Português

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Análise de "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade


            O poema “No meio do caminho”, composto por uma quadra e uma sextilha, num total de 10 versos, alternando versos rimados (ABAA) com brancos (o sexto, por exemplo), foi publicado pela primeira vez no número 3 da “Revista de Antropofagia”, em julho de 1928. Posteriormente, integrou o livro Alguma Poesia, datado de 1930.
            Começando pelo título, este remete para um espaço (“No meio do caminho”), antecipando o imprevisto: a pedra.
            O texto é caracterizado pela redundância e pela repetição. De facto, se as eliminássemos, a composição seria a seguinte: “No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”. As pedras simbolizam os obstáculos ou problemas com que as pessoas se confrontam durante a sua vida, descrita, metaforicamente, como um “caminho”. Por outro lado, as pedras, enquanto obstáculos, podem impedir o indivíduo de prosseguir o seu percurso, isto é, os problemas podem impedi-lo de avançar na vida.
            Os versos 5 e 6 transmitem uma sensação de cansaço por parte do sujeito poético e do acontecimento que ficará sempre na sua memória. Assim, as pedras também podem indicar um acontecimento relevante e marcante para a vida de uma pessoa.
            Há autores que fazem uma interpretação biográfica do poema, associando-a a um drama familiar do poeta. De facto, em 1927, Drummond de Andrade foi pai de um menino que sobreviveu apenas meia hora. Entre janeiro e fevereiro desse ano, foi-lhe encomendada a escrita de um poema para o número 1 da “Revista de Antropofagia”. Imerso na sua tragédia pessoal, o escritor enviou este poema.
            O crítico Gilberto Mendonça Teles sublinha o facto de a palavra “pedra” conter as mesmas letras do vocábulo “perda”, um fenómeno de hipértese. Mera coincidência ou recurso intencional?


segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Ser ou não ser

     «Maria [de Noronha] não sabe o que quer, ela acha que só é o que a família quer que ela não seja.»

     Brilhante!

quarta-feira, 31 de julho de 2019

"Fim", de Mário de Sá Carneiro

            Este poema, constituído por duas quadras de rima interpolada e emparelhada (abba / cddc), data de 1916 e foi escrito na capital francesa.

            O texto gira em torno de um tema que se pode sintetizar do seguinte modo: encontrar sentido apenas na morte e através dela. O sujeito poético confere à sua morte e ao seu funeral o tom grotesco que lhe rira a dignidade, como para mais achincalhar-se.

            Começando a análise pelo título, nota-se nele uma espécie de humor satânico que se estende a toda a composição. O sujeito poético expressa o desejo de o seu post-mortem, o seu funeral, a sua morte, ser celebrado com grande euforia e espetáculo: marcado pelo bater de latas, berros, pinotes e palhaços, desejo esse que sugere uma autorridicularização. É uma sugestão irreverente que deixa escapar um profundo autodesprezo. Por outro lado, a performance circense de palhaços e acrobatas conota uma alegria no encontro com a morte.

            As ideias de teatralidade e representação são conferidas pela presença precisamente dos palhaços e acrobatas, típicas figuras do espetáculo circense, que resume a faceta de clandestinidade, de transgressão incutida na excentricidade do último desejo, o de um funeral à moda andaluza. Esta arte de rua, marginal, constitui também o tema de “Partida de Emigrantes”, um triplico de Almada Negreiros. Num dos quadros, os saltimbancos de rua dominam a cena do cais representado. A sua presença representa a transgressão, a marginalidade que pode ser ignorada, desprezada e ostracizada, mas não suprimida, porque existe. No poema em análise, o sujeito lírico, na última jornada da sua existência, transforma o que deveria ser um cerimonial triste e pesaroso, de acordo com as convenções ocidentais, numa festa de rua, dominada pelo clima de festa, provocatória. O fim é celebrado e transformado numa comemoração de vida, a pretexto da morte, e acompanhado por artistas marginais com quem comunga o mesmo sentido transgressor. Isto significa que o conceito tradicional de funeral não é o enunciado no texto: um funeral é uma cerimónia caracterizada por uma atmosfera grave e de pesar, mas neste caso é manifesto o desejo do «eu» de que o seu seja um momento de festa e de folia.

            O ato caricato de transportar o caixão sobre um burro sugere a irreverência diante da morte e traduz também uma ideia de escárnio pelo próprio fim. Além disso, tem os enfeites à moda da Andaluzia, que devem ser vibrantes, vistosos.

            Quanto ao burro, no texto simboliza a obscuridade. Note-se que, na Índia, o animal serve de montaria para divindades funestas, como Nairrita, guardião da região dos mortos, o que só confirma a ideia de que o poema aponta para a figura do fim.

