Emma observa Leon, Homais e Charles
e decide que o marido é tão banal que a enoja. Ela percebe que Leon a ama, e,
quando se voltam a encontrar, comportam-se ambos de forma tímida e desajeitada,
sem saber como proceder. Emma está constantemente nervosa e começa a perder
peso. Imagina-se uma mártir, incapaz de se entregar ao amor por causa das
restrições que o facto de ser casada lhe impõe. Ela desempenha o papel de
esposa obediente de Charles e traz a filha, Berthe, de volta para casa da ama
de leite. No entanto, o desejo por Leon torna-se muito mais forte do que o seu
desejo de ser virtuosa, e entrega-se à autopiedade. Começa a chorar e culpa
Charles por toda a sua infelicidade. Um dia, um lojista chamado Monsieur
Lheureux dá a entender que ele é um agiota, caso ela precise de um empréstimo.
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
Resumo do capítulo IV da Parte II de Madame Bovary
Durante o inverno, os Bovary têm o
hábito de passar as noites de domingo na casa de Homais. Aí, Emma e Leon
desenvolvem um forte relacionamento. Cada um sente-se fortemente atraído pelo
outro, mas nenhum deles tem coragem de admitir o sentimento. Trocam pequenos
presentes, e as pessoas da cidade têm a certeza de que são amantes.
Análise dos capítulos I a III da Parte II de Madame Bovary
A superficialidade do romantismo de
Emma fica clara nas suas interações com Leon, que compartilha do seu amor pelos
sentimentos e paixão excessivos. A conversa de Emma com Leon no jantar é banal
e sentimental – eles discutem como os livros os transportam para longe das suas
vidas quotidianas –, mas para os dois parece arrebatadora e significativa. Ela
desafia o seu casamento estável, todavia insatisfatório, com um relacionamento
baseado em declarações falsamente profundas, em vez de sentimentos verdadeiros.
O nascimento da filha de Emma sublinha o materialismo dos
seus sentimentos, mas também introduz alguns dos argumentos feministas do
romance. Ela deseja ser uma figura materna apenas quando parece que o papel
pode ser glamoroso. Assim que percebe que não pode comprar roupas e móveis
caros para a bebé, o seu interesse desvanece-se, e vemos que o seu único
interesse pelo filho constitui um meio para realizar os seus próprios desejos.
Emma sonha ter um filho, porque acredita que ele terá o poder que lhe falta a
ela. Essa declaração franca mostra que Flaubert estava ciente e talvez
desaprovasse as liberdades concedidas às mulheres no final do século XIX. Emma
observa que “um homem, pelo menos, é livre; ele pode explorar todas as paixões
e todos os países, superar obstáculos, saborear os prazeres mais distantes. Mas
uma mulher é sempre prejudicada.” Os amantes de Emma desfrutam sempre de uma
liberdade que ela não possui.
A descrição de Flaubert do mundo
mundano que rodeia Emma é realista, mas um tanto exagerada. Ele usa uma linguagem
poética e florida para descrever Yonville, referindo que “o campo é como um
grande manto desdobrado com uma capa de veludo verde bordada com uma franja de
prata”. Mas Flaubert também reconhece a banalidade do cenário quando se refere
a “uma terra mestiça cuja linguagem, como a sua paisagem, não tem sotaque nem
caráter”. Ao descrever a mesma cena de maneiras contrastantes, Flaubert produz
dois efeitos. Primeiro, diferencia-se dos seus antecessores românticos, que
teriam avaliado uma cena monótona como indigna de sua atenção. Em segundo
lugar, faz contrastar a banalidade que Emma vê com a beleza que um estranho
pode perceber. Flaubert estabelece assim que, embora a protagonista possa estar
certa sobre o tédio da vida na aldeia, também é incapaz de captar uma camada de
beleza que a sua perspetiva é muito estreita para abarcar.
Os aldeões que cercam Emma proporcionam-nos
um contexto para entender historicamente o estatuto social de Emma. A ama de
leite que ela visita, por exemplo, mora numa pequena cabana com as crianças de
que cuida. Quando vê a protagonista, implora por pequenas necessidades – um
pouco de café, um pouco de sabão, um pouco de conhaque. Embora Emma continue
infeliz porque não pode socializar com a aristocracia em Paris, a sua visita à
ama de leite mostra-nos que está vive, comparativamente, bem. A estalajadeira
da aldeia, por sua vez, é uma mulher prática cujas únicas preocupações são se a
refeição será servida a horas e se os bêbados que frequentam a pousada vão
destruir a mesa de bilhar. Embora ela não tenha imaginação, também representa
algo que Emma não: uma mulher que aceita e gosta da sua vida.
