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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A importância da escrita manual

    Estudos mostram que escrever à mão ativa diversas regiões do cérebro, melhorando a capacidade de retenção da memória e a função cognitiva.

    Algumas escolas por esse mundo fora já deixaram de ensinar escrita cursiva. Uma boa ideia ou nem por isso?

    Vários estudos têm vindo a comprovar que escrever à mão traz benefícios cognitivos que as ferramentas digitais não conseguem substituir. «Em termos estatísticos, a maioria dos estudos sobre a relação entre a escrita e a memória [incluindo estudos realizados no Japão, na Noruega e nos Estados Unidos] mostram que as pessoas se lembram melhor das coisas que escreveram à mão do que num computador.» Quem o diz é a professora de linguística da American University, de Washington D.C., e autora de Who Wrote This? How AI and the Lure of Efficiency Threaten Human Writing, Naomi Susan Baron.

    As vantagens de escrever à mão podem ser parcialmente atribuídas à participação de vários sentidos no processo da escrita. «Segurar uma caneta com os dedos, encostá-la a uma superfície e deslocar a mão para criar letras e palavras é uma habilidade cognitivo-motora complexa que requer muita atenção», diz Melissa Prunty, professora de terapia ocupacional na Brunel University London, que investigou a relação entre escrever à mão e a aprendizagem. «Os estudos demonstraram que este nível mais profundo de processamento, que envolve transformar sons em letras, contribui para as capacidades de ler e soletrar nas crianças», diz Prunty.
    Os adultos também beneficiam da natureza laboriosa de escrever à mão. Um estudo com quarenta e dois adultos que estavam a aprender árabe concluiu que os participantes que aprendiam as letras escrevendo-as à mão conseguiam vocalizar melhor as letras recém-aprendidas do que as pessoas que aprendiam os novos caracteres datilografando-os ou simplesmente observando-os.
    «Achamos que os resultados podem ser parcialmente explicados pelo facto de escrever à mão ativar diferentes vias para o mesmo conceito», diz Robert Wiley, professor de psicologia na Universidade da Carolina do Norte e coautor do estudo. Ele explica que aprender uma nova palavra implica associar um símbolo abstrato a informação visual, motora e auditiva. «Escrever à mão pode ativar mais ligações nessas diferentes dimensões, comparado com datilografar", afirma.
    Através de inquéritos realizados a 205 jovens adultos na Europa e nos Estados Unidos, Baron descobriu que muitos alunos diziam ter mais concentração e melhor memória quando escreviam um texto utilizando um instrumento de escrita em vez de pressionando teclas num teclado, o que sugere que o sentido do tato desempenha um papel fundamental na forma como absorvemos a informação.
    Atividades como o toque e o movimento ativam as mesmas zonas do cérebro que participam na aprendizagem e na memorização, diz Lisa Aziz-Zadeh, professora no Brain and Creativity Institute da University of Southern California.«O cérebro humano evoluiu para processar informação sensorial e motora ao longo da evolução», diz, «e essas mesmas regiões do cérebro de processamento sensorial e motor estão agora envolvidas nos níveis mais altos da cognição.»

    Para compreendermos melhor como os nossos sentidos influenciam a nossa cognição, podemos pensar no cérebro como uma rede rodoviária, diz Audrey van der Meer, professora de neuropsicologia da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. As redes cerebrais das crianças são como trilhos ténues e serpenteantes numa floresta, afirma. Com experiência e prática, esses trilhos podem transformar-se em vias rápidas que ligam diferentes partes do cérebro, transportando a informação de forma rápida e eficiente.
    Num estudo publicado em janeiro de 202, van der Meer e o seu coautor Ruud van der Weel, examinaram exames cerebrais de trinta e seis jovens universitários enquanto executavam tarefas de escrita. Pediram aos estudantes que escrevessem palavras do Pictionary utilizando uma caneta digital e um ecrã sensível ao toque ou que as datilografassem num teclado. A atividade cerebral dos participantes durante cada tarefa foi captada através de técnicas de eletroencefalograma.
    «A coisa mais surpreendente foi que todo o cérebro estava ativo quando escreviam à mão, [enquanto] áreas muito mais pequenas estavam ativas quando datilografavam», diz van der Meer. «Isto sugere que, quando escrevemos à mão, estamos a utilizar a maior parte do nosso cérebro para executar essa tarefa.»
    Além disso, o estudo mostrou que as diferentes vias do cérebro ativadas pela escrita manual comunicavam umas com as outras através de ondas cerebrais associadas à aprendizagem. «Existe todo um corpo de investigação sobre as oscilações alfa e beta no cérebro que são benéficas para a aprendizagem e a memória», diz van der Meer. «Descobrimos que essas oscilações estavam ativas quando as pessoas escreviam à mão, mas não quando datilografavam.»
    Por esta razão, os investigadores estão agora a incentivar as pessoas a continuarem a escrever à mão. Na Noruega, várias escolas deixaram de ensinar escrita cursiva, preferindo que os alunos escrevessem e lessem num iPad, uma tendência que van der Meer espera mudar através da sua investigação.
    «Acho que devemos ter um mínimo de escrita à mão nos currículos da escola primária pelo simples facto de fazer muito bem ao cérebro em desenvolvimento», afirma.
    Nos Estados Unidos, a escrita cursiva foi removida do Common Core Standard, mas vários estados decidiram incorporá-la novamente nos currículos escolares devido aos seus benefícios para a aprendizagem.
    Quanto aos adultos, van der Meer também os aconselha a usar papel e caneta. «Continuar a escrever algumas coisas à mão é um exercício muito para o cérebro», diz. «É o equivalente a fazer obras de manutenção numa estrada movimentada.»

