É um
narrador heterodiegético, porque nunca participa na diegese, e também omnisciente,
pela introspeção que faz do íntimo das personagens. Isto faz com que assumisse
uma função de criador: dono do mundo ficcional que cria. Ele instaura-se como
criador e, como tal, dá-nos a verdade. Todas as suas interpelações são
indiscutíveis. O narrador heterodiegético e omnisciente tem uma enorme
autonomia sobre o texto e não é possível discutir os seus valores. Ele
apresenta a verdade e, por isso, por detrás da aparência de Seixas e Aurélia,
ele mostra-nos o seu íntimo autêntico. Apresenta os dois aspetos como tentativa
de repor sempre a verdade. Assim, cria-se um equilíbrio no mundo ficcional,
possível através das interpelações subjetivas do narrador. A sua apresentação
da verdade não permite ao leitor equívocos ou entrar em contradição. Explica
toda a ação e daí a recorrência à analepse com o objetivo de explicar as
atitudes e os comportamentos das personagens. Garante a unidade e a verdade da
narrativa.
Se este
é o seu objetivo, daqui vem a sua constante participação:
=> pág. 120: “Este fenómeno
devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos…”. O
narrador instaura uma verdade; não deixa perspetiva em aberto.
Mas
além da constante participação do narrador, há uma íntima ligação
texto-narrador-leitor:
=> pág. 136: “Tornemos à
câmara nupcial, onde se representa a primeira cena do drama original, de que
apenas conhecemos o prólogo.”: intriga os leitores no mundo ficcional como
entidade a quem dirige o seu discurso e os valores que ele exprime;
=> pág. 193: “Convencido de
que também o coração tem uma lógica…bem desejara o narrador deste episódio perscrutar
a razão dos singulares movimentos que se produzem na alma de Aurélia.
Como,
porém, não foi dotado com a lucidez precisa para o estudo dos fenómenos
psicológicos, limita-se a referir o que sabe, deixando à sagacidade de cada um
atinar com a verdadeira causa de impulsos tão encontrados.”
=> pág. 222: há uma
intertextualidade e dialogismo que se estabelece na obra: “Mal pensava Aurélia
que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber indiretamente
suas inconfidências, e escrever também o romance de sua vida, a que ela fazia
alusão.”
Há um
necessário afastamento entre o narrador (entidade inerente à obra) e o autor
empírico da obra. Se, por um lado, o narrador se coloca da parte de fora,
apenas como depósito do que Aurélia lhe contara sobre sua vida, logo adquire um
poder enorme sobre as personagens, modelando e fazendo-as evoluir por si
próprias (ver a importância do diálogo para essa evolução) ou mostrando
autênticos quadros de análise psicológica do interior das personagens. O
narrador domina completamente as suas personagens, os acontecimentos; conhece
as causas e os respetivos efeitos sem que se possa pôr em causa a sua
autoridade. Daí ser heterodiegético.
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