sábado, 29 de outubro de 2022
Resumo do capítulo III da Parte II de Madame Bovary
Leon pensa em Emma constantemente. A
prática médica de Charles na nova área de residência começa devagar, mas ele
está animado com a chegada do filho. Finalmente, o bebé nasce. É uma menina,
contrariando os desejos de Emma. Põem-lhe o nome de Berthe, e os pais de
Charles ficam com eles durante um mês após a festa de batizado. Um dia, Emma
decide visitar o bebé na casa da ama de leite, que lhe pede algumas comodidades
extra. No caminho de regresso, Emma sente-se fraca e pede a Leon para a
acompanhar. Entretanto começam a espalhar-se rumores pela vila de que os dois
estão a ter um caso amoroso. Após a visita a casa da enfermeira, os dois dão um
passeio junto ao rio, durante o qual se descobrem apaixonados um pelo outro.
Resumo do capítulo II da Parte II de Madame Bovary
O correspondente de Charles em
Yonville, um boticário pomposo e detestável chamado Homais, janta na pousada
com os Bovary recém-chegados. O dono da pensão, um jovem advogado chamado Leon,
é convidado a juntar-se-lhes. Enquanto Charles e Homais discutem medicina, Emma
e Leon passam boa parte da refeição descobrindo as suas afinidades. Ela
descobre que o interlocutor também adora romances e ideais elevados.
Compartilhando essas inclinações, os dois sentem uma proximidade imediata e
acreditam que a sua conversa é bastante profunda. Quando os Bovary chegam à sua
nova casa, Emma espera que a sua vida mude para melhor e que a infelicidade
finalmente diminua.
Resumo do capítulo I da Parte II de Madame Bovary
A segunda parte da obre inicia-se
com uma descrição de Yonville-l'Abbaye, a cidade para a qual os Bovary se estão
a mudar. Os espaços mais importantes da cidade são a pousada Lion d'Or, a
farmácia de Monsieur Homais e o cemitério, onde o coveiro, Lestiboudois, também
cultiva batatas. O povo da aldeia aguarda a chegada da carruagem da noite, que de
se dá já tarde, transportando Charles e Emma, dado que foi vítima de um atraso motivado
pelo facto de o pequeno cão de Emma ter fugido durante a viagem.
Análise dos capítulos VII a IX de Madame Bovary
A narrativa é contada totalmente
pela perspetiva de Emma, o que permite ao narrador começar a desenvolver o conflito
básico inerente à sua situação: ela é incapaz de aceitar o mundo como ele é,
mas não pode mudá-lo para ser como deseja que seja. Agora que está casada com
um idiota da classe média, não aceita o seu destino, por isso mergulha na
fantasia, enquanto a pressão da sua constante revolta contra a realidade a
deixa inquieta, mal-humorada e, eventualmente, fisicamente doente.
A representação do baile por parte
de Flaubert e os eventos que se seguem mostram o contraste irónico entre a
experiência de Emma e a realidade. Flaubert apresenta, em simultâneo, a
realidade externa de como Emma olha para o baile e a realidade psicológica de
como o evento lhe parece. Ela está tão feliz que não percebe que ninguém no
baile lhe presta atenção, e a sua dança insignificante com o visconde torna-se,
na sua imaginação, um tremendo momento romântico. Na verdade, esta personagem
continua a ignorar o amor bem-intencionado do seu marido bem-humorado, mas
insípido, em favor das suas lembranças do baile passadas várias semanas depois de
todos já o terem esquecido. Quando Charles decide mudar-se para Yonville na
tentativa de salvar a saúde de Emma, esta, enquanto faz as malas, atira a sua
coroa de noite para o lume. Este gesto simboliza a sua rejeição ao casamento e
ao mundo complacente da classe média que, na opinião dela, a aprisionou.
Os olhos preconceituosos da personagem intensificam a atenção
realista de Flaubert aos detalhes, nomeadamente os detalhes da estupidez de
Charles são muito ampliados. Por exemplo, o narrador descreve cada barulho que
faz quando come. Flaubert também dedica vários parágrafos a uma descrição da
rotina diária extremamente aborrecida de Emma. O seu tédio torna-se um dos
temas do romance e um meio de desenvolver a personagem. O foco do autor no
tédio marca outro dos momentos em que o romance evolui do Romantismo.