Fonte: nationalgeografic.com.

domingo, 13 de outubro de 2024

Análise do 4.° parágrafo do conto "A Aia"

 ● Personagens

    O terceiro parágrafo termina com a referência aos inimigos que ameaçavam o reino e a vida do pequeno príncipe. Na sequência, o quarto introduz um desses inimigos, o maior: o tio bastardo. O retrato que o narrador traça dele é implacável.
    De facto, ele é retratado como uma personagem vil, destacando-se pela sua depravação, caráter bravio e brutalidade. Além disso, é um homem dominado pela ambição material e grosseira, movendo-se pelo desejo de alcançar a realeza, não pelo poder que ela lhe proporcionaria, mas pelos tesouros a que teria acesso.
    Fisicamente, vive isolado num castelo nas montanhas, o que reflete a sua natureza sombria, rodeado por uma «horda de rebeldes». A comparação com um lobo, um animal predador, sugere que se trata de alguém feroz e selvagem, violento e cruel, predisposto à violência. Estamos perante uma figura que vive isolada e que lidera um grupo de malfeitores, afastado da civilização, que planeia assaltar o trono à força. De forma calculista e impiedosa (“de atalaia, espera a presa”), conspira contra o frágil e indefeso sobrinho, que perspetiva como uma presa fácil.
    Em suma, o tio bastardo é apresentado, desde o início, como um vilão cruel e sinistro, ávido de riqueza e que, qual lobo faminto, aguarda a ocasião certa para atacar a presa indefesa e saciar a sua ambição.
    Metaforicamente, o príncipe é apresentado como a presa do tio bastardo, enfatizando-se mais uma vez a sua tenra idade, fragilidade e vulnerabilidade (observar a expressividade do diminutivo «criancinha»). Por seu lado, a imagem de um “rei de mama” destaca a ironia da situação em que se encontra: apesar de ser o herdeiro de um reino vasto e abundante (“senhor de tantas províncias”) e de ser detentor de um título que lhe dá grande poder, não tem qualquer controlo sobre o seu destino e é um ser indefeso, incapaz de compreender e se defender dos seus inimigos e dos perigos que o espreitam.
    Essa ideia é acentuada pela imagem final, que no-lo apresenta a dormir pacificamente no seu berço e que contrasta com o perigo que o rodeia. Na mão, segura um guizo de ouro, um brinquedo infantil que simboliza a sua inocência e despreocupação, ao passo que o ouro indicia a riqueza e o poder que o cercam, mas que, em simultâneo, são os responsáveis pela existência dos inimigos que o ameaçam.

Espaço físico e social

    O espaço físico apresentado neste parágrafo assenta na alternância entre dois lugares: o castelo nas montanhas, habitado pelo tio bastardo, e o ambiente doméstico e protegido do pequeno príncipe, que dorme pacificamente no seu berço.
    O primeiro espaço é uma fortaleza isolada, situada no cimo dos montes, um local de difícil acesso e afastado da civilização, que enfatiza o distanciamento físico e emocional de quem nele habita em relação ao reino e seus habitantes. O tio bastardo vive como um pária, rodeado de uma horda temível, elementos que indiciam que o local em que habitam é selvagem, caracterizado pela desordem e violência, além do isolamento e solidão. A comparação da personagem com um lobo que, de atalaia, espera a presa, intensifica o caráter predatório do espaço, associando o castelo a uma espécie de covil inóspito e extremamente perigoso. Em suma, o castelo é um reflexo do seu dono: isolado, sombrio e ameaçador.
    Por sua vez, o príncipe vive num espaço contrastante, um espaço interior: um quarto onde dorme sossegadamente no seu berço, um local caracterizado pelo afeto, pela segurança e pelo cuidado. Não obstante, embora se encontre aparentemente seguro e protegido, cercado pelas riquezas do reino que, eventualmente, governará no futuro, há um perigo que o espreita vindo das montanhas.
    No que diz respeito ao espaço social, o parágrafo anterior e este introduzem uma questão relevante. Com a morte do rei, o pequeno príncipe, sem o saber e sem querer, enquanto herdeiro do trono, é o detentor do poder e da autoridade no reino, mesmo que futuro, daí que seja o foco da ação do tio, que necessita de se livrar dele para se apossar do trono. O guizo de ouro que aperta entre as mãos é o símbolo, neste contexto, da sua posição social elevada, a mesma que desperta a cobiça dos inimigos e coloca a sua vida em perigo.
    Por seu turno, o tio é uma figura marginalizada no âmbito da sociedade retratada no conto, tanto por causa de se tratar de um bastardo, de um filho ilegítimo, fora do casamento, como pelos eu comportamento rebelde e predatório. De facto, ele vive à margem da sociedade, isolado, liderando uma horda, o que tem como (outro) motivo a ambição desmedida pela riqueza e pelo poder.
    Esta personagem representa a corrupção e a ganância, que acabam por minar as relações sociais e políticas. Apesar de bastardo, não deixa de fazer parte da família real, desde logo porque é irmão do falecido rei, porém a sua ilegitimidade e o seu comportamento colocam-no em conflito com os seus. Essa ilegitimidade contrasta com a legitimidade e a pureza do príncipe, que, não obstante ser uma criança, é encarado como o legítimo candidato ao trono.