            A figura do palhaço, para Chevalier e Gheerbrant, é a representação do rei assassinado. Simboliza a inversão da compostura régia nas suas palavras e atitudes. A majestade é substituída pela irreverência; a soberania pela ausência de toda a autoridade; o temor pelo riso; a vitória pela derrota; as cerimónias sagradas pelo ridículo; a morte pela zombaria. O palhaço é como o reverso da medalha, o contrário da realeza, a paródia encarnada.

            Por um lado, a composição remete para um deboche numa ocasião cercada de solenidade; por outro, as atitudes a que ele incita traduzem uma celebração pela sua morte, como se se tratasse de um benefício para o mundo, talvez para si mesmo. O corolário do cortejo reside na sua exigência de que o caixão seja transportado sobre um burro, um claro menosprezo do seu próprio funeral, revelando, deste modo, a pouca importância atribuída a si mesmo e à sua vida. Deste modo, ele revela-se uma pessoa excêntrica, caprichosa e determinada, sendo que, no momento em que manifesta o seu desejo, o seu estado de espírito é exaltado e quase febril.

            Em suma, a estruturação mental do poema é clara. De facto, o sujeito poético deixa um conjunto de indicações bastante precisas sobre:
● o tipo de funeral: à andaluza;
● o meio de transporte para o levar à sua última morada: um burro;
● as ações a desempenhar pelos acompanhantes da sua cerimónia fúnebre: bater em latas, romper aos berros e aos pinotes, fazer estalar chicotes no ar;
● os participantes e responsáveis pela animação do evento: palhaços e acrobatas.

A nota final é clara: esta é a sua vontade expressa, pois a um morto nada se recusa.


Bibliografia:
- Neusa Sorrenti, “Mário de Sá Carneiro, poeta: um Narciso entre Eros e Tânatos”;
- Carlos Ferreira, Mário de Sá Carneiro: Do Percurso do Poeta às Práticas no Programa de Português do Ensino Secundário.

"As Misteriosas Cidades de Ouro": capítulo I


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terça-feira, 30 de julho de 2019

Exames nacionais do ensino secundário - 2.ª fase - 2019

138  |   Português Língua Segunda   |   19-07-2019
501  |   Alemão  |  23-07-2019
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517  |   Francês  |  23-07-2019
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547  |   Espanhol  |  23-07-2019
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550  |   Inglês  |  23-07-2019
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623  |   História A   |  23-07-2019
635  |   Matemática A  |  22-07-2019
639  |   Português  |  19-07-2019
702  |   Biologia e Geologia  |  23-07-2019
706  |   Desenho A  |  23-07-2019
708  |   Geometria Descritiva A  |  23-07-2019
712  |   Economia A  |  18-07-2019
714  |   Filosofia  |  22-07-2019
715  |   Física e Química A  |   18-07-2019
719  |   Geografia A  |  19-07-2019
723  |   História B  |  23-07-2019
724  |   História da Cultura e das Artes  |  19-07-2019
732  |   Latim A  |  18-07-2019
734  |   Literatura Portuguesa  |  18-07-2019
735  |   Matemática B  |  22-07-2019
835  |   Matemática Aplicada às Ciências Sociais |  22-07-2019
839  |   Português Língua Não Materna - B1  |  19-07-2019

Exames nacionais de 9.º ano - 2.ª Fase - 2019

91   |   Português   |    19-07-2019
92   |   Matemática   |   22-07-2019
93   |   Português Língua não Materna - A2   |   19-07-2019
94   |   Português Língua não Materna - B1   |   19-07-2019

Correção do Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2019 - 2.ª fase

Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2.ª fase - 2019 - Enunciado

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Conselho ou concelho?


     Desta vez, é o jornal do regime, o Expresso, a dar uma daquelas marteladas na língua portuguesa! Isto ocorre logo após a esposa do seu dono ter feito uma brincadeira com os professores. Lá diz o povo sábio: não cuspas para o ar...

     Aproveitemos a ocasião para uma breve explicação, sem desprimor para a pobreza da rima.

     Os dois vocábulos existem na língua portuguesa: são parónimos (um escreve-se com s e o outro com c).

     A palavra usada erradamente no texto - conselho - provém do latim consiliu- ("deliberação", "assembleia") e significa «opinião que se emite sobre o que convém fazer»; «parecer»; «ensinamento»; «juízo»; «tino»; «resolução»; «determinação»; «corpo coletivo que dá parecer sobre certos negócios públicos»; «assembleia de ministros, de professores, etc.», etc.

     Por sua vez, o termo concelho provém do latim conciliu- ("assembleia") e significa «circunscrição administrativa», «subdivisão do distrito», «município».

     Como é evidente, o escrivão da notícia referia-se à segunda palavra: CONCELHO.

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