A relação de Emma com as suas raízes agrícolas também é
explorada nesta seção. Flaubert coloca uma lembrança do passado no meio da
fantasia noturna de Emma, para mostrar que ela nunca poderá, realmente, fugir
às suas origens. No baile, permite-se esquecer que não é um membro privilegiado
do mundo da classe alta que está a «visitar», mas, quando um criado parte o vidro
de uma janela, ela vê os camponeses do lado de forma, o que lhe traz à memória
a vida simples no campo da sua juventude.
Resumo do capítulo IX de Madame Bovary
Fixada na sua caixa de charutos e nas
revistas femininas da moda, Emma fantasia com a vida da alta sociedade em
Paris, enquanto cresce o seu desânimo e frustração e se mostra mal-humorada e
caprichosa com o marido. Embora os negócios de Charles prosperem, a esposa fica
cada vez mais irritada com a sua falta de modos e estupidez. À medida que a sua
inquietação, o tédio e a depressão se intensificam, ela fica fisicamente
doente. Esforçando-se para a curar, Charles decide que se devem mudar para
Yonville, uma cidade que precisa de um médico. Antes da mudança, porém, Emma
descobre que está grávida. Enquanto faz as malas, ela deita o seu buquê de
noiva seco no fogo e vê-o arder.
Resumo do capítulo VIII de Madame Bovary
Embora encantada com a atmosfera de
riqueza e luxo do baile, Emma fica constrangida com o marido, que perspetiva
como um idiota desajeitado e sem sofisticação. Ela está rodeada por nobres e
mulheres ricos e elegantes, entre eles um velho que foi um dos amantes de Maria
Antonieta. Quando o salão de baile fica muito quente, um criado parte as
janelas para deixar entrar o ar. Emma olha para fora e vê camponeses olhando
boquiabertos; lembra-se da sua vida na quinta, que agora parece um mundo distante.
Um visconde dança com ela, que se sente como se tivesse sido enganada da vida
para a qual nasceu. A caminho de casa, o mesmo visconde passa por eles na
estrada e deixa cair uma caixa de charutos, que Emma guarda. De volta a Tostes,
mostra-se zangada com todos ao seu redor.
Resumo do capítulo VII de Madame Bovary
Durante a lua de mel em Tostes,
Emma sente-se dececionada por não estar num chalé romântico na Suíça. Ela considera
que o marido é aborrecido e pouco inspirador e começa a ressentir-se da falta
de interesse dele numa vida mais apaixonada. Por seu lado, Charles continua a
amá-la. A sua mãe visita-os e odeia Emma por ter conquistado o seu amor. Depois
de ela se ir embora, Emma tenta amar Charles, mas a deceção permanece, pelo que
se questiona acerca do motivo por que se casou. Então, um dos pacientes do
marido, o Marquês d'Andervilliers, convida o casal para um baile na sua mansão.
Análise dos capítulos IV a VI de Madame Bovary
A mudança do ponto de vista de
Flaubert de personagem para personagem segue o padrão do enredo do romance. Após
o casamento de Charles e Emma, o ponto de vista dela conta da narrativa. Esta mudança
de perspetiva tem início no capítulo V e é coincidente com o contraste que se começa
a notar entre o amor cego do esposo por ela e a desilusão desta, que esperava
que o matrimónio fosse outra coisa diferente e lhe trouxesse o romantismo que
lera nos romances. Na reflexão de Emma sobre a sua insatisfação conjugal, temos
uma primeira visão real dos seus pensamentos, sendo fácil concluir que tudo
está pronto para espoletar da crescente crise de personalidade que acabará por
caracterizar a sua vida.
A maior parte da ação de Madame
Bovary é narrada por um narrador na terceira pessoa, centrado
principalmente nos pensamentos e nas ações de Emma. No entanto, o ponto de
vista do narrador flutua, adotando este vários tons. De facto, o narrador fala
frequentemente como um outsider, comentando objetivamente os acontecimentos,
mas também nos mostras as coisas de forma subjetiva através do olhar das
personagens, informando-nos do que sentem e pensam. Por outro lado, Flaubert
usa com alguma frequência o discurso indireto livre, uma técnica narrativa que
permite que as palavras do narrador soem muito como os pensamentos e os padrões
de fala de uma das personagens, mesmo quando ele não a cita diretamente. Por
exemplo, quando Rouault se lembra do seu casamento no capítulo IV, Flaubert
escreve: “Há quanto tempo tudo isso aconteceu! O filho deles já teria trinta
anos. Então ele olhou para trás e não viu nada na estrada.” A narração passa
diretamente da transcrição do pensamento de Rouault para a descrição de sua
ação, sem separar o pensamento por aspas. Como resultado disso, muitas vezes temos
de parar para considerar se estamos a ouvir a voz do narrador ou a de uma das
personagens.