Posição do narrador

    Ao longo do conto, maioritariamente, o narrador é objetivo, porém há momentos em que se apresenta como subjetivo, visto que:
a.       usa uma linguagem judicativa: ao descrever o tio bastardo, caracteriza-o como «depravado e bravio»;
b.      socorre-se de termos (por exemplo, a interjeição «ai») que deixam transparecer a sua emotividade, sugerindo compaixão pelo príncipe.

Linguagem

    Um dos recursos mais importantes do capítulo é a adjetivação, concretamente aquela que caracteriza o tio bastardo:
a.       os adjetivos «bravio» e «depravado» enfatizam a sua natureza selvagem e vil;
b.      o adjetivo «grosseiras» e o nome «cobiças» revelam a sua faceta ambiciosa e avarenta;
c.       o adjetivo «bastardo» destaca a ilegitimidade social (alguém nascido fora do casamento), mas também, pelo comportamento, moral (fulano de tal é um bastardo, isto é, desonesto, de caráter duvidoso).
    O tio é também comparado a um lobo (“à maneira de um lobo que, de atalaia, espera a presa”), comparação essa que enfatiza o caráter cruel e selvagem da personagem. Como um predador, escondido, espera o momento certo para atacar. Assim sendo, podemos deduzir, desde já, que agora que o rei morreu, o tio se prepara para descer dos montes e atacar o palácio e o sobrinho bebé. O perigo é iminente. Assim se cria um clima de tensão e expectativa.
    O uso da interjeição «Ai», seguida da exclamação, traduz(em) a preocupação e a compaixão do narrador relativamente ao príncipe e ao seu destino.
    As figuras do tio – ambicioso, perigoso, selvagem – e do sobrinho – frágil, vulnerável, inocente, desprotegido – constituem um contraste, uma antítese.
    A construção da figura do príncipe está rodeada de uma certa ironia. Embora seja o herdeiro do trono e, em consequência, detenha grande poder e autoridade em tese, não passa de uma criancinha, de um «rei de mama», ou seja, alguém que é totalmente incapaz de exercer o seu poder e autoridade. Neste contexto, a expressão «rei de mama» sugere, em simultâneo, a sua posição de privilégio (detentor de poder e autoridade) e a sua absoluta fragilidade e vulnerabilidade, traços que contrastam com o que se espera de um rei, visto tradicionalmente como uma figura de poder e força.

Elementos simbólicos

    O guizo de ouro reveste-se de uma simbologia particular. Enquanto brinquedo infantil, representa a inocências e a despreocupação da criança; o facto de ser de ouro, torna-o símbolo de riqueza e poder, elementos que, no contexto do conto, se constituem como fonte de cobiça e conflito.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Análise do 3.º parágrafo do conto «A Aia»

    Este parágrafo é dominado pela descrição da reação da rainha à morte do marido, caracterizada por uma profunda dor e tristeza. A manifestação física visual dessa reação são as lágrimas, o choro. Por outro lado, a dor é distribuída pelas várias facetas da monarca. Assim, como rainha, chora o facto de o reino ficar sem um governo forte, de forma intensa, mas também digna (atentar na expressividade do advérbio de modo «magnificamente», refletindo a grandeza e o respeito que ela tinha pelo esposo. Em segundo lugar, chora «desoladamente» (novo advérbio de modo expressivo) o esposo, ou seja, como mulher, perde o marido, fica viúva, ressaltando neste passo a perda pessoal do companheiro amado, cujos traços físicos («formoso» e psicológicos («alegre») tornam a perda mais impactante e difícil de suportar. Todavia, o que mais a angustia é, no papel de mãe, o facto de o filho de ambos ficar desamparado e à mercê dos inimigos (atentar no valor expressivo do terceiro advérbio de modo – «ansiosamente» –, que remete para um perspetivar angustiado do futuro). Em suma, a rainha sente dor não apenas pela perda pessoal do marido, mas, sobretudo, pela vulnerabilidade em que ficam o filho e o reino.
    Neste parágrafo, conhecemos também mais duas características do rei, uma física («formoso») e outra psicológica («alegre»). Quanto ao príncipe, é enfatizado o facto de ser uma criatura frágil (convém não esquecer que é um bebé de berço) e ficar desamparado com a morte do pai, rodeado de inúmeros inimigos.

