“Canção do Exílio” é o poema mais conhecido de Gonçalves Dias, um texto pertencente `primeira fase do Romantismo, datado de julho de 1843, quando o poeta se encontrava em Coimbra, Portugal, desenvolvendo temáticas como o patriotismo e o saudosismo em relação à terra natal, publicado em 1846, na obra Primeiros Cantos, livro de estreia do escritor maranhense (trata-se, na verdade, do primeiro poema do livro).
Há um aspeto que marca os poemas do
Romantismo e que, por vezes, aparece em Gonçalves Dias: a epígrafe,
sobretudo de autores românticos. Neste caso, temos um extrato de um poema de
Goethe (1749-1832), intitulado “Balada de Mignon”, que manifesta a saudade de
uma terra paradisíaca e distante e um desejo de evasão no tempo e no espaço,
marcado pela oposição entre o «cá» e o «lá»: “Conheces o país onde florescem as
laranjeiras? Ardem na escura fronde os frutos de ouro… / Conhecê-lo? / Para lá,
/ para lá, / quisera eu ir!”. Nestes versos de Goethe, nota-se o louvor da
pátria e dos seus aspetos característicos. Gonçalves Dias segue o «modelo» do
poeta alemão e compõe um poema que glorifica as belezas da sua terra natal. Em
ambos os textos, mostra-se o sentimento que sente o exilado em relação à terra
de origem, elogiam-se as árvores (em Goethe, são as laranjeiras e, em Gonçalves
Dias, as palmeiras) e existe uma forte musicalidade. Há ainda a oposição entre
um cá e um lá, que é um espaço idealizado e exótico. Gonçalves Dias sente
necessidade de marcar a oposição, por causa da saudade que o indígena sente e
transmite-a através de um tom simples e ingénuo. Mas que saudade é esta? Há
quem diga que ela é tão intensa que se desliga do sentimento português e é uma
autêntica saudade indígena, que tem todas as características do elemento
português e algo mais.
É um poema ingénuo que não toma
aspetos filosóficos, mas aspetos simples da vida que nos rodeia e dos quais o
poeta sente saudade. É uma idealização do «lá» (o que não se encontra fora do
Brasil) em relação ao «cá» (o que há no país natal), daí a presença do
saudosismo característico de quem está há algum tempo distante do seu país de
origem. De facto, Gonçalves Dias compôs estes versos quando se encontrava em
Portugal, estudando Direito na Universidade de Coimbra, numa época em que era
frequente que intelectuais abastados brasileiros cruzassem o Atlântico para se
formarem em faculdades portuguesas.
Por outro lado, há que ter em conta
que o Brasil tinha declarado a independência recentemente, vinte e um anos
antes, o que levou os autores românticos a sentirem a necessidade de
trabalharem para a construção de uma identidade nacional, por isso começaram a
produzir uma literatura com tons mais nacionalistas.
O próprio título “canção”
marca desde logo um certo ritmo muito suave e adaptado ao sentimento de saudade
expresso; é um poema substantivado e com uso frequente da técnica da repetição,
que é própria da canção e serve para marcar a intensidade, toda a valorização
do «lá» e a consequente oposição com o «cá».
O encadeamento das estrofes, a
repetição do tema reforçam o sentimento de saudade marcado pela simplicidade
que é quase a nota principal do poema. Como não há adjetivos, os nomes são
muito expressivos e Gonçalves Dias usa-os de forma acumulada. Daqui resulta um
poema com uma carga de lirismo enorme, marcado pela simplicidade e sentimento
de exílio. O poema pode ser visto como exemplo da poesia específica do Brasil,
embora seja feita fora do Brasil. Os elementos basilares são elementos da
natureza. “palmeiras”, “sabiá”.
Há autores que, nas suas críticas, o
consideram um dos poemas mais belos da literatura brasileira pelo tom de
saudade, simplicidade e solidão e pelo seu alto grau de equilíbrio, vindo da
simplicidade e da melodia.
Voltando ao título, «exílio»
é um nome que remete para uma situação em que determinada pessoa está fora do
seu país de origem, onde ela gostaria de estar. O exílio pode ser voluntário,
quando o indivíduo decide ir para outro lugar por vontade própria, como foi o
caso de Gonçalves Dias, que se deslocou a Portugal para estudar, ou forçado, como,
por exemplo, Camões quando foi para a Índia.