Uma das características mais
importantes de Emma é o conflito entre a sua natureza romântica e a tendência para
o descontentamento. O seu flashback mostra até onde o gosto pelo romance
se estende. Ainda com treze anos, ela foi incapaz de resistir à atmosfera
melancólica e romântica do convento e mergulhou em romances e canções
românticas, cujas histórias desejava desesperadamente que se realizassem na sua
própria vida. Emma, no entanto, fica facilmente descontente. Coisas que ela
acredita que a vão salvar, como o convento, a quinta do pai ou a vida de casada
acabam por não estar à altura dos seus desejos. A sua euforia após o casamento,
por exemplo, cai no momento em que encontra o buquê de noiva de Heloise na casa
de Charles, e imediatamente começa a interrogar-se por que a sua vida não
corresponde às ficções sentimentais que lera e esperava que se tornassem
realidade.
Flaubert é frequentemente
considerado um escritor realista. Os realistas desafiaram os seus antecessores
românticos escrevendo livros que se concentravam nos detalhes da vida quotidiana
sem fechar os olhos para os seus aspetos sombrios. Ora, oescritor participa nesse
movimento descrevendo as emoções, as ações e os cenários onde se movimentam as
suas personagens de forma vívida e sem embelezamento romântico ou fantástico. A
cena do casamento, que ocupa quase todo o capítulo IV, é um exemplo clássico do
que torna Flaubert um realista. É o que sucede, por exemplo, quando desce ao
pormenor: o enlace é descrito minuciosamente. O autor escreve sobre cada parte
da celebração, por vezes listando apenas item atrás de item. Mais: narra o tipo
de veículo que transporta os convidados, como usam o cabelo, de que tecidos são
feitas as roupas e a sua aparência física. A descrição do banquete é tão
elaborada que parece que há comida demais para apenas quarenta e três
convidados degustarem. No entanto, Flaubert não nos dá conta apenas dos detalhes,
dado que também tece comentários implicitamente sobre o seu valor social.
Quando nos fala sobre as jovens raparigas presentes, sobre “os cabelos
gordurosos com pomada de rosas e com muito medo de sujar as luvas”, podemos ver
como elas são desajeitadas e pouco refinadas. Ao descrever as tentativas do
povo do campo de se vestir, zomba dos seus esforços.
Tais comentários sutis sobre os traços das personagens
menores constitui apenas uma das maneiras através das quais Flaubert pinta Madame
Bovary como um retrato crítico da vida burguesa. No capítulo VI, afirma que
Emma ama as flores e os ícones da sua religião, mas que a verdadeira fé
espiritual é “estranha à sua constituição”. Esta nota mostra que a personagem, apesar
de todas as suas pretensões de grandes sentimentos, é realmente incapaz de
sentimentos profundos. A observação do narrador também satiriza os fiéis
burgueses que se mostram profundamente religiosos, mas, na realidade, possuem
pouca piedade genuína.
Resumo do capítulo VI de Madame Bovary
Emma recorda a vida no convento onde foi educada. No início, entregou-se à vida religiosa, tratando a religião com a mesma paixão que dedicava à leitura de romances e a ouvir baladas de amor. Quando a mãe morreu, porém, mergulhou num estado de profunda dor. Agradava-lhe pensar em si mesma como um exemplo de pura melancolia. Todavia, logo se cansou do luto e abandonou o convento. Durante algum tempo, apreciou a vida na quinta do pai, mas logo se viu entediada e desgostosa com essa existência. É nesse estado de desilusão que se dá o encontro com Charles, contudo, ao contrário do que previra, ele não lhe proporciona a escapatória a esse sentir que ela esperava.
Resumo do capítulo V de Madame Bovary
De volta a Tostes, Emma inspeciona a
nova casa e obriga Charles a remover o buquê de noiva seco da sua ex-esposa
morta do quarto. Enquanto planeia pequenas melhorias na casa, Charles mostra
toda a sua adoração por ela num torpor de amor e felicidade. Emma, por seu
turno, sente-se estranhamente insatisfeita com a nova vida. De facto, sempre
esperou que o matrimónio fosse sinónimo de romantismo e felicidade, porém sente
que a sua nova existência fica aquém das altas expectativas que bebeu nos
romances românticos que leu: “Antes do casamento, ela imaginou-se apaixonada;
mas como a felicidade subsequente não veio, ela deve, pensou, estar enganada. E
Emma tentou descobrir o que significavam exatamente na vida as palavras
felicidade, paixão, êxtase, que lhe pareciam tão bonitas nos livros.”