    No que diz respeito à linguagem, além da expressividade dos advérbios de modo já abordada, destaca-se a linguagem elevada e solene («magnificamente») usada para descrever o luto e a reação da rainha à morte da esposa, carregados de dignidade, apesar da tremenda tristeza e dor. Essa linguagem, no fundo, adequa-se ao caráter nobre das personagens e do meio em que se inserem.
    A anáfora e o paralelismo [“chorou (…) chorou (…) chorou”] enfatizam a intensidade e a multiplicidade da(s) perda(s) sentida(s) pela rainha: primeiro, como rainha, do rei; depois, como mulher, do esposo; por último, como mãe, do pai do filho. Esta progressão de perdas reflete a profundidade crescente do seu sofrimento. Neste contexto, podemos considerar também a existência de uma enumeração dos diferentes papéis que o rei desempenhava, que enfatiza que a perda sofrida pela rainha não é apenas política (a de um monarca, líder de um reino), mas sobretudo pessoal (a do companheiro afetivo e do pai do seu filho).
    Por sua vez, a aliteração em «f», presente em “forte pela força e forte pelo amor”, sugere a fragilidade do príncipe, que, com a morte do pai, não tinha quem o protegesse e defendesse dos perigos e inimigos que espreitavam. Por outro lado, a repetição do adjetivo «forte» reforça a ideia de grandeza do reino, nascida não só da força, mas também do amor.
    Em “o braço que o defendesse”, podemos vislumbrar uma metáfora / sinédoque que sugere a ausência de alguém que protegesse e defendesse o príncipe. Por último, o quantificador «tantos» enfatiza, sem quantificar, a grandeza da ameaça enfrentada pelo bebé, os perigos que o espreitavam. Além disso, nota-se aqui um claro contraste (antítese) entre o elevado número e a força de inimigos e a vulnerabilidade e fragilidade em que vivia.


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Análise do 2.º parágrafo do conto «A Aia»

 ● Ação


    A ação do segundo parágrafo gira em torno de dois acontecimentos: a derrota do rei numa batalha e a notícia da sua morte.
    O rei partiu em busca de conquistar terras e da consequente fama obtida no campo de batalha, porém a derrota destruiu esses sonhos.


Personagens


    O rei é apresentado como alguém sonhador e ambicioso, pois partiu para a guerra em busca de fama e de novas terras e reconhecimento. Os seus sonhos e esperanças, porém, são estilhaçados pela derrota na guerra, redundam em fracasso trágico. A sua morte simboliza o fim das ambições de conquista e fama, gerando uma sensação de perda profunda.
    A outra personagem focada no segundo parágrafo é o cavaleiro que traz a notícia da derrota na batalha e da morte do rei. A sua única função no texto é a de mensageiro, a do portador de más notícias, as quais introduzem uma mudança nos acontecimentos. A sua descrição física dá conta do seu estado deplorável: “com as armas rotas, negro do sangue seco e do pó dos caminhos”. Ele está exausto, passou por grandes dificuldades, sobreviveu a uma batalha sangrenta, que lhe trouxe um grande sofrimento físico e emocional. O seu aspeto físico e as armas danificadas representam a violência da batalha: o sangue seco, por exemplo, sugere claramente que o combate foi brutal, causando inúmeras mortes e destruição. Ele é um sobrevivente, o único do exército do rei, mas traz consigo a marca da derrota e da tragédia; é um homem vitimado pelos horrores da guerra, refletindo o fracasso das expectativas de conquista e glória.


Tempo e espaço

    A esmagadora maioria dos acontecimentos do conto ocorre à noite, como se pode comprovar neste parágrafo, pois quer a partida do rei quer a sua morte têm lugar nesse momento do dia.
    No caso do espaço físico, há referência ao “pó dos caminhos” percorridos pelo cavaleiro desde o campo de batalha até ao palácio e à margem de um grande rio, o local onde o rei tombou e cuja simbologia é abordada no ponto que reflete sobre os elementos simbólicos do parágrafo.

Elementos simbólicos

     Quer a partida do rei para a guerra, quer a sua morte estão intimamente ligadas à Lua. De facto, quando embarca em busca do “seu sonho de conquista e fama”, a Lua está na fase cheia, o que simboliza o seu sonho e a ilusão da conquista e da fama; porém, a sua morte ocorre quando a mesma Lua está a minguar. Ora, a fase minguante é a que antecede os três dias em que não brilha, em que «morre», portanto o minguar da Lua simboliza / reflete exatamente a derrota das tropas do rei e a sua morte. Ou seja, o ciclo lunar constitui uma metáfora da trajetória do rei: um período breve de glória e ambição desagua na derrota e na morte.
    Por outro lado, o monarca pereceu trespassado por sete lanças, sendo que este número está associado à tragédia, à morte, neste caso, do rei, morte essa que é indiciada pelas armas rotas do cavaleiro e acentuada pelo sangue e pelo facto de regressar sozinho ao reino. Além disso, a morte tem lugar “à beira de um grande rio”, o qual representa o limiar entre a vida e a morte, neste caso concreto, do rei e da elite da sua nobreza guerreira.

Linguagem

    Neste parágrafo, a Lua é personificada, como se fosse uma testemunha muda da partida do rei: “A Lua cheia que o vira marchar…”. Posteriormente, já minguante, reflete a perda e a derrota. Os nomos «sonho», «conquista» e «glória» sugerem a ambição e o ideal do rei, o que contrasta com, por exemplo, o adjetivo «perdida» e o nome «morte», que dão conta da derrota do monarca e da destruição do seu ideal, sonhos e ambição.
    Por outro lado, as descrições pautam-se por um grande visualismo, como é o caso da do cavaleiro (“Com as armas rotas, negro do sangue seco e do pó dos caminhos.”), que enfatiza a violência da batalha e o desgaste físico e o cansaço da personagem, motivados pela longa jornada que teve de fazer e que é refletida pela longa jornada que teve de fazer e que é refletida pelos nomes presentes na expressão «pó dos caminhos».
    Na expressão «trespassado por sete lanças», podemos eventualmente vislumbrar uma hipérbole, que enfatiza a violência que rodeou a morte do rei. Por seu turno, a metáfora “a flor da sua nobreza” sugere que os que pereceram na batalha eram a elite da nobreza, os melhores e mais nobres cavaleiros dentre os melhores, reforçando a magnitude da derrota e da perda.

