pregas o sol riscaria de violeta e as filas de crentes
ajoelhados sobre os lenços de bolso." (p. 15).
6. Linguagem
6.1.
Os símbolos – herança do Simbolismo
* Incêndio:
símbolo da purificação, imprescindível à continuidade da família em lugar
preservado de influências nocivas. Tal como o ouro, o metal precioso, é
purificado pelo fogo, também a casa foi purificada das manchas e impurezas pelo
incêndio, necessário à continuidade da família:
"Um
incêndio, por alturas de 1870, reduziu a cinzas toda a estrutura
primitiva."
(p. 7)
"Acontecera
pouco tempo depois da chegada de Maria." (p. 18)
* Terra/campo:
símbolo da autenticidade e ingenuidade e da fertilidade, da pureza original do
homem, em contraste com a cidade, símbolo do artificialismo, da
degenerescência: "A família de Bernardo Sanches tinha adquirido um estado
aristocrático, o que quer dizer que estacionara no cumprimento de determinada
herança de hábitos, frases, opiniões que, uma vez desprendida da personalidade
que os fizera originais, restavam agora somente como snobismos e ocas
imitações." (p. 7)
* Maçãs
(símbolo bíblico): símbolo da beleza e do encanto femininos (Eva) e da
sabedoria e fecundidade, coexistindo com as sucessivas gerações da família de
Quina, como se se tratasse de um microcosmos feminino, onde existe consonância
entre a existência de pessoas e objetos: "(...) sobrado, onde se
acumulavam pilhas de maçãs sustidas por tábuas muito esfareladas de
serrim." (p. 8)
* Rocking
chair: símbolo quer dos pólos opostos de Quina - ternura e vaidade – , quer
do fluir do tempo, fazendo lembrar o pêndulo do relógio. Pelo seu movimento
oscilatório, e, consequentemente, ascendente, promove a subida espiritual, ou
melhor, a ascese para onde a personagem principal sabia conduzir-se.
* Mancha cor de
sépia: sinal de predestinação: "Era uma menina de aspeto pouco viável,
roxa, moribunda, e que apresentava no pulso esquerdo uma mancha cor de
sépia(...)". (p. 9)
* Número 7:
tradição cultural de antiguidade bastante remota (semana, lua, vida dos gatos,
etc.), apresenta um significado pleno de valor místico, cuja simbologia é
universal como o próprio homem: "Era a segunda filha que vingava num
matrimónio de sete anos(...)" (p. 9)
; "(...) em toda a parte há
sete cores e sete ventos, e o homem é só um." (p. 37)
A este número,
bem como ao 5, convergem numerosas superstições populares. Representam até
atributos infernais para toda a vida: "Melhor é chamar, pois, Eva às
quintas ou sétimas filhas, e que Adão sejam os infantes todos que venham
perfazer esses fatídicos números." (p. 40)
7. A
fragmentação do tempo
Da existência
de dois narradores e do facto de o narrador de 1º nível retomar a voz de Germa,
narradora de 2.º nível, para intervir, comentar, aprofundar e conduzir a
narrativa à sua maneira, estilhaçando a ordem cronológica com o recurso à
analepse e à prolepse, etc., resulta um discurso fragmentado, descontínuo, digressivo.
7.1.
Analepses e prolepses
- Grande analepse: nascimento
de Quina (p. 9, 3 períodos).
- Analepse dentro dessa
analepse: primeiro encontro entre os pais de Quina (pp. 9-11).
- Prolepse dentro da segunda
analepse: 11 anos depois, dá-se o casamento quase inexplicavelmente secreto dos
pais de Quina, que continuam a viver separados (pp. 11-12).
- Episódio seguinte, dentro da
segunda analepse: Maria foge para casa do marido (pp. 12-13).
- Outro episódio dentro da mesma
analepse: o pai de Quina liga-se a uma amante, Isidra (p. 13).
- Analepse do episódio
anterior: história da mãe e da infância de Isidra (pp. 13-14).
- Analepse do mesmo episódio,
mas posterior à anterior analepse: descrição das circunstâncias em que Isidra conheceu
o pai de Quina (pp. 15-17).
- Regresso à vida conjugal
entre os pais de Quina (pp. )
- Nova analepse: o incêndio na
casa dos pais de Quina (pp. 18-19).
- Grande prolepse: a mãe de
Quina enviuvou há 40 anos, está velha, tonta e confunde um seu filho com o
falecido marido.
7.2. Elipses: "Onze anos depois, casavam." (p. 11)
7.3.
Sumários: "(...) As mulheres perseguiam-no, vigiavam-no, confiando no
ciúme umas das outras para o privar duma preferência fatal que lhes arrebatasse
as esperanças para sempre. Os seus amores com Maria passaram despercebidos,
tanto ele temia o escândalo das rivais, mais pelas suas lágrimas que pelas suas
ameaças." (p. 11).
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