Resumo do capítulo IV de Madame Bovary
Na primavera, quando o período de
luto de Charles pela sua primeira esposa termina, casa-se com Emma. O casamento
é um grande evento em toda a quinta de Rouault, e os convidados vêm vestidos com
roupas extravagantes a que não estão habituados. Após o casamento, todos
regressam à quinta numa longa e festiva procissão que se estende “como um longo
lenço colorido que ondulava pelos campos”. O banquete prolonga-se pela noite e
inclui um bolo de casamento de três camadas incrivelmente elaborado. No dia
seguinte, depois da noite de núpcias, Charles está obviamente muito feliz. Emma
encara a perda da sua virgindade de forma calma e fria. Enquanto o casal parte
para a sua casa em Tostes, Rouault relembra a felicidade que sentiu no dia do
seu próprio casamento.
sexta-feira, 28 de outubro de 2022
Terra do Pecado, de José Saramago
A narrativa tem como protagonista Maria Leonor, uma mulher viúva, mãe de duas crianças, que se vê a braços, subitamente, com o processo de luto pela morte do marido, com as dificuldades de gerir a sua casa, administrar a propriedade, a vida e a educação dos filhos e as suas relações sociais, além de ter de lidar com as saudades do marido e com as expectativas da sociedade relativamente ao seu novo estado civil (de viuvez).
Maria Leonor é uma mulher frágil, que apenas desempenhou os papéis que lhe cabiam socialmente: filha, esposa e mãe. Assim sendo, o seu universo limitava-se à casa da propriedade rural em que vivia, cuidando dos filhos e do marido, supervisionando os empregados e dedicando-se aos seus bordados e à leitura. Quando o esposo morre, ela não suporta a perda e adoece, sobretudo por causa dos seus nervos frágeis e abalados pelos acontecimentos. O tempo passa e a atividade da quinta fica em suspenso, até que questões urgentes de caráter prático a forçam a sair da cama e a assumir as suas responsabilidades de proprietário rural.
Apesar das várias recaídas que vai sofrendo, consegue restabelecer a ordem na casa e evolui como administradora da propriedade, no entanto interiormente continua a ser afetado pela falta do marido e por se aperceber de algo que era considerado socialmente um pecado muito grande: ela continuava viva. De facto, de acordo com os costumes da sociedade em que existia, a viúva deveria morrer com o marido, mesmo que continuasse a existir fisicamente, ou seja, não poderia voltar a sorrir ou seguir com a sua vida, muito menos considerar a hipótese de se envolver romanticamente com outro homem. Mas é isso exatamente que Maria Leonor vai fazer. Observe-se que ainda hoje se encontram mulheres que viuvavam há anos ou décadas, se vestiam de preto e assim viveram para sempre. Voltando à protagonista, de facto, estabelece uma relação com dois homens: o cunhado e um médico próximo da família: o doutor Viegas.
Daqui decorre uma estranha e complicada relação com Benedita, a sua empregada de confiança, que a condena pelo que acredita ser a fraqueza e o desrespeito de Maria Leonor para com a memória do marido. Com efeito, Benedita tem um sentimento quase de posse em relação à patroa, intrometendo-se por vezes de forma quase ofensiva e denegridora da protagonista.
Contudo, a obra gira, sobretudo, em torno do sentimento de culpa da própria Maria Leonor, em relação às suas ações e comportamentos, bem como aos desejos e pensamentos. É também por isso, além da pressão social, que a vemos esgueirar-se pelas sombras da própria casa, receando os olhares e o julgamento dos empregados, inventando as mentiras mais escabrosas que acabam por destruir a vida de pessoas inocentes só para manter a sua reputação e não ser alvo de comentários e coscuvilhice, que inevitavelmente a atingiriam, bem como aos filhos e aos negócios. Valha a verdade, porém, que nem toda a sociedade a julga e exige dela que seja uma morta em vida. De facto, se Benedita condena as suas ações e a desrespeita, há outras personagens que procuram compreender e defender as atitudes de Maria Leonor, apesar de as considerarem perniciosas.
No fundo, a obra procura retratar um Portugal da época, centrando a ação numa pequena localidade do país, habitada por uma população profundamente católica e conservadora que oprime os outros com as regras sociais que vigoram.
Esta primeira obra de Saramago difere das que o consagraram por causa das questões formais, nomeadamente a ausência de pontuação e de digressões, todavia são já visíveis alguns dos temas que caracterizarão os seus textos, como, por exemplo, a crítica religiosa, a partir do confronto entre o caráter beato de Benedita e a presença constante o padre local e os comentários céticos e algo sarcásticos do doutor Viegas.
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