domingo, 6 de outubro de 2024

Benfica vence a sexta Supertaça de polo aquático feminino


 

Análise do 1.º parágrafo do conto «A Aia»

O tempo cronológico e os contos de fadas

    O conto abre com a expressão “Era uma vez”, que transporta o leitor para o mundo dos contos tradicionais populares, caracterizados pela presença de reis, rainhas, príncipes e por um mundo de fantasia e imaginação.
    Por outro lado, a expressão situa a história num tempo indefinido e indeterminado, afastado do tempo concreto, criando, assim, uma noção de atemporalidade, ou seja, de uma época qualquer, reforçando o caráter simbólico da narrativa. Isto permite que a história seja percecionada não como um evento específico e situado num determinado local e tempo concretos, mas como algo que poderia acontecer em qualquer momento da história humana.
    Por outro lado, convém não esquecer que os contos populares veiculam uma lição ou ensinamento moral, transmitindo valores ou comportamentos, pelo que a fórmula de abertura, ao associar-lhes o conto de Eça de Queirós, sugere que a história que vai ser narrada contém um desfecho moralizante. No entanto, embora o texto pareça ter um início leve e fantasioso, na realidade prepara o terreno para a abordagem de temas profundos e um desfecho trágico, que contraria o típico «Casaram e viveram felizes para sempre».
    Além disso, a aia, uma humilde serva, normalmente um tipo de personagem secundária, assume grande relevância e um papel crucial no desenvolvimento da ação. O seu sacrifício heroico remete também para os contos populares e de fadas, nos quais por vezes figuras aparentemente secundárias e / ou desprovidas de profundidade psicológica desempenham papéis de enorme relevância e assumem um estatuto de grande importância moral ou heroica.

O tempo histórico

    Quanto ao tempo histórico, tal como sucede com o da história ou com o espaço físico, não encontramos, para já, qualquer notação que permita localizar a ação numa época concreta. No entanto, uma série de elementos presentes ao longo do texto permite situá-la na Idade Média. A existência de uma monarquia hereditária (o pequeno príncipe é o herdeiro do trono) sugere a existência de uma organização social característica da época medieval, marcada pela concentração do poder nas mãos do rei e pela continuidade dinástica. Em segundo lugar, a referência às searas abundantes aponta para uma economia de tipo agrário, onde a riqueza do reino estava associada ao cultivo da terra. Em terceiro lugar, a partida do rei para a guerra situa-nos no contexto das guerras medievais, de campanhas militares organizadas para defender ou conquistar territórios.

O espaço

    No que diz respeito ao espaço físico, a expressão “senhor de um reino abundante em cidades e searas”, por um lado, situa a ação num espaço indeterminado e indefinido (vide tempo); por outro, apresenta-no-lo como vasto e próspero / rico, simbolizando as cidades o poder político e a estrutura / organização social e as searas a fertilidade e a riqueza económica, o que indicia que o reino é bem governado e seguro, imagem que passa a estar ameaçada com a partida do rei para a guerra, facto que o deixa e aos súbditos, bem como a família (a rainha e o filho de ambos), numa situação de vulnerabilidade.
    Neste parágrafo, existe a menção a outro espaço físico – “terras distantes” –, o local para onde o rei e o seu exército partem, pois é aí que se vai desenrolar a guerra – outro espaço indefinido e indeterminado. Por um lado, o facto de o lugar ser distante enfatiza a separação e a distância enorme entre o rei e a sua família, o que acentua a situação de vulnerabilidade e o perigo crescente que a cerca. Por outro lado, estabelece-se aqui uma espécie de contraste entre o mundo externo, caracterizado pela violência e pela imprevisibilidade, e o espaço interior presumido, o palácio, que estaria conotado com a segurança, mas que agora, porém, também está ameaçado.
    No que se refere ao espaço social, a ação decorre essencialmente no ambiente da corte, representado pelo palácio real, pelo casal de soberanos e pelo seu filho bebé. Por outro lado, as personagens apresentadas neste primeiro parágrafo – o rei, a rainha e o filho – pertencem à realeza. De facto, a história desenrola-se na corte, no seio da nobreza, sendo que o monarca e a sua consorte ocupam o topo da estrutura social. O rei surge ligado ao exterior e à ação, ao estatuto de herói, enquanto a rainha é remetida para uma posição mais passiva e confinada ao lar. A sua solidão e tristeza refletem a saudade do esposo, mas também a sua posição subalterna enquanto mulher numa sociedade patriarcal, dominada por homens. Além disso, o reino é caracterizado como vasto, abundante e rico, quer em cidades, quer em riqueza. Por último, esta parte do texto indicia os diferentes papéis desempenhados pelo rei e pela rainha, que surge numa posição de dependência, juntamente com o filho, relativamente à figura do poder. De facto, a sua ausência cria uma lacuna de poder no espaço doméstico e abre caminho para que a fragilidade se instale no palácio.

