A cena final
de Hamlet é um festival de sangue e morte. São várias as personagens que
perdem a vida e de diversas formas: veneno, espada, execução. As causas de tal
mortandade radicam no desejo de vingança e de justiça. A obsessão pela vingança
faz recair a morte sobre todos os diretamente envolvidos.
Nos momentos
que antecedem o duelo, Hamlet parece em paz. Embora sentindo uma certa tristeza
no coração, aparenta estar reconciliado com a ideia da morte e ter afastado os
receios relativos ao sobrenatural. Por outro lado, o desejo de ser perdoado por
Laertes confirma essa mudança operada no príncipe. Até aqui, vivia centrado em
si e na sua família – a morte do pai, a vingança da sua morte, a mãe –, porém
agora parece sentir empatia pelos outros. No entanto, acaba por nunca assumir a
responsabilidade pela morte de Polónio, mas a morte de Ofélia tê-lo-á levado a
refletir e a agir de outra forma.
Nesta cena derradeira,
finalmente consuma a sua vingança e mata Cláudio, porém essa morte não deriva
de qualquer plano traçado, mas enquanto reação às palavras acusatórias de
Laertes, que o denuncia como o autor do envenenamento da espada e do vinho.
Assim sendo, o único ato de vingança praticado por Hamlet resulta de novo
momento impulsivo, tal como tinha sucedido com o assassinato de Polónio. Ambos
os atos resultam de fúria momentânea, de impulso, o que significa que acaba por
nunca superar a sua indecisão e as suas hesitações relativamente ao consumar da
vingança. Ele não tem tempo para pensar, antes é empurrado para agir, forçado a
responder aos acontecimentos. A decisão de aceitar o desafio de esgrima pode
ter sido estratégica, mas também entendida como um ataque ao seu orgulho (afinal,
Cláudio aposta na vitória de Laertes), todavia o que é certo é que Hamlet cai
na armadilha montada pelo tio e por Laertes. Novamente, o príncipe não age,
reage.
De facto,
Hamlet aceita o desafio, mas não sem expressar algumas reticências a Horácio,
que o aconselha a desistir, porém o príncipe considera uma desistência um gesto
irracional. Nesta sequência, interioriza a possibilidade de morrer, mostrando
que está “pronto” para tal. Estes dados significam também que ele está bem
ciente da ameaça que o confronto com Laertes representa. Além disso, as suas
palavras carregadas de fatalismo e pressagiantes prenunciam a sua morte.
O relato que
faz a Horácio acerca da forma como subverteu os planos de Cláudio mostram que
Hamlet é uma pessoa inteligente, astuta e manipuladora. Em simultâneo, no
momento em que engana Rosencrantz e Guildenstern, está, na prática, a traí-los
e a condená-los à morte, à semelhança do que estes estavam prontos para lhe
fazer. Assim sendo, coloca-se ao nível dos antigos amigos, o que mostra que
superou o tempo em que considerava que dois erros não faziam um acerto. Por
outro lado, tudo isto vem confirmar a ideia de que abandonou grande parte das suas
preocupações morais.
O destino de
Gertrudes, como não poderia deixar de ser, é igualmente a morte. Ela é vítima
inconsciente dos atos do segundo marido, que não lhe eram dirigidos: sem saber,
bebe o vinho envenenado que era destinado a Hamlet, seu filho. Deste modo,
estamos perante novo caso de uma mulher que morre por causa da ação dos homens
que fazem parte da sua vida e que a dominam. Por outro lado, os acontecimentos
indiciam que a rainha não estava ciente do envolvimento de Cláudio no
assassinato do rei Hamlet.
Apesar de esse
não envolvimento, morre em consequência da violência e do desejo de vingança
dos homens, que parecem mover-se todos com base nesses estados de alma. Por
tudo o que a peça foi narrando, parece lícito concluir que as mulheres da época
eram seres infelizes que tinham as suas vidas condicionadas por homens
imperfeitos e poderosos, em suma, por uma sociedade medieval patriarcal.
Outra morte
é a do próprio Hamlet, que não é heroica nem vergonhosa. Finalmente, obtém a
vingança do seu pai, mas apenas conduzido a tal por circunstâncias extremas e
macabras: a morte da mãe, causada, ainda que indiretamente, pelo próprio
marido. A sociedade em que está inserido valoriza imenso os sentidos da honra e
da vingança, porém o desenlace da peça permite questionar esses valores
sociais. De facto, Hamlet consegue vingar pessoalmente a morte do pai, mas a
que preço? As personagens centrais da obra morrem todas, à exceção de Horácio e
mesmo este considera o suicídio, para acompanhar o destino do amigo príncipe, e
apenas não o concretiza porque este último lhe pede que viva para contar a sua
história ao mundo. Além disso, Hamlet não ascende ao trono e não governa a
Dinamarca. Em vez disso, Fortinbras reaparece como um líder político e militar
vencedor, racional e sensato, e reclama o trono dinamarquês. Assim sendo, de
que valeram os atos e os esforços de Hamlet?