O tema do texto é a exaltação
e a nostalgia da terra natal, uma temática muito cara aos românticos, para os
quais o sentimento que diferencia o homem dos outros animais é precisamente o
amor da pátria. Para evitar que os habitantes das localidades mais inóspitas do
globo se precipitassem para as regiões temperadas, provocando uma catástrofe, a
providência divina ter-lhes-ia infundido o “instinto da pátria”, que “colou os
pés de cada homem ao seu torrão natal, com um imã invencível: os gelos da
Islândia, e os areais abrasados da África estão povoados” (Chateaubriand, in O
génio do cristianismo). Quanto mais adversas as condições de um país, maior
a força desse instinto, que decai naquelas latitudes onde a facilidade da vida
e as riquezas destroem os vínculos naturais que prendem o homem à terra natal.
Esses elos podem residir em pequenas coisas, como no sorriso dos pais ou no
latido de um cão, mas é sobretudo a paisagem que infunde com mais intensidade a
afeição pela pátria. No caso da literatura brasileira, o texto que fixa o
sentimento de que, comparada à paisagem natal, a natureza de outros países
parece inferior é “Canção do Exílio”.
O sujeito poético, em versos
heptassilábicos, começa por destacar dois símbolos brasileiros: o sabiá, que
representa a rica fauna brasileira, e as palmeiras, que representam a flora. De
seguida, compara o lugar onde se encontra no momento da enunciação, «aqui», com
a “minha terra”, introduzida logo no primeiro verso, e repetidamente referida
como «lá», atestando, assim, a distância que os separa. Em todas as comparações
que estabelece, ressalta a superioridade da terra natal em relação à do exílio.
Assim, compara as aves da terra natal com as de «lá», que não gorjeiam como
«aqui», o que significa que a riqueza natural existente no Brasil não se
encontra em nenhum outro local. Note-se, também, que o «eu» não especifica
nenhuma ave, antes se lhes refere de forma geral. A antítese «lá» e «aqui»
indicia que o sujeito poético não está em solo brasileiro e o poema constitui
uma vaga lembrança das saudades da pátria.
As comparações prosseguem na quadra seguinte,
sempre exaltando a pátria amada e a natureza e colocando-a acima daquela onde
se encontra fisicamente. A primeira comparação (“Nosso céu tem mais estrelas”)
remete para o ufanismo, isto é, para a ideia do ideal: as estrelas que se veem
e brilham no céu brasileiro são exatamente as mesmas que brilham no céu onde o
«eu» se encontra – Portugal. A pátria descrita pelo «eu» parece muito melhor do
que é na realidade. Por exemplo, não fala nas questões da discriminação, das
profundas desigualdades sociais ou da escravatura. A idealização da natureza
prossegue nos versos seguintes, ao mencionar as “nossas várzeas”, que têm mais
flores, e os “Nossos bosques”, que têm mais vida. Os dois versos finais remetem
de novo para a idealização: “Nossa vida / mais amores”. O Brasil é um local
paradisíaco. Ou seja, partindo dos elementos mais prosaicos da natureza (as palmeiras,
o sabiá, as estrelas, as flores), as comparações estabelecidas pelo sujeito
poético acabam por atingir, num crescendo, a própria vida, que, diminuída e
amesquinhada no exílio, alcança a plenitude na terra natal. Note-se, por outro
lado, que o «eu» não se refere àquilo que o Brasil possui e que falta à terra
do exílio, optando por comparar coisas que existem em ambos os espaços
(estrelas, flores), para afirmar sempre a superioridade que esses elementos
adquirem na terra natal.
A comparação mostra como o sujeito
poético prefere, em vez de enumerar as coisas boas da sua terra, o confronto das
mesmas com as comuns da terra onde se encontra exilado, constituindo a
localização o critério para determinar a sua preferência. Estrelas, várzeas,
flores, bosques, vida, amores – tudo isto existe em Portugal e no Brasil. O
que, de facto, provoca a saudade não é, portanto, a sua simples existência, mas
a qualidade que a existência desses elementos adquire quando enquadrados na
moldura da pátria. O sujeito poético não compara o que a sua terra natal tem
com o que a terra do exílio não possui; sugere, isso sim, o maior valor de que
as mesmas coisas se revestem quando localizadas no Brasil. Por outro lado, não
é a evocação dos elementos (palmeiras, aves, etc.) que desperta a saudade, mas
é esta que, como se pré-existisse a qualquer elemento objetivo, oferece ao «eu»
poético a afetividade com que «julga» o «aqui» e o «lá». Não há qualquer juízo
objetivo ou realidade objetiva, pelo contrário: toda a certeza do sujeito de
enunciação é subjetiva, ou seja, é a sua convicção dogmática de que, qualquer
que seja o objeto, tudo o que pertença ao país de origem é superior ao
estrangeiro.