Personagens

    O rei é apresentado como um nobre “moço e valente” (jovem e corajoso), o que permite, desde já, associá-lo à figura do herói que parte para combater em terras distantes. Por outro lado, é rico e poderoso (reina num “reino abundante em cidades e searas”) e ambicioso, dado que parte para a guerra em busca de fama e de novas terras, mas também imprudente, pois a sua partida deixa o reino e a sua família desprotegidos, logo vulneráveis. Note-se também que todos estes elementos permitem associar o conto ao mundo medieval e cavaleiresco, onde os monarcas tinham necessidade de defender os seus reinos através da guerra.
    Por último, há que notar que o rei não possui nome próprio, portanto é uma personagem anónima, outro traço herdado do conto tradicional popular e que caracteriza todas as restantes personagens do texto (a rainha, o príncipe, a aia, o escravozinho, etc.). De facto, todas elas são anónimas, sendo designadas pela sua condição social (o rei, a rainha, a aia, etc.) ou pelas suas características psicológicas. Este traço serve para conferir intemporalidade ao conto, à semelhança do que sucede com o tempo e o espaço.
    A rainha, igualmente nobre e jovem, é caracterizada como “solitária e triste”, traços que têm como causa direta o sentimento de abandono, pois o marido partiu para a guerra e deixou-a só. Para a sua tristeza, preocupação e saudade concorrerá também a responsabilidade de criar e proteger o filho de ambos. Por outro lado, a situação da rainha remete para o tema batido da espera e da solidão femininas. De facto, já na cantiga de amigo, encontramos a mulher que espera, ansiosa e preocupada, o homem, que partiu (para a guerra, por exemplo).É o caso, a título exemplificativo, de cantigas como “Sedia-m’ eu na ermida de San Simion” ou “Ai flores, ai flores do verde pino”. Ela enfrenta não apenas a saudade, mas também a responsabilidade de manter a estabilidade familiar e proteger o herdeiro do trono.
    Por último, o príncipe, igualmente nobre, é uma figura rodeada de carinho (diminutivo «filhinho»), mas apresentada como inocente e frágil, desde logo por ser um bebé de berço e, além disso, por causa da ausência do pai. Convém não esquecer, neste contexto, que se trata do herdeiro do trono, por isso carece de proteção constante. Ele simboliza o futuro e a continuidade do reino.

Narrador

    No que diz respeito à presença, o narrador é não participante e heterodiegético, visto que não é personagem e, por conseguinte, não participa na ação. Assim, a narração é feita na terceira pessoa (“partira”).
    Relativamente à focalização, o narrador parece ser omnisciente, visto que conhece os pensamentos e os sentimentos das personagens, como é o caso do estado de espírito após a partida do marido para a guerra: “solitária e triste”.
    Por último, no que diz respeito à posição, o narrador é predominantemente objetivo, ou seja, apenas se refere ao que observa ou conjetura, no entanto há várias passagens que o apresentam como subjetivo, como, por exemplo, o uso da interjeição “Ai”.

Linguagem

    No primeiro parágrafo, assume preponderância a dupla adjetivação. Assim, a expressão «moço e valente» caracteriza o rei de forma idealizada, quase heroica. Por outro lado, «solitária e triste» traduz a angústia, a solidão, o isolamento e a desproteção da rainha ao ver o marido ausente.
    Por sua vez, o diminutivo «filhinho» sugere o amor e o carinho que rodeiam o frágil príncipe. Por outro lado, aponta para a tenra idade da criança, que vive no seu berço, «dentro das suas faixas», protegido. Em terceiro lugar, o diminutivo acentua a inocência, a fragilidade, a vulnerabilidade do bebé indefeso, dependente dos cuidados maternos e das figuras que o cercam, como a aia. A combinação do diminutivo com a imagem do bebé enfaixado no berço acentua a sua absoluta incapacidade para se proteger ou agir por conta própria. Ele é um símbolo da vulnerabilidade do próprio reino, que depende da sua sobrevivência. Além disso, o recurso ao diminutivo contrasta com a imagem do pai, apresentado como jovem e valente. Assim, o rei é apresentado como símbolo do poder e da força e valentia, enquanto o filho é o oposto: indefeso e sem qualquer força ou poder político.
    Outro recurso muito importante é o determinante artigo indefinido («um» e «uma»):
- “Era uma vez”; “um reino abundante”, um rei”:
não permite determinar com precisão o tempo histórico e o tempo cronológico (intemporalidade);
não permite determinar com precisão o espaço físico:
contribui para a exemplaridade da história, cuja mensagem, cujo teor humano pode ser aplicado a muitos tempos e lugares;
traduz o anonimato das personagens.

sábado, 5 de outubro de 2024

Benfica vence a 8.ª Supertaça de râguebi feminino

 

O 5 de outubro

     O atual feriado do 5 de outubro deve-se à implantação da República em 1910.

    No entanto, este dia é associado também a outra efeméride importante da nação lusitana. Em 1143, D. Afonso Henriques proclamava-se rei do Condado Portucalense e procurava aumentar o território com incursões militares na Galiza.

    A 5 de outubro de 1143, sob a influência do enviado do Papa, o cardeal Guido de Vico, D. Afonso Henriques e D. Afonso VII, monarca dos reinos da Galiza, Castela e Leão, assinaram em Zamora um tratado (Tratado de Zamora) que muitos consideram o marco que estabelece a independência de Portugal como nação independente.