Quando o
duelo entre Hamlet e Laertes chega ao fim, este último revela o plano
traiçoeiro de Cláudio, constituindo-se como um momento crucial da peça, pois o
príncipe que está prestes a morrer. É também esta perceção que o leva a matar o
rei, pois já não tem nada a perder. Além disso, dada a iminência da sua morte,
não tem tempo para refletir sobre os seus atos, precisa de agir rapidamente.
Por outro lado, as palavras finais de Laertes sugerem que a violência só leva à
morte e à destruição e reconhece que ele próprio foi vítima disso e dos seus atos.
De facto, ele feriu mortalmente Hamlet com a espada envenenada e acabou por lhe
suceder o mesmo quando o príncipe se apossou do seu florete e o atingiu também.
Deste modo, Laertes foi derrubado pela sua própria perversidade.
Cláudio
introduziu na Dinamarca a decadência e a corrupção morais, ao assassinar o
próprio irmão para obter o poder. Como «prémio» adicional, desposa a antes
cunhada. Porém, o modo adotado para combater essa corrupção moral – a violência
extrema – acaba por resultar apenas em violência generalizada que acarreta uma
sucessão de mortes: violência gera mais violência e morte gera mais morte. Será
também por isso que Hamlet hesita tanto em matar Cláudio. No entanto, o
desenlace consiste mesmo na morte do rei e o que resulta daí é o desmoronamento
da monarquia dinamarquesa e a ascensão ao trono de um rei estrangeiro. Tal como
se vê, por exemplo, no filme de animação Rei Leão, é necessário destruir
totalmente o que existe, para que algo novo possa emergir. De facto, com a
morte de todas as personagens ligadas ao poder, a Dinamarca está livre da
corrupção, da ambição desmedida, da violência reinantes até então, pelo que
está livre para um recomeço bem diferente. Horácio parece reconhecer a nova
situação quando jura fidelidade a Fortinbras. A família real dinamarquesa
estava marcada pela corrupção e, por isso, enfraquecida. Pelo contrário,
Fortinbras representa um líder forte, carismático e capaz de restaurar a
autoridade moral do Estado. Se o consegue ou não, não é assunto da peça. Note-se
que o Fortinbras que surge em cena no final da peça não é o mesmo do início:
antes limitava-se a agir; presentemente, pensa enquanto age. O tempo e a
experiência tornaram-no uma pessoa mais sensata, ponderada e moderada. Ele
mostra-se ousado, mas atencioso quando se depara com o salão cheio de corpos.
Perante esse cenário, alguém tem de assumir o controlo dos acontecimentos:
Fortinbras fá-lo.
Horácio é o
amigo leal de Hamlet, responsável por dar a conhecer a história do príncipe.
Começa por narrar a Fortinbras o que aconteceu recentemente, começando por
traçar uma visão geral dos eventos e avisa que os ouvintes irão escutar uma
história prenhe de atos carnais, sangrentos e não naturais. Ora, estes termos
apontam para toda a violência que teve lugar, bem como para o casamento de
Gertrudes com o irmão do seu falecido marido, algo que soou aos ouvidos de Hamlet
como antinatural e perturbador.
Horácio
alude também a “julgamentos acidentais” e as mortes «casuais», o que corresponde
aos dados da peça, como é o caso do assassinato acidental de Polónio às mãos de
Hamlet, que pensava estar a liquidar Cláudio. Por outro lado, estas palavras de
Horácio têm a intenção de isentar o seu amigo de responsabilidades, o que é
compatível com o desejo de o apresentar como um herói. Ou seja, ele tem
consciência de que a história de Hamlet está repleta de imperfeições, porém é
seu entendimento que, não obstante, merece ser celebrado.
Curiosamente,
Fortinbras, ao exigir que o corpo de Hamlet seja transportado até uma
plataforma para que possa ser homenageado, está a trata-lo como um herói
militar que merece ser celebrado, mas o contraste entre ambos é evidente:
Fortinbras dedicou-se inteiramente à conquista da Polónia, ao passo que Hamlet
se mostrou incapaz de vingar a morte do pai até ao momento derradeiro. Assim
sendo, é algo irónico e incongruente que se celebre alguém tão inseguro e que duvida
da sua própria pessoa como uma figura respeitável. Se Hamlet for efetivamente
celebrado, é provável que o seu legado será bastante idealizado, o que quer
dizer que o seu verdadeiro ser não será lembrado.
Uma das
temáticas que perpassa a peça é a oposição entre verdade e engano. Toda ela
gira em torno do ato primitivo de Cláudio: o assassinato do irmão, a posse da
coroa dinamarquesa e da rainha. Curiosamente, esse tema estende-se até à cena
final: o rei engendrou novo esquema para garantir o seu poder. A sua morte em
consequência de tal dá a sensação do fechamento de um círculo.