O conflito que se começa a desenhar no Canto I e que conduziu a ação até aqui é resolvido agora, quando Aquiles se reconcilia com Agamémnon. Note-se, todavia, que esta reconciliação não decorre de nenhum crescimento da personagem: a sua cólera impensada não desapareceu, ele apenas a redirecionou, apenas mudou o seu alvo, bem como o desejo de vingança, que, se antes era direcionado para Agamémnon, agora se volta para Heitor. Além disso, a personagem parece continuar a ignorar as necessidades e os interesses do seu próprio exército. A cólera que desperta no Canto I acarretou a morte de muitos Aqueus, incluindo o seu amigo Pátroclo, e nada, até esta se consumar, o demoveu da sua jura. Agora, pretende que as tropas comecem a combater sem se alimentarem devidamente, o que é uma ideia impensada e suicida, pois as batalhas envolvem enorme dispêndio de força e energia física.
Por outro lado, a alimentação dos
soldados implica a noção de que a vida prossegue após e apesar da guerra. A
rejeição da comida por parte de Aquiles simboliza a rejeição da vida e a
aceitação fatalista da sua própria morte. No entanto, para o sustentar durante
a batalha, os deuses proporcionam-lhe o privilégio de experimentar a sua própria
comida e bebida, algo que volta a sugerir a sua natureza de semideus. Não
esqueçamos que Aquiles é filho de um humano e de uma deusa.
Relativamente a Agamémnon, começa
por cumprir a sua promessa, presenteando-o por retornar ao combate, mas não
assume a responsabilidade pelas suas ações, que atribui, mais uma vez aos deuses,
nomeadamente a Ruína, uma tradução do grego atê. Este vocábulo possui
diversos significados, desde “ilusão”, “loucura” e “paixão” até “desastre”, “desgraça”
e “ruína”, termos que traduzem as suas consequências. A Grécia Antiga atribuía
a responsabilidade dessas emoções às entidades divinas, em vez de as considerar
características próprias da natureza humana, que as poderiam controlar.
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