    Todavia, a independência só foi reconhecida pelo Papa Alexandre III, em 23 de maio de 1179, através da Bula Manifestis Probatum, a qual declara o Condado Portucalense independente do reino de Leão.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Análise do capítulo II de O Cortiço

     Apresentação de Miranda e sua família, caracterizados sempre pela negativa.

         Miranda: referência à sua relação com a mulher e com Romão. Sente inveja de Romão, porque o vê crescer à força do trabalho, enquanto ele enriquecera à custa de um casamento de uma mulher que o trai. No final do capítulo, mostra que tem ambições diferentes de Romão e que são o fulcro da sua vida: ascensão ao baronato.

        D. Estela: caracterização explícita e implícita, quando é encontrada no jardim com Henrique.

        Henrique: hóspede da família.

        Criados: Valentim, Isaura, Leonor.

        Zulmira: filha de Miranda e de D. Estela.

        Botelho: é visto como um parasita que não pertence à família, mas que se integra na sordidez resultante da caracterização das personagens. São importantes as metáforas, que visam a sua caracterização. É importante a relação que estabelece com as outras personagens. Miranda vê-o como amigo e a ele confia as suas misérias e o mesmo acontece com os outros. Ele conhece as fraquezas de todos. O seu retrato é ainda mais negativo, pois partilha a sordidez de todas as outras personagens. Tem, por isso, um papel importante no romance.

Análise do capítulo I de O Cortiço

     Apresentação de três personagens importantes:

        => João Romão: é a esta personagem que se deve o aparecimento do cortiço. Descreve-se a sua ascensão, que se pauta pela ambição com vista a uma situação futura. Todas as suas privações visam o seu enriquecimento futuro. Mas a sua atitude é dinâmica e evolutiva, porque o conduz a uma produção acelerada de riqueza.
    A descrição do espaço e suas ações visam a sua caracterização, surgindo assim um retrato bastante completo e individualizado.
    Ele leva Bertoleza a confinar em si e a sua ligação intensifica-se, sobretudo a partir da cena da alforria. Mas a ajuda à escrava não é desinteressada; ele faz uma burla, cujo objetivo é sacar-lhe o dinheiro. Este facto vai ser fundamental no final. Todos os factos referidos, por mais insignificante que pareçam, têm sempre uma função.
    A economia, o trabalho e a esperteza são aspetos positivos, mas que em Romão são negativos e fundamentais na sua caracterização. Este primeiro capítulo é uma iniciação à sua caracterização, que irá ser constante ao longo da obra.

        => Bertoleza: tem uma caracterização mais positiva, pois foi enganada e tem atitudes mais altruístas.
    É típico de Aluísio de Azevedo o recurso a um certo tipo de vocabulário e comparações com animais, o que dá a ideia de sordidez.
    Mesmo antes de se ligar a João Romão, era muito trabalhadeira, pois tinha que pagar a renda ao seu senhor e queria pagar a sua liberdade. Mas o seu trabalho forçado vai continuar após se ligar a Romão: "Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante." Agora trabalha por dedicação e em função do homem a quem se sente agradecida e ligada. Este par (Romão e Bertoleza), em que o trabalho sem descanso é a marca fundamental, é bem o exemplo desse mundo sórdido. Mas o caráter de Bertoleza é diferente do de Romão, que faz tudo por interesse económico, enquanto ela age por dedicação.
    Esta caracterização positiva de Bertoleza mantém-se inalterada. Ainda em relação a Bertoleza, há um outro elemento fundamental e que abrange quase todas as mulatas e negras do romance: veem o branco como forma de ascensão social; o negro ainda era sinónimo de escravo: "Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua."

        => Miranda e D. Estela: embora pertençam a um estatuto diferente de João Romão, a personalidade básica é a mesma. Romão ascende pelo trabalho; Miranda ascende através do casamento.
    Toda a caracterização deste par passa por aspetos do foro íntimo, de caráter sexual, onde se manifesta a sordidez de caráter, pelo desvio à norma.
    Há um dado novo que aparece na literatura brasileira e que não é comum em Machado de Assis (onde aparece o adultério de modo subtil): o comportamento sexual e o adultério são expostos de modo explícito e de forma sórdida. Daí a frequente comparação com animais.
    Temos, assim, de um lado Romão e Bertoleza e, do outro, Miranda e D. Estela, que pertencem a classes diferentes, mas com a mesma caracterização sórdida.
    A caracterização individual é acompanhada por uma caracterização de relação. Por exemplo, o modo como Romão se relaciona com Bertoleza pauta-se pelo desvio. Temos também a relação entre Miranda e Romão e a relação de Romão com as pessoas que habitam o cortiço e de quem ele se aproveita e explora. São relações que se pautam sempre pela negatividade.
    A visão do cortiço, além de provocar uma relação de causa-efeito, é uma visão sórdida. Todos os elementos têm uma função explícita. A descrição é um processo usado para a caracterização dos espaços e dos ambientes.