A partir da terceira estrofe,
contactamos com o estado de alma do sujeito poético relativamente à sua pátria,
destacando-se um sentimento: a saudade. Além dela, ele dá-nos conta da sua
solidão e do pensamento aturado voltado para a terra natal: “Em cismar,
sozinho, à noite…”. Observe-se que o adjetivo se encontra isolado por vírgulas,
indiciando a extrema solidão que o magoava, a solidão meditativa e noturna,
exatamente o ambiente adequado à reflexão e à manifestação de estados
nostálgicos e melancólicos. Os dois versos que retomam os dois versos iniciais
do poema e que formam uma espécie de refrão indicia a obsessão do «eu» com a
sua terra natal. De facto, depois de descrever o seu estado de alma, em que dá
destaque à sua condição meditativa propícia à saudade, o sujeito poético repete
esses versos, o estímulo que esteve na base da sua obstinada nostalgia.
Os quatro versos iniciais da estrofe
seguinte enfatizam de novo a saudade e a solidão que sentia. A sua terra tem “primores
/ Que tais não encontro eu cá”. O nome «primores» acentua a ideia de que a
saudade não nasce dos atributos peculiares da terra brasileira, mas da
insistência em conferir maior valia a coisas que se encontram em toda a parte,
quando estão em solo nativo. Seguem-se os versos que repetem, enfaticamente, a
melancolia e a nostalgia, prosseguindo o estado obsessivo: o «eu» não se limita
a repetir o tópico da terra natal; vai mais longe, reiterando a solidão que
favorece a sua lembrança. Podemos concluir que esta estrofe obedece a uma
estrutura tripartida: a “racionalização” sintética da preferência do «eu» pela
pátria (dois versos); a reiteração da situação afetiva de onde nasce o
sentimento da saudade (dois versos seguintes; o retorno da obsessão fundamental
(dois versos iniciais).
Já na última estrofe dá conta do seu
desejo de regressar ao solo pátrio e de poder ver de novo as suas belezas: “Não
permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá…”, mas, ao mesmo tempo,
indicia o pressentimento doloroso de que o exílio se poderá tornar definitivo.
O advérbio de lugar «lá» designa, de novo, a terra natal, é o eco sintético das
palmeiras, do sabiá e de tudo aquilo, em suma, que tem um valor incomparável no
seu país. Esse advérbio, por outro lado, opõe-se antiteticamente a outros, como
«aqui», «cá» e «por cá».
Formalmente, o poema é
constituído por cinco estrofes: três quadras e duas sextilhas. Desses vinte e
quatro versos, dois foram usados na composição do hino brasileiro: “Nossos bosques
têm mais vida, / Nossa vida, (no teu seio)mais amores”. Os versos ímpares são
brancos (isto é, não possuem rima: “estrelas” / “vida”), ou apresentam rima
toante (“palmeiras” / “gorjeiam”),
enquanto os pares apresentam rima consoante (“flores” / “amores”). Assim sendo,
o esquema rimático é o seguinte: ABCB nas quadras e ABCBDB nas sextilhas.
Além da rima, outro processo que
contribui para a homofonia do poema é a repetição. Assim, podemos observar que
os versos 1 e 2 da primeira estrofe (“Minha terra tem palmeiras / Onde canta o
sabiá”) são retomados integralmente na terceira e na quarte e, com alteração,
na quinta, convertendo-se numa espécie de estribilho ou refrão. Além disso, a
estrofe número três é integralmente repetida na quarta (vv. 9-12 / vv. 15-18).
Verifica-se também a repetição de palavras isoladas, como “gorjeiam”, nos vv 3
e 4; “nosso” e as suas variantes nos vv. 5 a 8; “mais”, nos mesmos versos; “primores”,
nos vv. 13 e 21; “sem”, nos vv. 20, 21 e 23; “lá”, nos vv. 4, 10, 16 e 20; “canta”,
nos vv. 2, 12, 18 e 24; “eu”, nos vv. 10, 14, 16 e 19; “que”, nos vv. 3, 14,
19,20, 21, 22 e 23). Todas estas repetições proporcionam a grande musicalidade
que perpassa a composição poética.
No que diz respeito ao ritmo, esta
caracteriza-se pela repetição de sons agrupados em pequenas unidades regulares.
Nas línguas novilatinas, o ritmo poético é determinado pela tonicidade das
vogais, isto é, pela sucessão de sílabas fortes e fracas, podendo haver também
sílabas de tonicidade intermediária. “Canção do Exílio” foi escrito em versos
heptassilábicos ou de redondilha maior. O esquema rítmico dominante é dado
pelos acentos na terceira e na sétima sílabas de cada verso, como se pode
constatar pela análise da primeira estrofe, na qual esse esquema é quebrado apenas
no terceiro verso, acentuado na segunda, quinta e sétima sílabas:
1. Mi | nha | te | rra | tem | pal | mei | ras, --/---/ [3-7]
2. On | de | can | ta | o | sa | bi | á; --/---/ [3-7]
3. As | a| ves | que a | qui | gor | jei | am -/--/-- [2, 5, 7]
4.Não | gor | jei | am | co | mo | lá. --/---/ [3-7]
De acordo com o esquema, a quebra do
ritmo dá-se quando o sujeito poético introduz o tema da terra estrangeira: é
como se as aves do exílio, único elemento estrangeiro referido na estrofe, desafinassem
o coro dos elementos nativos. Para confirmar essa impressão, a mesma quebra de
ritmo ocorrerá no verso 14, que também faz referência ao «cá» onde o «eu» se
encontra no momento da enunciação: “Que | tais | en | con |tro eu
| cá” [2-5-7-].
Na última estrofe, quando o sujeito
poético exprime o receio de que o exílio se torne permanente e afirma o desejo
de retornar à terra natal, estrofe, portanto, em que a tensão atinge o nível
mais elevado, o ritmo também sofre alterações:
19. Não| per | mi | ta | Deus | | que eu | mo |
rra, --/---/ [3-7]
20. Sem | que eu | vol | te | pa | ra | lá; --/---/ [3-7]
21. Sem | que | des | fru | te os | pri | mo |
res ---/--/ [4-7]
22. Que | não | en | com | tro | por | cá; ---/--/ [4-7]
23. Sem | qu’in | da a | vis | te as | pal | mei
| ras, ---/--/ [4-7]
24. On | de | can | ta o | sa | bi | á --/---/ [3-7]
Deste modo, a quebra do ritmo é uma
escolha doo poeta, que, consciente do seu ofício, o utiliza e às suas variações
para reforçar o sentido do poema. O esquema rítmico dominante é 3-7. As quebras
ocorrem nos versos 3 e 14 (acentuados em 2-5-7) e nos versos 21, 22 e 23
(acentuados em 4-7).
Em suma, o poema qualifica, em tons
superlativos, a terra natal, porém a qualidade atribuída é em si mesma
abstrata. O sujeito poético não descreve qualquer aspeto particular da sua
terra, optando por partir do sabiá, a ave-símbolo do Maranhão, terra natal de
Gonçalves Dias, para a sobrevalorizar. O Brasil, nesta composição, não é isto
ou aquilo; é sempre mais do que o outro espaço.
“Canção do Exílio” é um poema
romântico que veicula uma saudade melancólica e a aspiração a um país edénico,
a uma terra ideal, a uma pátria sonhada e idealizada, constituindo o retorno à
terra natal uma variante da nostalgia romântica. Por outro lado, a composição
apresenta um estilo onde predominam os nomes e os adjetivos sobre os verbos,
apontando para uma conceção não dinâmica da realidade, como se pode constatar
pelo facto de, entre os dez verbos nela presentes (“ter”, “cantar”, “gorjear”, “cismar”,
“encontrar”, “permitir”, “morrer”, “voltar”, “desfrutar”, “avistar”),apenas um –
“voltar” – indicar movimento.
A saudade do torrão pátrio é um sentimento
profundamente brasileiro, na forma de um desprezo cego pela realidade objetiva
do país. Boa ou má, essa realidade jamais conseguirá apagar a saudade e o amor
obstinado pelo seu país.
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