Contexto literário de O Cortiço

     O Cortiço é uma obra que se insere já no Naturalismo, que é uma corrente que procura cultivar a cientificidade.
    Machado de Assis fugia já ao Realismo, por causa da sua personalidade e referências ao leitor. Mas mais se afasta do Naturalismo, que tinha objetivos ainda mais científicos. O Naturalismo acaba por mostrar uma vertente diferente do Realismo. Os seus princípios não eram muito digferentes; ambos procuravam a objetividade. Mas tirando isto, há vários aspetos que os separam. O Naturalismo é como que uma mutação do Realismo:
        => O Realismo mostra uma visão neutra do homem; o Naturalismo traz consigo o romance experimental, que mostra o homem como o resultado de três elementos fundamentais: raça, meio e momento (Taine).
            => O alto grau de perfeição da ficção em Machado de Assis, vai ser substituído no Naturalismo por outros aspetos, como a necessidade de provar as teses apresentadas. Temos, assim, o drama de tese que aparece no Naturalismo devido à necessidade de explicar as causas e os porquês de determinadas atitudes e comportamentos.
    Paul Alexis, em relação ao Naturalismo, diz: "O Naturalismo é um método de pensar, ver, refletir, estudar, experimentar; uma necessidade de analisar para saber, mas não uma maneira especial de escrever."
    A qualidade ficcional é sacrificada a outros elementos fundamentais no Naturalismo.
            => O Realismo pautava-se por uma escrita económica, onde a personalidade das personagens estava implícita, insinuava-se; no romance experimental, não há essa economia. Há uma explicação explícita dos comportamentos, que se tornam mais evidentes quanto menor é o freio da educação, o condicionamento.
            => Personagens e sua classe social:
                    * O Realismo trata personagens da classe bueguesa.
                    * No Romantismo, privilegiam-se personagens da alta burguesia e da 
                        aristocracia.
                    * No Naturalismo, temos a escolha das classes mais baixas, porque estas
                        estão mais sujeitas às influências da raça, do meio e do momento. Há,
                        ainda, personagens pertencentes à burguesia, sobretudo mulheres, a
                        respeito das quais se fala em casamento por conveniência e adultério. A
                        sujeição ao casamento e à religião conduze-as à traição. Já em Machado
                        de Assis temos esta temática, mas aqui com maior incidência.
    Dentro das características do drama de tese, do romance experimental, temos O Cortiço, onde as personagens passam por um processo de transformação.

Obras de Aluísio de Azevedo

 
  • Uma Lágrima de Mulher, romance, 1879
  • Os Doidos, teatro, 1879
  • O Mulato, romance, 1881
  • Memórias de um Condenado, romance, 1882
  • Mistérios da Tijuca, romance, 1882
  • A Flor de Lis, teatro, 1882
  • A Casa de Orates, teatro, 1882
  • Casa de Pensão, romance, 1884
  • Filomena Borges, romance, 1884
  • O Coruja, romance, 1885
  • Venenos Que Curam, teatro, 1886
  • O Caboclo, teatro, 1886
  • O Homem, romance, 1887
  • O Cortiço, romance, 1890
  • A República, teatro, 1890
  • Um Caso de Adultério, teatro, 1891
  • Em Flagrante, teatro, 1891
  • Demónios, contos, 1893
  • A Mortalha de Alzira, romance, 1894
  • O Livro de uma Sogra, romance, 1895
  • Pegadas, contos, 1897
  • O Touro Negro, teatro, 1898

Biografia de Aluísio de Azevedo

    Aluísio de Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo), caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luís do Maranhão, a 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913.
    Aluísio de Azevedo era filho do vice-cônsul português, David Gonçalves de Azevedo, e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e o irmão mais novo do comediógrafo Artur Azevedo. A sua mãe havia casado, aos 17 anos, com um comerciante português, porém o temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. A seguir à separação, D. Emília refugiou-se em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David. Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época foi considerado um escândalo pela sociedade maranhense.
    Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Desde cedo, revelou grande interesse pelo desenho e pela pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar as personagens dos seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur, e matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Passou a ganhar a vida fazendo caricaturas para os jornais da época, como, por exemplo, O FígaroO MequetrefeZig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses “bonecos”, que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.
    A morte do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Aí, começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico. Ajudou a lançar e colaborou com o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura, enquanto os padres se mostravam contrários a ela. Em 1881, Aluísio lançou O mulato, um romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. Todavia, a obra teve grande sucesso, foi bem recebida na Corte como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pôde regressar ao Rio de Janeiro, para onde embarcou em 7 de setembro de 1881, decidido a triunfar como escritor.
    Quase todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar os seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu uma nova preocupação no universo do escritor: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e a sua exploração pelos imigrantes, principalmente os portugueses. Dessa preocupação resultariam duas das suas melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895, escreveu, sem interrupção, romances, contos e crónicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède.
    Em 1895, ingressou na carreira diplomática, momento em que praticamente encerra a sua atividade literária. Inicialmente, foi colocado em Vigo, na Espanha, seguindo-se o Japão, a Argentina, a Inglaterra e, por último, a Itália. Nesse período de tempo, passou a coabitar com D. Pastora Luquez, uma senhora de nacionalidade argentina, juntamente com os dois filhos, Pastor e Zulema, por ele adotados. Em 1910, foi nomeado cônsul de 1. classe, sendo transferido para Assunção. A capital da Argentina, Buenos Aires, foi o seu último posto, e nela faleceu aos 56 anos, tendo sido aí sepultado. Seis anos depois, graças a uma iniciativa de Coelho Neto, o seu corpo foi transferido para S. Luís do Maranhão, onde lhe foi dada a sua última morada.
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